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QUADRAS E VIAS

1 Paços da Câmara e Junta da Fazenda

1.4 ATORES SOCIAIS NA PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO

1.4.1 A Câmara Municipal e a Legislação edilícia

A ação reguladora das Câmaras no período colonial manifesta-se “por meio das posturas e apoiava- se, quando possível nos engenheiros e mestres existentes” (REIS FILHO, 1968: 118).

A Vila do Forte, entre 1799 - 1810, era muito pequena. A Décima Urbana de 180878 registra só 159

prédios, e uma arrecadação de 236$599 réis: “O primeiro prédio avaliado foi um de propriedade do patrimônio de S. Jose’ em que morava o vigário Antonio José Moreira79 ao preço de 16$000 anuaes,

e o segundo um em que morava o proprietário, sargento-mor naturalista Joaquim da Sylva Feijó” (STUDART, 1908:331). Comparativamente, em São Paulo, o livro da Décima Urbana de 1809 indica 1281 imóveis circunscritos em duas freguesias (BUENO, 2005:68) e a Décima Urbana do Rio de Janeiro, entre 1808-10, registra 7548 imóveis, em cinco freguesias (CAVALCANTI, 2004:266). Assim, em 1808, no “auto de audiência geral de providencias e capítulos de correição”, o ouvidor Francisco Affonso Ferreira já exige que a Câmara “prohiba de edificar-se no lugar que principia das casas do Capitão Felippe Lourenço e José de Agrella, erectas no fim da rua80 que segue para a Estrada

de Mecejana”, antes que as pessoas “se disponhão a faze-lo no centro da villa e no terreno da casa da pólvora” (CAMPOS, 1988:43).

O “Livro de Registro de Ofícios dirigidos aos Militares da Capitania do Ceará”81, de 1812, é de

fundamental importância. Destaca os cuidados urbanísticos e as intervenções realizadas pela Câmara na Vila do Forte, tais como melhorias no fornecimento de água potável, preocupação com o alinhamento das ruas e proposta de um novo plano de expansão para área leste da vila. Várias medidas foram adotadas nos primeiros anos do século XIX. Em relação aos cuidados urbanísticos, sobressaem as diretrizes para regularização do traçado urbano. O ofício encaminhado para o tenente-coronel Antonio José da Silva Paulet determinava as diretrizes do alinhamento das vias:

Off.o dirigido ao tenente Coronel An.io Joze da Silva Paulet sobre os requerimentos

de J.e An.io Costa, e [ilegível] Manoel [ilegível] de Sá que lhe porão a informar. O

requerimento de Joze Antonio Costa que lhe [ilegível] informa im 27 de Julho, e que V. M.ce informou em 29 do dito [ilegível] seguinte = Deverá Jose Antonio

da Costa [ilegível] de maneira que a frente das casas alinhamento que vem das casas de Joze Coelho Bastos, como se acha determinado no auto de posse e cordoamento lavrado em 27 de maio de 1805 pelo Almotacé Joze de Castro e Silva, documento n.o 6, e confirmado não só pelo [acórdão] de julho de 1811,

documento n.o [?], como também, por hua licença do Almotacé de 12 de Julho de

1811, documento n.o 9, e como este p.a de [moto?] próprio [necessa ...?] palmo

do cunhal da parte direita, documento n.2, vindo por esta forma a fazer hua nova

tortura na rua, motivo este porque a outra devia com o effeito ser embargada. Deve o Sup.te corrigir este defeito, fazendo avanças o dito cunhal tanto quanto for

