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FORTALEZA DÉCADA

12. José antonio machado

2.6. ALGUMAS TRAJETÓRIAS INDIVIDUAIS

Com base nos inventários post-mortem, no documento de Outro Aramac, intitulado “Fortaleza de 1845”, pode-se concluir que os grandes proprietários de terras, sítios e imóveis urbanos eram negociantes grossistas, exportadores e importadores. Para qualificar o perfil desses “capitalistas” escolheram-se algumas trajetórias individuais típicas da primeira metade do século XIX.

Grande negociante era o português coronel Jose antônio machado (falecido em 1869), que sucedeu os negócios do sogro Antônio José Moreira Gomes249, e atuou na vida político-administrativa

da Província em vários cargos. Em 1820, recebeu sua patente de capitão da 9º Companhia de Voluntários do Comércio do Ceará e, em 1842, a comenda de Comendador da Ordem de Cristo. Foi um dos componentes do Governo Provisório presidido por Francisco Xavier Torres, assumindo várias vezes o governo da Província. Na análise do seu inventário post-mortem surpreende o número de imóveis que ele possuía, 15 no total, de tipologias e materiais variados (Tabela 12).

TABELA 12

Inventário do Comendador Coronel José Antônio Machado, 1869

Localização Imóvel Avaliação

01.Praça da Assembléia Casa com três portas de frente feita de tijolo 3:500$000 02.Praça da Misericórdia com

quina da Rua Boa Vista Uma frente arruinada 5:000$000 03.Praça da Misericórdia no 11 Casa de taipa 800$000

04.Praça da Misericórdia no 9 Casa de taipa 800$000

05.Praça Municipal (Ferreira) n.49

/ Travessa do Cajueiro Casa com sótão e cinco portas de frente 8:000$000 06.Rua da Palma no 100 Casa junto ao sobrado com duas portas de frente 3:000$000

07.Rua da Palma, no 102 Sobrado de dois andares, com três portas 25:000$000

08.Rua da Palma, no 53 Casa com três portas de frente 3:000$000

09.Rua do Rosário no 18 Casa de taipa com duas portas de frente 800$000

10.Rua do Rosário no 8 Casa de taipa 600$000

11.Rua Municipal c/ frente para a

Rua Formosa no 103 e no 105 Casa com cinco portas de frente 7:000$000

12.Travessa do Cajueiro no 12 Casa com quatro portas de frente 1:600$000

13.Travessa do Cajueiro no 10 Casa de tijolo 1:600$000

14.Travessa do Cajueiro no 8 Casa 1:600$000

15. Travessa do Cajueiro no 4 Casa de tijolo com quatro portas de frente 1:600$000

TOTAL 31:409$900

Fonte: Inventário José Antônio Machado, Pacote 18, 1869, Arquivo Público do Estado do Ceará

249 Número 12 da lista de homens brancos de 1799.

Além dos imóveis urbanos (Tabela 12) urbanos, possuía dois sítios na Prainha de Fortaleza e o gran- de sítio Cocó, comprado de várias pessoas, extremando pelo “nascente com o mar e pelo norte com o mesmo mar, pelo sul com o Rio Cocó, pelo poente a estrada que segue desta cidade para Mecejana até estremar com terras de São José para a parte do norte compreendendo todo o Outeiro, Meireles e Mucuripe”250. Seu inventário atesta ser também proprietário do “terreno foreiro a fazenda publica na

margem do Rio Cocó com 1.855 braças (4.111m) de comprimento à margem da estrada que através do mesmo rio defronte do Sitio da inventariante, rio acima até alem do riacho AGOA-NAMBI”251. No

Sitio Água Fria, as terras de plantar extremavam pelo nascente com a terras de José Bezerra, e do

falecido José Ribeiro, pelo sul com terras da extinta Villa de Mecejana, pelo poente com terras de Joaquim Lopes de Abreu Laje e herdeiros de João José Saldanha Marinho, pelo norte com o rio Cocó, cujas terras foram compradas a Bento José da Costa e José Mendes Pereira, com casa para engenho, caldeiras, engenho e cercado avaliado em 5:000$000 réis. Em quase todos os inventários desses comerciantes aparecem dívidas passivas e ativas, demonstrando o empréstimos de dinheiro a juros. Seu filho Antônio José Machado Filho (1809-1861) destaca-se na vida política como deputado da As- sembleia Legislativa (Provincial), deputado geral pelo Ceará e depois senador. Segundo o inventário do Coronel Machado, as suas quatro filhas casaram-se com médico, comerciantes e políticos. Felina

delmira machado casa-se com o Dr. Antônio Domingues da Silva252, médico, professor e deputado

geral e provincial (GIRAO, 1975:357); Luisa Maria Machado com o negociante Joaquim José Rodri- gues253; Leopoldina Machado com o coronel Manuel Felix de Azevedo e Sá254, comerciante, tesoureiro

da Fazenda Estadual e deputado provincial; Antonia Machado da Fonseca com o português comen- dador Francisco Coelho da Fonseca, comerciante e Cavaleiro da Ordem da Rosa.

