• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 5 – A DESJUDICIALIZAÇÃO DA EXECUÇÃO NO PROCESSO

5.2. A obrigação de pagar como tutela específica

No direito romano, as obrigações, tendo por fundamento o seu objeto,

abrangiam três modalidades: dare, facere e praestare.317 Dare refere-se à obrigação cujo

fim consiste na transferência ao credor da propriedade de alguma coisa ou direito real sobre uma coisa; facere indica aquela obrigação na qual uma pessoa realiza (ação) ou se abstém (omissão) de realizar um ato qualquer, sem que haja transferência de direito ao credor; praestare, por sua vez, há relativa divergência entre os romanistas quanto ao seu

conteúdo.318

Ao narrar essa divergência, José Carlos Moreira Alves esclarece que praestare servia para designar duas concepções: ou a assunção de responsabilidade e isso na hipótese de o dare e facere tenham se tornado impossíveis por dolo ou culpa do devedor que, por consequência passa a dever, no lugar da prestação originária, uma soma

316 LAMBLÉM, Gláucia Aparecida da Silva. Execução dos direitos difusos, coletivos e individuais

homogêneos reconhecidos em sentença face à efetividade da tutela jurisdicional. Tese (Doutorado em

direito). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2014, p. 208.

317 MOREIRA Alves, José Carlos. Direito Romano. Vol. II. 2ª edição revista e acrescentada. Rio de Janeiro:

Forense, 1972, p. 20.

318 MOREIRA Alves, José Carlos. Direito Romano. Vol. II. 2ª edição revista e acrescentada. Rio de Janeiro:

em dinheiro; ou, em sentido genérico, para se referir a qualquer obrigação, seja esta um dare ou um facere.319

O código civil brasileiro, embora inspirado no direito romano, afastou-se dessa divisão tricotômica, especialmente quanto ao praestare, e optou por classificar as obrigações em dois grandes grupos: as obrigações de dar, coisa certa e coisa incerta (artigos 233 a 246); e obrigações de fazer e não fazer (artigos 247 a 251), mantendo-se, no entanto, quanto ao seu significado prático, o mesmo conteúdo romanista, ou seja, na obrigação de dar, o devedor se compromete a entregar alguma coisa, que pode ser certa ou incerta; e na obrigação de fazer e não fazer, o devedor, respectivamente, compromete- se a realizar ou não realizar determinado ato.

O Código Civil, porém, não disciplinou de forma expressa as obrigações de pagar quantia certa. A doutrina, então, dedicou-se a delimitá-la. Para Maria Helena

Diniz, a obrigação de pagar “é uma espécie de obrigação de dar”; 320 para Sílvio de Salvo

Venosa, também teria a “modalidade da obrigação de dar, que tem por objeto dinheiro,

denominador comum da economia”;321 também Washington de Barros Monteiro assevera

que a “obrigação de solver dívida em dinheiro constitui obrigação de dar, e não de fazer”.322

Portanto, a doutrina inclina-se para definir a obrigação de pagar como sendo uma modalidade especial da obrigação de dar, entregar algo. Explicite-se, contudo, caso assim se entenda, que a disciplina dos artigos 233 e seguintes do Código Civil não são inteiramente aplicáveis à espécie, pois, em se tratando, como de fato se trata, de entrega de soma de dinheiro, o devedor não pode, por exemplo, alegar “deterioração do dinheiro” e, por consequência, reclamar a aplicação do disposto no artigo 235.

319 MOREIRA Alves, José Carlos. Direito Romano. Vol. II. 2ª edição revista e acrescentada. Rio de Janeiro:

Forense, 1972, p. 20./21.

320 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Teoria geral das obrigações. Volume 2. 28ª

edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 103.

321 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos.

Volume 2. 15ª edição. São Paulo: Atlas, 2015, p. 138.

322 MONTEIRO, Washington de Barros. Direito das Obrigações - 2ª Parte. Vol. IV. 25ª edição atualizada.

Com efeito, como se sabe, o dinheiro se deteriora no tempo em razão do fenômeno da inflação. Apesar disso, o devedor continua obrigado a entregar a soma em dinheiro que originariamente se obrigou, mas devidamente corrigida pelo índice inflacionário aplicável à espécie.