CAPÍTULO 1 | OS ANTECEDENTES: FORTALEZA NA COLONIA E A ECONOMIA DO GADO

78 Tem-se acesso à Décima Urbana de 1808 na Revista do

Instituto do Ceará, de 1895, que transcreveu a notificação do Auto do 10 lançamento da Décima Urbana da Villa da Fortaleza de Nossa Senhora da Assumpção, Capitania do Seara Grande - “em que sua alteza Rial o príncipe Regente Nosso Senhor mandou imppor Decima nos seus respectivos rendimentos pelo Alvará de 27 de Junho do corrente anno de mil oitocentos e oito – Escrivam Freire - Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos e oito annos aos vinte dois dias do mez de Dezembro do dito nessa Vila da Fortaleza Capitania do Seara Grande do Doutor Desembargador Ouvidor Geral e Corregedor da Comarca Francisco Affonso Ferreira onde fui vindo eu escrivam da Inspecam do Algodão desta mesma Villa abaixo nomeado no impedimentodos da Correscan e sendo ahi fez o mesmo Ministro como superintendente da Nova Coleta da Decima que se há de cobrar pelos rendimentos dos Predios Urbanos desta mesma Villa vir perante si o Doutor Francisco Luiz de maris sarmento como Fiscal nomeado por ele dito Ministro para a mencionada Coleta, ao Capitam Domingos Fernandes Pinto como hum dos homens bons desta Villa, a Clemente Tavares da Lus como homem bom do Povo, aos dois carpinteiros Luiz Ignacio Pereira, Manoel Roberto Goiana e o pedreiro Boaventura Garcia do Amaral, que todos haviam sido nomeados pelo mesmo Ministro e aprovados pela Rial Junta da Fazenda desta sobredita Villa para Membros da Nova junta que sua Alteza Rial Manda criar pello Alvará de vinte sete de Junho próximo pretérito ao corrente anno ao fim de se avaluarem os rendimentos dos Predios Urbanos desta sobredita Villa para delles se exigir Décima na forma que determina o referido Alvará relativamente ao presente anno de oito centos e oito e sendo ahi pelo mesmo Ministro a todos foi difirido o juramento dos santos Evangelios em hum livro delles em que puzeram suas mãos direitas sob o qual lhes incarregou que bem e verdadeiramente numerassem e avaliassem os rendimentos dos mencionados Predios Urbanos desta referida Villa assim aquelles em que moram os seus respectivos Proprietarios como aqueles que estam dadas a aluger fazendo tudo o mais que tocar a seus offcios e serviço de sua Alteza Rial pena de incorrerem nas da Lei e recebidos por elles ditos juramentos assim o prometeram fazer de que de tudo para constar mandou o dito Ministro fazer este Autoneste Quaderno em que com todos assignou e mandou que satisfeitas a assignaturas se desse principio a referida Numeraçam e avaluaçam dos referidos reditos e eu Balthazar Freire Lopes Escrivam o escrevi. Affonso Ferreira- Francisco Luiz de Maris Sarmento- Domingos Fernades Pinto- clemente Tavares da Lus- Luis Ignacio Pereira- Manoel Roberto Goiana- Siignal de Boaventura Garcia do Amaral” (1895:139).

79 Existe um inventário do tenente Antônio José Moreira, de

1831, pacote 87ª, casado com a inventariante Maria da Penha Beviláqua; não possuía bens de raiz, porem era dono de três escravos. Dívida passiva- José Maria Eustáquio, Antonio Rodrigues Samico e o boticário Antônio Rodrigues Ferreira.

80 Rua Direita dos Mercadores.

81 Livro n. 33, Registro de Officios e Ordens dirigidas por este

Governo ao Vedor da Gente de Guerra e aos chefes e mais Officiaes de Linha e Milicias.

necessário para que a frente de toda a caza fique justamente no alinhamento das cazas de Joze Coelho Bastos = O Requerimento de Manoel Correia de Sá, que lhe mandei informar em [?] de Agosto, e que ...

Este ofício confirma a ação reguladora realizada pela Câmara já desde 1805, quando o Auto de cordoamento foi lavrado.

Outro ofício merece destaque:

...tendo o Tenente Coronel João da Silva Feijó82 gratuitamente offerecido hua das

nascentes d´agoa que tem seu sitio, ou chacara para hum chafariz publico, ordeno a V. M.ce que passe a nivelar o terreno, e a por em pratica as mais operações que

lhe parecem necessárias para se determinar o lugar em que se pode erigir o dito chafaris, afim de que o publico possa utilizar-se da generoza offerta deste bom e honrado patritota, e do rezultado de suas observações me dará V.M.ce

parte. D.s G.e a V. M.ce Villa de Fortaleza 26 de Abril de 1812 = Manoel Ignacio de

Sampaio = Snr Antonio Jose da Silva Paulet. Tenente Coronel do Real Coprpo de Engenheiros (p.11) (Grifou-se).

