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A tradicional tutela jurisdicional executiva coletiva

CAPÍTULO 5 – A DESJUDICIALIZAÇÃO DA EXECUÇÃO NO PROCESSO

5.1. A tradicional tutela jurisdicional executiva coletiva

Tradicionalmente, realizam-se no processo judicial três atividades: a) uma cognitiva, destinada à definição ou acertamento do direito; b) uma executiva, cuja função é a realização material do direito do credor; e c) uma cautelar, cuja finalidade consiste em garantir o resultado útil do processo, seja ele executivo ou de conhecimento.

Na tutela executiva, de forma a impedir a “justiça” com as próprias mãos, o Estado coloca à disposição das partes um conjunto de atividades destinadas à realização

de atos concretos, cujo objetivo consiste em efetivar o direito do credor.311

A disciplina relativa à realização desses atos materiais está disciplinada no Código de Processo Civil, nos artigos 513 a 538 (cumprimento de sentença) e no Livro II que regula o processo de execução e as suas diversas espécies.

Todo esse arcabouço processual, destinado, na origem, ao processo individual, vem sendo aplicado ao processo coletivo, uma vez que, quanto à liquidação e à execução no âmbito do processo coletivo, o legislador ordinário pouco estabeleceu. Todavia, isso não quer dizer que possa haver um mero transplante daquelas normas para o processo coletivo, haja vista as peculiaridades deste.

Nesse sentido, a observação de Ricardo de Barros Leonel, ao ressaltar que pelas “peculiaridades das relações jurídicas coletivas, torna-se imprescindível a

adequação do procedimento satisfativo”.312

Esse trabalho de adequação é o grande desafio do processo coletivo, porquanto, para o homem médio, ainda que seja importante a decisão judicial prolatada

311 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de execução e cumprimento de sentença. 29ª edição,

revista e atualizada. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito, 2017, p. 751.

312 LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 4ª edição, revista, ampliada e atualizada.

na fase de conhecimento, o relevante é a sua satisfação, isto é, receber, concretamente, aquilo que judicialmente foi acertado.

De fato, a disciplina da execução no processo coletivo é parcimoniosa. A Lei da Ação Civil Pública apenas cuida da ação de cumprimento de obrigação de fazer e não fazer (artigo 11); e o Código de Defesa do Consumidor disciplina a legitimidade para a execução (artigo 97) e as espécies de execução individual e coletiva (artigo 98).

Há outros dispositivos que, embora ligados à atividade de satisfação, não tratam verdadeiramente do procedimento de execução. Como exemplos, cite-se a previsão do artigo 13, da Lei da Ação Civil Pública, que disciplina o repasse da condenação em dinheiro para o fundo que especifica; e o artigo 15 que determina ao Ministério Público promover a execução após sessenta dias do trânsito em julgado, em caso de omissão da associação autora, facultando igual iniciativa aos demais legitimados.

Patrícia Miranda Pizzol sintetiza essa ausência de normatização nos seguintes termos:

As normas relativas especificamente à execução em ações coletivas encontram-se consubstanciadas nos arts. 97 usque 100 do CDC, os quais, embora estejam insertos no capítulo pertinente às ações coletivas para defesa dos interesses individuais homogêneos, aplicam-se também às hipóteses de ações fundadas em direitos e interesses difusos e coletivos stricto sensu, tendo em vista a inexistência de um tratamento legal específico para tais casos, bem como o fato de que o CDC é um microssistema, que contém um conjunto de regras destinadas à tutela dos direitos e

interesses coletivos.313

Conforme previsto no Código de Processo Civil, três são as espécies de obrigações ligadas à tutela jurisdicional executiva: obrigações de pagar; obrigações de fazer e não fazer; e obrigações de entregar coisa. Essas são, rigorosamente, também as espécies de obrigações possíveis no processo coletivo. Não há, a rigor, diferença substancial quanto à essa classificação.

Também possível falar, no processo coletivo, em cumprimento e/ou execução definitiva (ou provisória) da obrigação definida na sentença, tudo conforme a dicção do Código de Processo Civil. Aqui, porém, a doutrina aponta relevante distinção: a desnecessidade de caução em se tratando de execução provisória coletiva.