O Código de Processo Civil, por sua vez, disciplinou objetivamente a obrigação oriunda de sentença que reconhece obrigação de fazer, não fazer e de entregar coisa (artigos 536 a 538), bem como a obrigação de pagar quantia certa (artigos 520 a 527). Em se tratando de título extrajudicial, a execução resta disciplinada nos artigos 806 a 813 (obrigações de entregar de coisa); nos artigos 814 a 823 (obrigações de fazer e não fazer); e nos artigos 824 a 909 (obrigações de pagar quantia certa).

Delimitadas essas modalidades obrigacionais (dar, fazer, não fazer e pagar), a doutrina, especialmente no processo coletivo, sempre defendeu a ideia segundo a qual as obrigações de dar, fazer e não fazer devem prioritariamente ser executadas de forma específica, mas não o mesmo em relação à obrigação de pagar, pois a entrega de dinheiro não seria necessariamente o cumprimento específico da obrigação.

Assim, por exemplo, no que diz respeito às obrigações de fazer e não fazer, Ricardo de Barros Leonel ressalta:

Pela mitigação à demanda e ao dispositivo e pela fungibilidade das obrigações de fazer e de não fazer, observando-se a máxima efetividade da tutela e o menor ônus possível para o responsável, será sempre viável ao juiz na execução identificar, em concreto, qual a medida mais

apropriada.323

Portanto, no caso concreto, o juiz verificará a forma mais eficiente para que a tutela específica seja atingida, evitando-se, ao máximo, a conversão em perdas e

danos, pois esta deverá ser sempre a última solução.324 Logo, para atingir o resultado

323 LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 4ª edição, revista, ampliada e atualizada.

São Paulo: Malheiros, 2017, p. 496.

324 LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 4ª edição, revista, ampliada e atualizada.

específico o juiz poderá impor multas, determinar que terceiro realize o que pode ser transferido, intervenção judicial na executada etc.

Para a obrigação de pagar, contudo, a imposição desses mecanismos de coerção sempre é afastada, pois a obrigação de pagar não seria, a rigor, uma tutela específica, mas apenas uma tutela compensatória.

Ocorre, porém, que essa afirmação não é totalmente verdadeira, porquanto podem surgir fatos na vida para os quais a entrega de soma em dinheiro é efetivamente uma tutela específica. Como exemplo dessa afirmação, cite-se o saque indevido da conta corrente de um cliente bancário. Nessa hipótese, ao reclamar em juízo o saque indevido e requerer a “recomposição” da sua conta corrente, o cliente não está reclamando uma tutela compensatória, mas efetivamente uma tutela específica: a devolução do dinheiro que nunca deveria ter saído da sua conta corrente.

Ao tratar das tutelas que podem ser prestadas mediante o não fazer ou fazer, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart distinguem entre tutela específica e tutela pelo equivalente. A primeira, dizem esses autores, “preocupa-se com a integridade do direito, impedindo a sua degradação em pecúnia”; a segunda, “implica na

‘monetização’ dos direitos”, ou seja, refere-se a uma indenização pecuniária.325

Após registrarem que as tutelas específicas variam conforme as necessidades de tutela do direito material, os mesmos autores classificam-nas nas seguintes espécies: inibitória; de remoção de ilícito; ressarcitória na forma específica; do

adimplemento na forma específica; e do cumprimento do dever legal.326

A tutela inibitória é aquela “destinada a impedir a prática de ato contrário

ao direito”;327 a tutela de remoção do ilícito, por sua vez, é vocacionada para afastar os

efeitos da conduta ilícita, extirpando os seus efeitos concretos; a tutela ressarcitória na

325 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Execução. Vol. III. 6ª edição revista e

atualizada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 149.

326 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Execução. Vol. III. 6ª edição revista e

atualizada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 149.

327 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Execução. Vol. III. 6ª edição revista e

forma específica consiste em “reparar o dano ou mesmo entregar coisa equivalente àquela

que foi destruída”328 que em nada se confunde com a tutela indenizatória, ainda que

possam ser cumuladas;329 tutela do adimplemento na forma específica destina-se a obrigar

ao cumprimento da obrigação in natura; tutela do adimplemento perfeito “volta-se ao

cumprimento imperfeito da prestação”,330 ou seja, o credor tem direito “à tutela do

adimplemento da obrigação tal como devida”;331 e tutela específica do cumprimento do

dever legal de fazer que diz respeito ao não cumprimento de regra legal, mas não relacionada com proteção contra danos.