Trata-se do primeiro chafariz público de que se tem notícia, dotando a vila de água potável, no entanto implantado em propriedade particular, o que causou transtorno quando da mudança do proprietário, fruto do seu fechamento para utilidade publica “sem indenizar a fazenda publica, que fez a despesa das construções e a câmara municipal, que tinha a propriedade dela” (BRÍGIDO, 1979:40). Silva Paulet foi o ultimo engenheiro-militar enviado para a Capitania do Ceará no período colonial, com o objetivo de realizar levantamentos cartográficos do território e realizar obras arquitetônicas e intervenções urbanísticas, como, por exemplo, reconstruir a velha Fortaleza:

Tendo varias pessoas desta Capitania contribuído com avultadas quantias para as fortificações della tenha resolvido reparar e por em hum melhor estado de defeza a Fortaleza q.’ da o nome a esta Villa. Por tanto deve V. M.ce passar a

levantar a Planta da dita Fortaleza do quartel que lhe fica conjunto e das cazas contiguas e a vista da planta me proporá V. M.ce o plano de reedificação que

julgar mais conveniente, e econômico tendo em vista que o fim principal da dita Fortaleza deve ser dominar o fudeadoiro dos Navios e Barcos costeiros batter a bara grande e abarretar como também bater a principal avenida desta villa para a parte do mar que he a ladeira que vem da prainha. Deos Guarde V. M.ce

Villa da Fortaleza 20 de Maio de 1812 . Manoel Ignacio de Sampaio. S.r Antonio

Joze da Silva Paulet. Ten.te C.el do Real Corpo de Engenheiros. (p. 23) (Grifou-se).

Pelo que se depreende do ofício, a preocupação da Câmara era reparar e reedificar parte da fortaleza da vila, bem como definir a principal “avenida” relacionada à prainha, até então uma simples ladeira sem calçamento.

CAPÍTULO 1 | OS ANTECEDENTES: FORTALEZA NA COLONIA E A ECONOMIA DO GADO

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82 Em 11 de julho de 1812 na casa da Câmara, presidido pelo

Juiz de Fora Dr. José da Cruz Ferreira, presentes os vereadores, Capitão João Ferreira Gomes, Manoel Ferreira Guimarães e o procurador do Conselho, José Antônio Machado. O Tenente-Coronel João da Silva Feijó, oferece “gratuitamente e

generosamente ao povo desta vila a água de sua chácara, do seu sitio junto a freguesia... . Como entre os olhos d´água que possuo neste sitio há um que, [...] suponho em altura do nível suficiente de ser levado para fora, a ponto de ser aproveitado em utilidade do publico, por ser o objeto das aguadas publicas desta vila”

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Sobre a regularidade e os passeios laterais das vias públicas:

Havendo um grande número de pessoas que pertendem cazas nobres, e outras nesta Villa, e sendo necessário que ellas fiquem todas alinhadas com devida regularidade, e em tudo conforme ao plano que me consta que a camera desta villa tem adoptado, e que a bem disto os passeios sejão arranjados de forma que o publico se possa delles servir sem risco de quedas, evitando-se os degraos que ategora estavão em uso de fazer , encarrego a V. M.ce da inspecção

sobre todos os ditos novos edifícios, e lhe ordeno que tome as medidas que jugar necessárias para que ellas sejão conforme ao que acima digo, para o que terá V.M.ce debaixo de suas ordens o arruador manoel camelo, esperando eu que

V.M.ce em tudo se haverá com aquela honra, circusnpecção e prudência de que

he dotado afim de que os proprietários sejão incommodados o menos que for possível. D.s G.e a V.M.ce Villa da Fortaleza 19 de Junho de 1812 = Manoel Ignacio

de Sampaio = Sn.r Antonio Joze da Silva Paulet, tenente Coronel do Real Corpo de

Engenheiros e Ajudante das Ordens deste Governo (Grifou-se).

No que diz respeito ao plano para a vila do Forte, foram encontrados dois ofícios, um do mês de junho e outro de novembro:

Tendo-me a Camara desta Villa remettido o plano que a mesma Camara tinha approvado para a edificação desta Villa, mas em que a experiência tem mostrado q.’ he necessário fazer alguas alterações, o qual plano V. M.ce achará junto a este,

ordeno a V. M.ce que examinando-o com madureza, e reflexão proponha a mesma

Camara as modificações, e alterações que nelle ha a fazer, em que V. M.ce deverá

principlamente ter em vista a commodidade, e interresse dos particulares, e como do publico e o prospecto agradável, e elegante das principaes ruas traçadas no mesmo plano, cujas modificações hua vez que tenhão a approvação da Camera, deverão subir à minha presença, para lhe dar a ultima sancção. D.s G.e

V. M.ce Villa da Fortaleza. 27 de junho de 1812 = Manoel Ignácio de Sampaio = Sn.r

Antonio José da Silva Paulet, Tenente Coronel do Real Corpo de Engenheiros e Ajudante das Ordens deste Governo (Grifou-se).