Na segunda metade do século XIX, o engenheiro Adolfo Herbster realiza um desenho representando os quatro grandes proprietários de terras da cidade (Patrimônio de São José, Patrimônio de Nossa Senhora do Rosário, herdeiros do Coronel José Antonio Machado e as terras do seu genro o Comendador Francisco Coelho da Fonseca255 (Figura 56). Em 1723 foi efetivada a doação das

terras de Antônio Rodrigues256 a São José, padroeiro da vila, e em 1724 “para evitar desavenças,

assinaram os dois donatários Antonio Rodrigues e Padre Chaves a escritura257” (BEZERRA,

1992:106). A doação a Nossa Senhora do Rosário se realiza pelas netas de Antônio Rodrigues e em 28 de novembro de 1748, a escritura é assinada (BEZERRA, 1992:106). As terras do coronel Machado foram adquiridas de várias pessoas e seu testamento (1869) atesta ser ele dono de quase a metade das terras de Fortaleza, que extremavam ao leste e ao norte no mar, ao sul no rio Cocó e ao oeste na estrada de Messejana.

Outro influente negociante pertencente à colônia portuguesa de Fortaleza foi antônio Gonçalves

Justa. Segundo Outro Aramac, foi um dos maiores construtores da rua Amélia, impulsionado pelo

dinheiro do Banco Provincial. Em 1852, segundo seu inventário, possuía 36 escravos258, gado,

terra na serra da Aratanha, bem como emprestava dinheiro a juros259 com letras vencidas da firma

estrangeira Singlehust Collet & Cia no valor de 5:451$324 réis (Tabela 13).

250 Correspondendo quase à metade da Fortaleza

251 Estas terras pertenciam ate 1815 aos parentes do Pe.

Chaves, depois foram vendidas a Bernardo José Teixeira e em 1831 já pertenciam ao Cel. Machado (BEZERRA, 1992:149).

252 Inventario de 1890, pacote 102. 253 Inventario em 1846, pacote 131. 254 Inventario em 1871, pacote 163.

255 Português, comendador, comerciante e Cavaleiro da

Ordem da Rosa era casado com Antonia, filha do comerciante português Coronel José Antônio Machado.

256 Em 02 de abril de 1683. foi concedida a sesmaria de uma

légua de largura, da lagoa do Mucuripe ou lagoa do Papicu, caminhando para Fortaleza, e três léguas para o sertão, pelo capitão-mor Bento de Macedo Faria, aos soldados Antônio Rodrigues, assistente na Fortaleza desta capitania, e Manuel de Almeida Arruda. A parte deste foi perdida por prescrição, e sendo requerido para o padre Domingos Ferreira Chaves (MENEZES, 1992:147).

257 Em 15.06.1816, por solicitação de Bernardo José Teixeira,

“tendo comprado uma sorte de terras contigua a do quadro do Santo, requereu ao Juiz de Fora Manuel José de Albuquerque para medir e demarcar dita terra pela parte que confinava com a do Santo.” (IBID., 1992:139).

258 Vale destacar que a participação dos escravos nesses

inventários era insignificante “talvez porque não fosse compensadora no caso do preparo das carnes secas, da produção da farinha, do curtimento do couro, etc. cujos custos ficariam elevados com a compra e a manutenção de africanos ou seus descendentes.” Em alguns inventários os escravos aparecem como patrimônio em pequeno numero, pois “a população de cor servia às pessoas da casa, da mãe de criação (babá) à criada de quarto”(NOBRE,1989:48). No livro de nota de 1853-1857 aparece Manuel Franklin do Amaral hipotecando dois escravos a Martinho Borges pela quantia de 2:000$000 e Antônio Esteves Bento hipoteca para os negociantes Francisco Luis Salgado, Francisco Coelho da Fonseca e José Smith de Vasconcelos casa na rua do Garrote, dois escravos, sitio em Baturité no valor de 4:000$192.

259 José Joaquim Candeia, nove da lista dos homens braço em

1799, João Evangelista e Manoel Pereira Lima.

CAPÍTULO 2 | FORTALEZA CAPITAL DA PROVÍNCIA DO CEARÁ E A ECONOMIA DO ALGODÃO

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CAPÍTULO 2 | FORTALEZA CAPITAL DA PROVÍNCIA DO CEARÁ E A ECONOMIA DO ALGODÃO

L E G E N D A

Terras do Patrimônio de São José

Terras dos herdeiros do Coronel José Antônio Machado

Terras do Comendador Francisco Coelho da Fonseca Terras do Patrimônio de Nossa Senhora do Rosário

Figura 56: Exercício de reconstituição dos proprietários de terras da déc. de 1850 na Planta Exacta da Capital do Ceará - 1859 Fonte: MENEZES, 1992. Levantamento de Adolfo Hebster, 1874, encarte do Inventário da Baronesa de Ibiapaba.