Nessa perspectiva, fica perfeitamente possível perceber que uma obrigação de pagar pode ser oriunda de um fazer, de um não fazer ou mesmo de um dar, reclamando, por consequência, uma tutela específica.

Como se sabe, a sentença prolatada na fase de conhecimento não é uma razão em si mesma, pois, exceto nas ações meramente declaratórias, ninguém vai a juízo, apenas para requerer a prolação de uma sentença. O que importa é a entrega do bem de vida almejado pelo demandante. A sentença aqui “é apenas uma técnica processual

destinada à prestação da tutela jurisdicional do direito”,332 um ponto de partida para a

efetiva satisfação do direito.

Nesse sentido, diante da pretensão deduzida pelo autor ideológico de determinada ação coletiva, deve-se identificar se o pleiteado foi uma tutela específica ou uma tutela meramente compensatória, especialmente se o pedido tiver como centralidade o pagamento em pecúnia.

328 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Execução. Vol. III. 6ª edição revista e

atualizada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 158.

329 MARINONI, Luiz Guilherme. Ações inibitória e de ressarcimento na forma específica no

“Anteproyecto de Código Modelo de Processos Colectivos para Iberoamérica (Art. 70). Disponível em:

http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/Luiz%20G.%20Marinoni(5)%20-%20formatado.pdf. Acesso em: 01.06.2018.

330 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Execução. Vol. III. 6ª edição revista e

atualizada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 169.

331 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Execução. Vol. III. 6ª edição revista e

atualizada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 169.

332 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Execução. Vol. III. 6ª edição revista e

Pense-se na hipótese daquele conhecido como sendo o maior contencioso

do Brasil: os planos econômicos.333 Nesse case, os autores individuais e coletivos

ajuizaram ações alegando que os bancos corrigiram de forma indevida as suas contas de poupança, pois os índices aplicados não refletiriam a inflação “correta” do período e, por consequência, as instituições financeiras deveriam ser condenadas no pagamento do

respectivo expurgo. Tal pretensão foi julgada procedente por diversos tribunais do país.334

A fórmula utilizada para condenação, seja nas ações individuais, seja nas ações coletivas, era basicamente a seguinte:

Isto posto, julgo procedente o pedido constante da inicial, condenando o réu ao pagamento das diferenças das correções aplicadas às cadernetas de poupança, acrescidos de correção monetária e juros de 0,5% sobre os rendimentos não creditados, a partir das épocas devidas até o efetivo pagamento, e acrescidos de juros de mora a partir da citação, incluindo-se aí todas as diferenças não

devidamente remuneradas e creditadas.335

Essa fórmula, com uma ou outra modificação redacional, mas sem alteração de essência, foi invariavelmente aplicada para todas as hipóteses de

condenação.336

333 O case planos econômicos foi o maior contencioso brasileiro, mas também, sem embargo das opiniões

contrárias, foi o maior erro judiciário do país, pois os bancos não foram condenados a pagar porque fizeram algo errado, mas porque cumpriram as determinações legais do órgão regulador. Ora, para haver condenação dos bancos, seria necessário demonstrar que os índices aplicados para a correção das cadernetas de poupança da época estavam em desconformidade com o determinado nas normas regulamentares. Isso, contudo, nunca foi demonstrado e, talvez, nem seja possível mais demonstrar, haja vista o notório acordo realizado entre as instituições financeiras e os autores ideológicos das diversas ações coletivas.

334 Não obstante as instituições financeiras e os legitimados coletivos, com a intervenção do Banco Central

do Brasil e mediação da Advocacia Geral da União, tenham firmado acordo, devidamente homologado pelo Supremo Tribunal Federal, a questão ainda não está resolvida, pois pendente de julgamento a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental no, 165-DF, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, cujo objeto

“consiste em solver suposta controvérsia constitucional acerca da interpretação conferida aos efeitos decorrentes do advento dos planos econômicos editados por diversos Governos, que exerceram o poder desde 1986, abrangendo os denominados Planos Cruzado, Bresser, Verão, bem como os Planos Collor I e II, sobretudo os reflexos incidentes na remuneração dos depósitos efetuados em cadernetas de poupança”.

