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CAPÍTULO 4 – AS TUTELAS JURISDICIONAIS

4.4. A sentença no processo coletivo

O artigo 203 do Código de Processo Civil estabelece que os pronunciamentos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos. Nos parágrafos seguintes, apresenta definição para cada espécie de pronunciamento. Assim, despachos são todos os demais pronunciamentos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte, que não sejam sentenças e nem decisões interlocutórias (§ 3º). As decisões interlocutórias, por sua vez, são aqueles pronunciamentos que não se enquadram como sentenças, mas que resolvem alguma questão durante o processo, mas “sem extingui-lo, ou sem extinguir a fase processual de

conhecimento ou de liquidação, seja ou não sobre o mérito da causa” (§ 2º). 293

alimentar). Assim, por exemplo, em se tratando de depósito, possível defender ser cabível a prisão, seja ele voluntário ou judicial (Súmula Vinculante nº 25), ou, defender que a prisão somente é cabível em se tratando de depósito judicial. Por outro lado, sem prejuízo da polêmica, parece possível, ao menos com relação ao débito de natureza alimentar, pensar em uma possibilidade de “regime prisional” distinto. Com efeito, nos termos do artigo 528, § 4º, a prisão será cumprida em regime fechado, devendo o preso ficar separado dos presos comuns. Ocorre, porém, que essa medida poderá, no caso concreto, mostrar-se drástica e contrária aos objetivos da lei: adimplemento da obrigação alimentícia. Nesse sentido, parece possível ao Estado-Juiz, fundamentadamente e sem que isso represente um favor ao devedor de alimentos, determinar o recolhimento noturno deste em lugar da sua prisão em regime fechado. Nesse sentido, ver Olavo de Oliveira Neto in Poder geral de coerção. Tese (Livre docência em direito processual civil). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2018, p. 329.

292 OLIVEIRA NETO, Olavo. Poder geral de coerção. Tese (Livre docência em direito processual civil).

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2018, p. 308/372.

293 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil.

A sentença, por sua vez, é o pronunciamento “jurisdicional por excelência, ou seja, aquele em que se exprime da maneira mais característica a essência da iurisdictio:

o ato de julgar”. 294

No direito brasileiro, o conceito de sentença sempre se mostrou controverso. Assim, ao tempo da vigência do Código de Processo Civil de 1973, sentença, conforme o artigo 162, § 1º, era o pronunciamento pelo qual o juiz colocaria termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa.

Ao analisar esse conceito legal, José Carlos Barbosa Moreira ressaltava a sua imprecisão e ambiguidade. Apresentava como exemplo, além de outros, o então vigente artigo 790, no qual seu usava “a palavra sentença para designar o deferimento do

pedido de remição, que não põe necessariamente termo ao processo executivo”.295

Superadas esses inconvenientes, observa-se que naquele tempo o conceito de sentença estava baseado em um critério puramente topológico, não substancial. O conteúdo do ato era prescindível, sendo suficiente apenas a posição ocupada no iter do processo. 296

Teresa Arruda Alvim Wambier, a partir de uma interpretação sistemática, sustentava que a sentença não se diferenciava dos demais pronunciamentos judiciais apenas pelo critério topológico, mas pelo conteúdo, haja vista o disposto nos artigos 267 e 269 da legislação revogada:

Cremos, portanto, ser esta a nota marcante das sentenças, ou seja, é o seu conteúdo, preestabelecido por lei de forma expressa e taxativa, que as distingue dos demais

pronunciamentos do juiz.297

294 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. Volume I. Tradução e notas: Cândido

Rangel Dinamarco. 3ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 309.

295 MOREIRA, José Carlos Barbosa. A nova definição de sentença. Revista de Processo. Volume 136.

Edição eletrônica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

296 MOREIRA, José Carlos Barbosa. A nova definição de sentença. Revista de Processo. Volume 136.

Edição eletrônica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

297 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 5ª edição revista, ampliada e

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade, ao comentarem o conceito de sentença na lei revogada, são taxativos e não deixam dúvidas:

Nenhum outro parâmetro anterior ao da lei, por mais importante e científico que seja, poderia ser utilizado para estabelecer a natureza e a espécie do pronunciamento judicial. O critério, fixado ex lege, tinha apenas a finalidade como parâmetro classificatório. Toda e qualquer outra tentativa de classificação do pronunciamento do juiz que não se utilizasse do elemento teleológico deveria ser

interpretada como sendo de lege ferenda. 298

Polêmicas à parte, em 2005 foi editada a Lei nº 11.232. Esta lei conferiu nova redação ao artigo 162, § 1º, para definir que sentença é pronunciamento do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei.