No processo individual, a prestação de caução – caso haja pedido para levantamento de depósito em dinheiro e a prática de atos que importem transferência de posse ou alienação de propriedade ou outro direito real, dos quais possa resultar grave dano ao executado – é a regra (artigo 520, IV). A não prestação de caução é exceção, expressamente disciplinada no artigo 521 do Código de Processo Civil.

No processo coletivo, porém, essa dinâmica necessita ser alterada, de modo que a não prestação de caução, no caso de execução coletiva, passa a ser o que se exigiria de ordinário e a caução dependeria das circunstâncias do caso concreto. Vale dizer: deverá o Estado-Juiz expor, fundamentadamente, as razões para a exigência da caução, sob pena de inviabilização da tutela coletiva.

No ponto, não exigência de caução para a execução provisória coletiva, a lição de Ricardo de Barros Leonel:

Com a devida vênia, não se pode exigir caução para a execução provisória coletiva.

[...]

Em outras palavras: a exigência de caução dos legitimados coletivos na execução coletiva provisória levaria à vedação da satisfação dos interesses lesados, tendo como consequência, por exemplo, a dissipação do patrimônio do

devedor que dele se desfaça após sentença. 314

Com fundamento em uma sentença prolatada no processo coletivo, a execução poderá ser individual ou coletiva. Ela será individual quando proposta pelos beneficiados da sentença coletiva; e coletiva quando ajuizada pelos entes legitimados (artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor).

314 LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 4ª edição, revista, ampliada e atualizada.

Importante observar que uma sentença com origem em direito difuso, direito coletivo em sentido estrito ou direito individual homogêneo poderá ensejar uma

execução coletiva ou uma execução individual, haja vista o previsto no artigo 103, § 3o,

do Código de Defesa do Consumidor (transporte in utilibus da coisa julgada). No ponto, a síntese de Patrícia Miranda Pizzol:

Em outras palavras, de acordo com o disposto no artigo

transcrito acima [103, § 3o], se a ação coletiva fundada em

pretensão difusa resultar numa sentença de improcedência, o direito de as vítimas do dano pleitearem, por meio de indenização individualmente propostas, a reparação do prejuízo sofrido não será atingido. Entretanto, se o pedido formulado na ação coletiva for julgado procedente, as vítimas não precisarão propor ações individuais para que

obtenham indenização pelos prejuízos sofridos

individualmente, podendo, com base na sentença condenatória proferida naquela ação, promover liquidação

e execução individuais.315

Por último, consigne-se a possibilidade da denominada execução coletiva residual, isto é, aquela prevista no artigo 100 do Código de Defesa do Consumidor, segundo o qual, decorrido o prazo de um ano sem habilitação dos interessados em número compatível com a gravidade do dano, os legitimados do artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor poderão promover a liquidação e a execução devida, cujo valor será revertido em favor do fundo previsto no artigo 13 da Lei da Ação Civil Pública.

Observa-se, pois, que, relativamente à tutela executiva no processo coletivo, há uma insuficiência de normas específicas. Isso, à primeira vista, pode se constituir em um obstáculo à realização do direito controvertido em juízo, como anota Gláucia Aparecida da Silva Lamblém:

A insuficiência do tratamento legal específico dedicado à tutela executiva para as ações coletivas, aliado à complexidade da tutela dos direitos transindividuais, dificulta a efetividade das decisões judiciais, razão pela qual urge a necessidade de se revisar o processo executivo,

315 PIZZOL, Patrícia Miranda. Tutela coletiva: processo coletivo e técnicas de padronização das decisões.

bem como as técnicas de efetivação da tutela jurisdicional coletiva.316

Esse vácuo legislativo, contudo, pode, antes de se constituir em um empecilho, significar uma possibilidade de criação de mecanismos para efetivação da tutela oriunda de processo coletivo, tudo sem a necessidade de alteração legislativa específica.

Ou seja, a ausência de disciplinamento especifico não significa impossibilidade de o Juízo, no caso concreto, construir a decisão mais adequada para satisfação do direito, seja este relacionado a uma obrigação de pagar, de fazer ou não fazer, ou de entregar coisa.