335 Conforme sentença prolatada nos Autos nº 38.765/98, que tramitou na 1ª Vara da Fazenda Pública,

Falências e Concordatas da Comarca de Curitiba (PR), sendo autora a Associação Paranaense de Defesa do Consumidor e réu o Banco do Estado do Paraná S.A.

336 Exemplos: “Isto posto, julgo procedente o pedido formulado pelo autor IDEC - Instituto Brasileiro de

Defesa do Consumidor e condeno a ré a pagar aos titulares de cadernetas de poupança, mediante a comprovação da titularidade da conta, no período, a diferença existente entre a inflação divulgada por meio do IPC-IBGE (70,28%) e o índice creditado às cadernetas de poupança (22,97%), nos períodos referidos na inicial, no percentual de 48,16%, sobre o saldo existente em janeiro de 1989”. Processo nº 0403263.60.1993.8.26.0053, que tramitou na 6ª Vara de Fazenda Pública da Comarca de São Paulo (SP),

Houve até quem vislumbrasse na condenação de pagamento dos expurgos a existência de cálculos complexos, tudo a reclamar uma liquidação específica, conforme ementa do Processo nº 0248026-36.2009.8.26.0000, Relator Sebastião Flávio, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

Contrato bancário. Poupança. Demanda de condenação ao pagamento de diferenças decorrentes de expurgos inflacionários. Cumprimento de sentença. Aplicação de multa de 10% sobre o valor da condenação, pela falta de pagamento espontâneo. Necessidade de instauração de incidente para a liquidação da obrigação, por envolver cálculos aritméticos complexos. Decisão mantida. Recurso

denegado.337

Analisando-se, contudo, a questão, observa-se, primeiro, não ocorrer complexidade para a liquidação da obrigação definida na sentença, consoante, aliás, consolidou-se a jurisprudência. Nesse sentido, o Processo nº 228638-06.2015.8.26.0000, agravo de instrumento, Relator: Desembargador Henrique Rodriguero Clavisio, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

Cumprimento de sentença - Ação Civil Pública - Expurgos inflacionários - Impugnação rejeitada. Legitimidade ativa do poupador - Comprovação de que faz parte dos quadros associativos do IDEC - Desnecessidade. Excesso de execução - Não reconhecimento - Apuração do "quantum debeatur" - Remessa dos autos à Contadoria Judicial - Desnecessária a prévia liquidação, uma vez que se trata de

mero cálculo aritmético a fixar o valor devido.338

sendo réu a Nossa Caixa Nosso Banco S.A.; e “Pelo exposto, julgo procedente o pedido inaugural para condenar a ré, de forma genérica, observado o art. 95, do Código do Consumidor, a incluir o índice de 48,16% (quarenta e oito inteiros e dezesseis décimos percentuais) no cálculo do reajuste dos valores depositados nas contas de poupança com ela mantidas em janeiro de 1989, até o advento da Medida Provisória nº 32, tudo a ser apurado em liquidação de sentença. Em razão da sucumbência, arcará a ré com as despesas processuais e honorários advocatícios que fixo em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa.” Processo nº 0027179-08.1998.8.07.0001, que tramitou na 12 ª Vara Cível de Brasília, sendo autor o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor e réu o Banco do Brasil S.A.

337 Disponível em: www.tjsp.jus.br. Julgamento em 21.10.2009. Acórdão publicado em 14.12.2009. 338 Disponível em: www.tjsp.jus.br. Julgamento em 09.03.2016. Acórdão publicado em 08.04.2016.

Para esse conflito em concreto, suficiente, para identificação do valor devido, a elaboração de cálculos a partir das quatro operações básicas da matemática: adição, subtração, multiplicação e divisão. Ou seja, era perfeitamente possível, nas ações individuais, a realização de um cálculo e/ou uma perícia para a prolação de uma sentença líquida na fase de conhecimento, sem que isso significasse atraso na prestação jurisdicional.

O mesmo se diga em relação às ações civis coletivas, pois se é verdadeiro que não era factível definir o valor devido para cada indivíduo, era perfeitamente admissível a especificação de uma fórmula matemática simples (valor que deveria ser creditado menos o valor creditado; o resultado, atualiza-se pela tabela prática do respectivo tribunal e juros de mora a partir da citação) para apuração do valor.