Para satisfazer a requisição que em officio de 21 do corrente me fez a Camara desta Villa, deve V.M.ce, nos momentos que lhe deixarem livres as obras de que já

se acha encarregado, levantar a planta desta villa, incluindo nella o contorno da nova Fortaleza, e a vista della propor a Camara o plano de edificação que lhe parecer mais adequado, e em que deve ter em vista; primeiro, conformar-se quanto for possível ao plano já adoptado pela mesma camara na parte de oeste desta villa; segundo, causar o menos incomodo possível aos donos das casas que ja se achão edificadas posto que com a maior irregularidade na parte de leste. E de assim o haver executado me dará parte. Deos Guarde a V.M.ce

Villa da Fortaleza 23 de Novembro de 1812 = Manoel Ignacio de Sampaio = Snr’ Antonio Joze da Silva Paulet, Tenente Coronel Engenheiro e Ajudante de d’Ordens deste Governo (Grifou-se).

Esses dois ofícios sugerem a existência de normas urbanísticas para o traçado de ruas e praças adotadas pela Câmara para o lado oeste do riacho Pajeú, às quais o plano de Paulet deveria se

adaptar83. Solicitava-se, sobretudo, plano para parte leste do Pajeú. Como se pode verificar na figura

30, as ruas no sentido norte e sul estão representadas em amarelo e as travessas em vermelho, ao oeste da praça Carolina (1). Tais medidas enquadram-se nas recomendações portuguesas do século XVIII, comuns a partir do período pombalino, que tinham o “objetivo de transmitir uma imagem de ordem e de disciplina” (REIS, 2004:113), por meio de padrões para o traçado das ruas, quadras e a elevação dos edifícios conforme um mesmo gabarito.

Os vereadores, em 04 de setembro de 1822, “acordarão em que na Rua travessa que faz frente para a Praça das Trincheiras, edificada de cazas de palha, quem nella quizer edificar cazas de telha o podelo fazer, obtendo para isso licença deste Senado, e pagando as Cazas de palha a seos donos, pelo preço de sua avaliação” (INDEPENDÊNCIA DO BRASIL-CEARÁ, 1972:186).

A primeira intervenção urbanística realizada pelo engenheiro Silva Paulet foi a abertura de uma rua do lado leste do riacho Pajeú, denominada Norte84, que “por certo se destinava a balizar

algum sistema ortogonal, provavelmente desejado para o trecho leste da cidade, todavia não consubstanciado por conseqüência de posterior intervenção” (CASTRO, 1994:49). Talvez o plano de expansão desenvolvido em 1850 por Antonio Simões Ferreira de Faria, auxiliar de Paulet, se originasse do modelo proposto por seu superior, como se analisará mais adiante. Nota-se na situação acima o desejo de incorporar à nova malha as casas de palha, convertendo-as em casas cobertas de telha, alinhadas as ruas novas e implantadas em lotes definidos.

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83 O Livro de Ata da CMF atesta correção do Plano “... Accordarão

mais em abrirem hum officio do Ilustrissimo Gor desta Capitania Ignacio de Sampaio da data de oito de julho do corrente anno sobre o Plano de edificação desta Villa. Abrioce outro do tenente Coronel de Enginheiros Antonio da Silva Paulet ao qual acompanhava a correpção do Plano desta Villa e se julgou muito útil e digno de se por em pratica e que daqui por diante todo aquele que quizer edificar será obrigado a cumprir a risca o dito plano” (Livro de Atas da Câmara Municipal apud CASTRO,

1994:67).

84 Depois chamada a rua do Sampaio e atualmente rua

Governador Sampaio.

Figura 30: Ruas e travessas da Vila da Fortaleza, 1813. Mapa base: Detalhe da Carta da / Capitania do Ceará e costa / correspondente levantada por// ordem do Governador Manoel / Ignácio de Sampaio; pelo seu ajudante de ordens Antonio / José da Silva Paulet no / anno de 1813.

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