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Liquidação da obrigação definida na sentença: uma exceção

CAPÍTULO 1 – O PARADOXO DA EXECUÇÃO

1.4. Liquidação da obrigação definida na sentença: uma exceção

A regra é sempre a prolação de uma sentença líquida com a especificação de todos os critérios necessários e suficientes para a adequada compreensão da obrigação definida na sentença, seja ela de pagar, fazer, não fazer ou entregar coisa, tudo sem prejuízo do disposto no artigo 491 do Código de Processo Civil.

Não sendo possível, na fase de conhecimento, a definição desses critérios, deve o órgão julgador explicitar as razões fáticas e jurídicas para não os especificar. Essa é uma exigência decorrente da eficiência e da duração razoável do processo, mandamentos estes constitucionais. Portanto, apenas será permitido ao Estado-Juiz a postergação desses critérios quando isso se mostrar mais eficiente e contribuir para a menor duração do processo.

Alcides de Mendonça Lima enfrenta o ponto de maneira irretocável e traz à baila o caráter de exceção do qual se reveste a liquidação:

Em princípio, na verdade, tudo que pudesse ser provado no processo de conhecimento o juiz deveria ordenar que fosse feito, a fim de a sentença ser líquida e certa, evitando a liquidação, sempre complexa, onerosa e demorada, podendo durar mais do que a própria ação de onde

provém.37

37 LIMA, Alcides de Mendonça. Comentários ao código de processo civil. Volume 6. 5ª edição revista e

No mesmo sentido, a opinião de Alfredo de Araujo Lopes da Costa segundo o qual “tudo isso está a evidenciar que deveríamos repudiar de vez o tal pedido

genérico. E acabar com as tais liquidações”.38 Alfredo de Araujo Lopes da Costa é ainda

mais enérgico ao afirmar que “não pode haver advogado que não saiba fazer uma conta

de multiplicar ou de juros”.39 Ou seja, em 1947, já causava perplexidade esse postergar

do processo para uma fase futura. Nos dias atuais, então, com todos os recursos à disposição das partes e dos profissionais do direito, não faz sentido algum os pedidos ou a prolação de sentenças ilíquidas, salvo nos casos absolutamente imprescindíveis e devidamente demonstráveis.

A propósito, em tempos remotos, nas Institutas de Justiniano, já se encontrava mandamento para se prolatar, sempre, sentenças líquidas:

Curare autem debet iudex, ut omnimodo quantum possible ei sit, certae pecunniae vel reisententiam ferat, etiam si de incerta quantitate apud eum actum est.40

Nos termos do artigo 509 do Código de Processo Civil, existem duas espécies de liquidação: por arbitramento e pelo procedimento comum. A Lei nº 8.898/94 aboliu a liquidação por cálculos do contador. Não obstante isso, possível afirmar que o cálculo do credor também pode ser considerado uma espécie de liquidação. Todavia, ao contrário daquelas outras duas, nesta não há incidente prévio. No mais, a obrigação de pagar que depende do cálculo do credor é líquida, não porque o valor é conhecido a priori, mas porque o título judicial contém todos os critérios suficientes e adequados para sua definição. Nas palavras de Luiz Rodrigues Wambier: trata-se de uma liquidação

automática.41

38 COSTA, Alfredo de Araujo Lopes da. Direito processual civil brasileiro. Volume IV. Rio de Janeiro:

Forense, 1947, p. 41.

39 COSTA, Alfredo de Araujo Lopes da. Direito processual civil brasileiro. Volume IV. Rio de Janeiro:

Forense, 1947, p. 38.

40 Institutas do Imperador Justiniano. Tradução: A. Coelho Rodrigues. Recife: Typographia Mercantil,

1879, p. 101. Tradução livre: “O juiz deve ter o cuidado de dar, sempre que possível, sentença de quantia ou cousa certa; ainda que seja o litígio perante ela sobre quantidade incerta”.