Em uma segunda perspectiva, verifica-se que a entrega do valor devido era, nesse caso concreto, uma verdadeira tutela específica, porquanto representava exatamente aquilo que o jurisdicionado almejava receber. Ou seja, a entrega em dinheiro não representou e não representava uma tutela compensatória.

Ora, os bancos foram condenados porque cumpriram de forma imperfeita

o contrato de prestação de serviço.339 Logo, o titular da conta de poupança tinha e tem

direito ao adimplemento da prestação originária, qual seja o crédito do valor correto na sua conta de poupança. Portanto, tutela específica do adimplemento perfeito.

Pode-se também entender que se está diante de uma tutela ressarcitória na forma específica, porquanto os bancos foram condenados a entregar aquilo que deveriam ter creditado e não creditaram nas contas de poupanças dos seus respectivos clientes.

De qualquer forma, independentemente da modalidade de tutela específica, fato é que nessa hipótese (planos econômicos) e em outras mais, a sentença que determina a entrega de soma em dinheiro a alguém nem sempre será uma tutela compensatória a ensejar a incidência do disposto nos artigos 520 a 527 do Código de

339 Como já ressaltado, nenhuma sentença investigou se houve falha na prestação de serviço, pois se tivesse

investigado, teria observado que os bancos cumpriram com a determinação do órgão regulador. Logo, não deveria ter havido condenação; mas, isso é passado.

Processo Civil. Parece perfeitamente possível, a depender do direito material deduzido, conceber a condenação de pagar quantia como sendo uma obrigação de fazer ou de dar.

A propósito, em interessante estudo, Edson Kiyoshi Nacata Junior esclarece que, pelas fontes romanas, o fazer abrangeria o dar e o pagar. Confira-se:

Trata-se, com efeito de um conceito que, de um lado, delinear-se-ia negativamente em relação ao “dare”, porém, de outro lado, por sua capacidade de exprimir toda atividade que possa figurar como prestação devida, “facere” abrangeria também o “dare”. Com efeito: Pap. 27 quaest., D. 50, 16, 218: Verbum ‘facere’ omnem omnino faciendi causam complectitur dandi, solvendi, numerandi, iudicandi, ambulandi.’‘A palavra ‘fazer’ abrange, completamente, toda espécie de fazer: dar, pagar, entregar dinheiro, julgar, percorrer.’340

Portanto, essa forma de enxergar a obrigação de pagar é perfeitamente útil e compatível com o processo coletivo, visto que será possível ao juiz da fase de conhecimento especificar os critérios para determinação do valor devido para cada indivíduo, ou mesmo, se o caso concreto assim permitir, estabelecer uma fórmula

matemática.341

Nessa hipótese, a obrigação para o condenado não será, a rigor, de pagar, mas de fazer algo (um crédito em conta corrente, por exemplo) ou de dar uma coisa. Nesse exemplo, a sentença não teria, como sói acontecer, natureza condenatória, mas mandamental ou, nas palavras de Cássio Scarpinella Bueno, apenas transitiva. Nesses termos, absolutamente viável defender, no processo coletivo, que a realização material do direito não precisa, inexoravelmente, chegar às portas do Judiciário por meio de uma miríade de liquidações e/ou execuções. Para tanto, basta estar regulado na sentença coletiva o modo como o devedor deverá cumprir com a obrigação nela definida.

340 NACATA Junior, Edson Kiyoshi. De “dare, facere, praestare” a “dar, fazer, não fazer”. Revista de

Direito Privado, Volume 57. Edição eletrônica. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.

341 Não se desconhece o conteúdo do Projeto de nova Lei da Ação Civil Pública (Projeto de Lei nº

5.139/2009) que determina ao juiz proferir sentença líquida nos processos coletivos, bem como, em sendo possível, o estabelecimento de uma fórmula matemática para a apuração dos valores devidos. O que se defende, porém, é para essas providências não há necessidade de lei específica, haja vista os princípios constitucionais da eficiência e da razoável duração do processo. Afinal, um processo que haja a prolação de uma sentença líquida invariavelmente será mais célere e eficiente.