A partir de então, segundo José Carlos Barbosa Moreira, o conceito de

sentença “deixa de fundar-se em critério topológico para ligar-se ao conteúdo do ato”. 299

Todavia, a nova redação não foi suficiente para dirimir os conflitos acerca do conceito de sentença no ordenamento brasileiro. Nesse sentido, descreve Patrícia Miranda Pizzol:

A polêmica persistiu, tendo alguns autores entendido que, com a alteração legislativa, a sentença teria que ser conceituada pelo conteúdo; outros autores entendiam que o dispositivo não podia ser interpretado literalmente, pois a referida lei não alterou o § 2º do mesmo artigo 162 (que definia decisão interlocutória) tampouco os dispositivos relativos aos recursos cabíveis contra a sentença e a decisão

interlocutória (arts. 513 e 522, respectivamente).300

O atual Código de Processo Civil, por seu turno, define sentença como sendo o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487 , põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução. Portanto, a partir da sua vigência, o conceito de sentença no ordenamento brasileiro passa a ser obtido a partir da utilização dos dois critérios: finalidade e conteúdo.

298 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil.

Novo CPC. Lei 13.105/2015. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 716.

299 MOREIRA, José Carlos Barbosa. A nova definição de sentença. Revista de Processo. Volume 136.

Edição eletrônica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

300 PIZZOL, Patrícia Miranda. Tutela coletiva: processo coletivo e técnicas de padronização das decisões.

A partir desse conceito, é possível identificar duas espécies de sentença: terminativas e definitivas. Aquelas seriam as sentenças cujo conteúdo se amolda ao previsto no artigo 485 do atual Código de Processo Civil, segundo o qual o juiz não resolverá o mérito e, portanto, não fazem coisa julgada material; estas são assim chamadas em razão do disposto no artigo 487 e, nessa perspectiva, resolvem o mérito e, por

consequência, fazem coisa julgada material.301

Relativamente ao processo coletivo, o conceito de sentença não apresenta maiores dificuldades sendo totalmente a ele aplicável. Além disso, tem-se que, nos termos do artigo 83 do Código de Defesa do Consumidor, para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela. No ponto, o comentário de Ricardo de Barros Leonel:

Em respeito ao dogma da máxima efetividade do processo, serão pertinentes demandas e, consequentemente, sentenças adequadas a cada situação concreta verificada, para o melhor equacionamento da crise no direito material e a

pacificação dos conflitos supraindividuais.302

Ocorre, porém, que – a partir da literalidade do artigo 95 do Código de Defesa do Consumidor, o qual dispõe que “em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica, fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados” – a doutrina tradicional sempre deu destaque à natureza condenatória da sentença prolatada em processo coletivo, especialmente em se tratando direitos individuais homogêneos. Nesse sentido, Ada Pellegrini Grinover:

O conteúdo da sentença favorável – A pretensão processual do autor coletivo, na ação que trata o presente capítulo [Das Ações Coletivas Para a Defesa de Interesses Individuais Homogêneos], é de natureza condenatória, e condenatória

301 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Teoria geral do direito processual

civil. Processo de conhecimento e procedimento comum. Volume I. 57ª edição revista, atualizada e

ampliada. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 505.

302 LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 4ª edição, revista, ampliada e atualizada.

será a sentença que acolher o pedido. Mas, a condenação

será genérica, ou seja, ilíquida.303

Essa análise literal desse dispositivo conflita com o disposto no artigo 83 do Código de Defesa do Consumidor. Esse artigo encerra o denominado princípio da máxima amplitude da tutela jurisdicional comum, consoante esclarece Gregório Assagra de Almeida:

Pelo princípio da máxima amplitude da tutela jurisdicional coletiva comum, observa-se que, para a proteção jurisdicional dos direitos coletivos, são admissíveis todos os tipos de ação, procedimentos, medidas, provimentos, inclusive antecipatórios, desde que adequados para propiciar a correta e efetiva tutela do direito coletivo pleiteado. Todos os instrumentos processuais necessários e eficazes poderão ser utilizados na tutela jurisdicional coletiva. Com efeito, cabe ação de conhecimento, com todos os tipos de provimento (declaratório, condenatório, constitutivo ou mandamental), ação de execução, em todas as suas espécies, ação cautelar e respectivas medidas de efetividade pertinentes. Cabe inclusive a antecipação da tutela jurisdicional no Processo Coletivo de Execução (art. 83 do CDC, c/c art. 21 da LACP e art. 66 da Lei nº 8.884/94). 304

De fato, na tutela coletiva, são possíveis todos os pedidos que, em sua descrição, sejam necessários para tutelar lesão ou ameaça de direito. Não há, aprioristicamente, vedação legal para qualquer espécie de pretensão, salvo aquela prevista no parágrafo único do art. 1º, da Lei da Ação Civil Pública, segundo o qual não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos de

natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados.305

303 GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos

autores do anteprojeto. Volume II – Processo Coletivo. 10ª edição revista, atualizada e reformulada. Rio

de Janeiro: Forense, 2011, p. 152.

304 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo: um novo ramo do direito processual. São

Paulo: Saraiva, 2003, p. 578.