41 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Sentença civil: liquidação e cumprimento. 3ª edição, revista, atualizada e

Ademais, a liquidação por arbitramento ocorre, em regra, em razão da complexidade do trabalho a ser realizado. Na prática, ela tem íntima relação com a prova

pericial.42 No mesmo sentido, Patrícia Miranda Pizzol ao afirmar que ela se assemelha

“mais a uma perícia”.43 Também, taxativamente, a lição de Alfredo de Araujo Lopes da

Costa: “O arbitramento é apenas um meio de prova. É uma perícia.”44

Em sendo assim, não é demasiado afirmar que o arbitramento nada mais é do que uma postergação da prova que poderia ter sido realizada na fase de

conhecimento.45 Confirma isso o fato de que o arbitramento será guiado por elementos

constantes dos autos.46 Não há inovação, inclusive por força de determinação legal (artigo

509, § 4o, do Código de Processo Civil). Nessa perspectiva, ratifica-se o caráter

excepcional da liquidação por arbitramento, devendo o juízo remeter o processo à liquidação apenas quando não for possível, sem prejuízo do regular desenvolvimento do processo, na fase de conhecimento, definir o quantum debeatur.

A prova pericial não postergada também poderá ser útil para verificar se um dos elementos da responsabilidade civil está presente: o dano. Desta forma, protraindo-se a sua realização para outro momento do processo, poderá ocorrer o indesejável fenômeno da liquidação zero, pois duas atividades judiciais serão realizadas – conhecimento e liquidação – de maneira absolutamente desnecessárias.

A liquidação pelo procedimento comum47 será necessária quando houver

necessidade de provar fato novo. Araken de Assis colaciona hipóteses da sua ocorrência:

valor da diária do carro novo; indenização por lucros cessantes etc.48 Esses fatos não

42 ASSIS, Araken de. Cumprimento de sentença. 4ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 95. 43 PIZZOL, Patrícia Miranda. Liquidação nas ações coletivas. São Paulo: Lejus, 1998, p. 25.

44 COSTA, Alfredo de Araujo Lopes da. Direito processual civil brasileiro. Volume IV. Rio de Janeiro:

Forense, 1947, p. 38.

45 MAZZEI, Rodrigo. A liquidação por arbitramento e a liquidação por artigos: alguns pontos relevantes

sob a ótica das Leis 11.232/2004 e 11.382/2006. In Coordenadores: BRUSCHI, Gilberto Gomes;

SHIMURA, Sérgio Seiji. Execução civil e cumprimento de sentença. V. 2, São Paulo: Método, 2007, p. 478.

46 ASSIS, Araken de. Cumprimento de sentença. 4ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p 95.

47 No ponto, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery: “Este caso de liquidação pelo

procedimento comum era submetido, no CPC/1973, à liquidação por artigos (CPC/1973 475-E), o qual seguia, no que fosse cabível, o procedimento comum. Na verdade, não há diferença substancial de monta entre os dois sistemas, pois em ambos os casos se trata de uma verificação, mediante a produção de prova, do valor que deverá ser objeto do cumprimento de sentença, posteriormente.” In Comentários ao Código

de Processo Civil. Novo CPC. Lei 13.105/2015. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 1250.

teriam sido objeto da fase de conhecimento ou porque surgiram durante ou após a condenação. Em se tratando de fatos que realmente se originaram após a prolação da sentença, a liquidação pelo procedimento comum terá lugar. Nesse sentido, a observação de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery:

Ocorre quando se tiver de alegar e provar fato novo. Por fato novo deve-se entender o acontecimento apto a determinar o valor da condenação. [...], esse fato novo não pode alterar o que já foi julgado pela sentença proferida no

processo de conhecimento e transitada em julgado.49

Portanto, a liquidação é uma fase que se instaura quando há conflito sobre o valor da condenação ou quando há necessidade de se alegar e provar fato novo. Sendo certo, contudo, que a prolação de uma sentença ilíquida, com uma posterior liquidação, somente será legítima se isso significar ausência de prejuízo à eficiência do serviço jurisdicional e/ou à razoável duração do processo. Havendo violação desses princípios, a prolação de sentença ilíquida, ou seja, que exigirá uma posterior liquidação por arbitramento ou pelo procedimento comum, não terá amparo na ordem constitucional vigente.