305 Essa limitação é formal e materialmente inconstitucional. Por todos, a opinião de Patrícia Miranda

Pizzol: “Entende-se que a inserção do parágrafo foi ineficaz por ser inconstitucional a MP, formal e materialmente – formalmente em razão da ausência dos requisitos justificadores da edição de medida provisória (urgência e relevância) e materialmente porque viola os princípios da isonomia, da proporcionalidade, do devido processo legal.” In Tutela coletiva: processo coletivo e técnicas de

padronização das decisões. Tese (Livre docência em direito). Pontifícia Universidade Católica de São

Ressalte-se, por oportuno, que a vedação imposta por esse parágrafo único é inconstitucional porquanto viola o princípio da inafastabilidade da jurisdição, expressamente previsto no artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal. Nesses termos, o comentário de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade:

O texto constitucional proíbe a lei de excluir da apreciação do Poder Judiciário ameaça ou lesão a direito. O parágrafo ora comentado excluiu da apreciação judicial ameaça ou lesão a direito, em desobediência intolerável à Carta Magna e, portanto, ao estado democrático de direito (CF 1º caput). Ainda que se entenda que a norma comentada limitaria o pedido judicial, na verdade proíbe o ajuizamento de ação

coletiva nos casos que enumera. 306

Realizada tal ressalva quanto à inconstitucionalidade desse parágrafo único, tem-se que a doutrina é pacífica quanto à incidência do princípio da máxima amplitude da tutela jurisdicional coletiva comum. No ponto, a observação de Ricardo de Barros Leonel:

Sendo cabíveis todas as espécies de pedidos não vedados pelo ordenamento jurídico, serão admissíveis todas as hipóteses de sentença, desde que adequadas aos pleitos formulados, em razão do princípio da congruência ou correlação.

Possível, assim, imaginar sentenças de natureza

declaratória, condenatória, constitutiva, cautelar, executiva, mandamental, inibitória etc., sejam quais forem a classificação ou o critério adotado para a sistematização dos

provimentos jurisdicionais. 307

Patrícia Miranda Pizzol também compartilha desse mesmo entendimento, ao afirmar que a sentença de procedência no processo coletivo “poderá ter natureza

sob a Relatoria do então Ministro Teori Albino Zavascki, reconheceu a repercussão geral do tema (decisão publicada em 25.09.2015, Ata nº 47/2015, DJE nº 192, divulgado em 24.09.2015), notadamente quanto à constitucionalidade do parágrafo único ao artigo 1º, da Lei da Ação Civil Pública, introduzido pela Medida Provisória nº 2180/2001. Atualmente, o Ministro Alexandre de Moraes é o relator do processo. O recurso ainda não foi julgado no seu mérito, conforme consulta ao site do tribunal em 05.05.2019: www.stf.jus.br.

306 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e

legislação extravagante. 13ª edição revista, ampliada e atualizada. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2013, p. 1652.

307 LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 4ª edição, revista, ampliada e atualizada.

declaratória, constitutiva, condenatória, mandamental ou executiva (lato sensu), dependendo do pedido que venha a ser formulado e do procedimento previsto em lei ou

dos efeitos da sentença”. 308

Observa-se, portanto, que não obstante a literalidade do artigo 95 do Código de Defesa do Consumidor, o que importa para o processo coletivo, à semelhança do processo individual, é o tipo de tutela que se busca com a intervenção judicial. Logo, o autor coletivo não está adstrito a formular sempre um pedido genérico e ilíquido. Muito pelo contrário. A generalidade e a iliquidez deverão ser sempre uma exceção na formulação da pretensão deduzida em juízo e é poder-dever do Estado-Juiz trabalhar para que elas continuem sendo exceção.

Acrescente-se que pelo disposto no artigo 491 do Código de Processo Civil, aplicável ao processo coletivo por ausência de incompatibilidade, a regra é a prolação de sentença líquida. Pode-se afirmar, sem exageros, existir um verdadeiro direito fundamental à prolação de uma sentença líquida, porquanto esta, invariavelmente, concretizará o direito fundamental à duração razoável do processo. Nesse sentido, a anotação de Daniel Amorim Assumpção Neves:

A sentença ilíquida é a exceção no direito brasileiro por óbvia razão: é sempre desejável a criação de um título executivo judicial que contenha obrigação líquida que permita a imediata instauração de cumprimento de sentença. A desnecessidade da fase de liquidação de sentença diminui o tempo necessário à satisfação do direito, prestigiando os princípios da celeridade, economia

processual e da duração razoável do processo.309

Assim, entendendo o autor coletivo que, para a satisfação do direito, é suficiente um pedido declaratório, ele estará legitimado a fazê-lo. Do mesmo modo, em se tratando de pedido com conteúdo constitutivo, condenatório, mandamental e/ou executivo, tudo sem olvidar-se de fornecer o máximo de elementos (melhor: critérios) para a prolação de uma sentença líquida.

308 PIZZOL, Patrícia Miranda. Tutela coletiva: processo coletivo e técnicas de padronização das decisões.

Tese (Livre docência em direito). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2018, p. 326.

309 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Volume único. 8ª edição

Essa visão acerca da sentença no processo coletivo é confirmada pelo princípio da máxima efetividade do processo coletivo, pois o processo coletivo deve ter à sua disposição todos os meios necessários e suficientes para tutelar a pretensão deduzida

em juízo. 310

310 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo: um novo ramo do direito processual. São

CAPÍTULO 5 – A DESJUDICIALIZAÇÃO DA EXECUÇÃO NO