TABELA 13

Inventário de Antônio Gonçalves Justa, 1852260

Localização Imóvel Avaliação

01. Rua Amélia Casa térrea com três portas, com cacimba, onde mora José Xavier de castro e silva 1:500$000 02.Rua Amélia Casa térrea com três portas, com cacimba onde mora português Dr. Pedro Pereira da Silva

Guimarães261 1:500$000

03.Rua Amélia Casa térrea com três portas, com cacimba onde mora luis vieira da costa delgado perdigão 1:600$000 04.Rua Amélia, Casa com três portas, com cacimba onde mora Dr. Thomaz Pompeu de Sousa Brasi262 1:600$000

05.Rua Amélia Casa térrea com três portas, com cacimba, onde mora major antonio ricardo bravo 1:000$000 06.Rua Amélia Casa com três portas, com cacimba 1:000$000 07.Rua Amélia Casa com três portas, com cacimba, onde mora Joana de tal 1:000$000 08.Rua Amélia Casa com uma portas e uma janela, com cacimba, onde mora o alferes rodrigues 800$000 09.Rua Amélia Casa com duas portas, com cacimba 800$000 10.Rua Formosa Casa térrea com três portas 600$000 11.Rua Formosa Sobrado 5:056$025 12.Rua da Palma Casa com duas portas 1:000$000

Fonte: Inventário Antonio Gonçalves Justa, Arquivo Publico do Ceará, Pacote 95, 1852

Estes perfis individuais podem ser generalizados como perfil do grupo hegemônico no cenário urbano regional atuante na segunda metade do século XIX.

260 Inventário em 1852, pacote 95.

261 Barão de Vasconcelos (1814-1876), 1837-bacharel

pela Academia de Olinda, em 1840- Promotor Publico, 1843- Juiz Municipal e de órfãos de Fortaleza, 1842-1843- deputado provincial e depois deputado geral (1850-1852) (VASCONCELOS, 1906:187-8).

262 O bacharel em direito Thomas Pompeu de Sousa Brasil,

deputado em 1845, não possuía nesse momento imóvel próprio para morar. Em 1877 passa a ter um patrimônio bastante expressivo (vários imóveis residenciais espalhados na cidade e terrenos urbanos), além de ações da Estrada de Ferro e da Cia de Gás.

CAPÍTULO 2 | FORTALEZA CAPITAL DA PROVÍNCIA DO CEARÁ E A ECONOMIA DO ALGODÃO

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CAPÍTULO 3

No capitulo anterior, mostrou-se a economia do algodão redefinindo o papel de Fortaleza como porto exportador do produto para o mercado internacional. Nesse período de prosperidade, o poder público induz o crescimento da capital por meio de um plano de expansão datado de 1863 e conduz o processo mediante uma série de Códigos de Posturas.

Neste capitulo, objetiva-se enfocar essas dinâmicas no espaço intraurbano e analisar a implantação do Plano de Expansão de Herbster, de 1863 até 1933. Buscar-se-á analisar o papel da iniciativa privada na apropriação e produção material da área planejada em meio aos instrumentos de orquestração mobilizado pelo poder público. Para tanto elegeu-se como documentação primária: plantas antigas (1875, 1888, 1922 e 1932), Censo de 1887, décimas urbanas (1872, 1890 e 1911), imposto predial (1922 e 1934), Descrição da Cidade da Fortaleza262 de 1895, inventários post-

mortem e almanaques. Com efeito, procurar-se-á analisar as lógicas que presidiram a ocupação do Plano de Expansão de Fortaleza de 1863.

A primeira providência foi vetorizar as plantas de Fortaleza de 1875, 1888, 1922 e 1932, com o objetivo de reconstituir os aspectos materiais e sociais do tecido urbano arrolados via documentos supracitados. Depois de compilados, os dados recolhidos no Censo de 1887263

e nas décimas urbanas (1872, 1890, 1922 e 1936) foram organizados e lançados nas bases cartográficas. O Censo de 1887264, realizado pela Chefia de Policia, traz importantes informações

sobre todas as ruas, casas e estabelecimentos comerciais e de serviços, contendo o nome de cada um dos moradores, especificando suas funções (chefe de família, esposa, agregados, empregados, escravos etc.), nacionalidade, idade, estado civil, grau de instrução, profissão, ou seja, traçando um perfil da população urbana de Fortaleza. Complementando o censo e permitindo espacializá- lo, as Décimas arrolam todos os prédios inseridos no perímetro urbano, contendo informações sobre seus proprietários, a localização dos imóveis, tipologias e usos. Foram elaborados, no primeiro momento, alguns exercícios gráficos sobre as quatro plantas. Como não se dispunha de informações265 para a cidade toda, optou-se por um recorte espacial compreendendo a antiga

área urbanizada no século XIX - formada pelas ruas Floriano Peixoto, Major Facundo, Barão do Rio Branco, Senador Pompeu, General Sampaio e 24 de Maio - a fim de entender o processo de especialização dos espaços (comércio e serviços). Em momento posterior, analisar-se-á a área em torno da praça do Ferreira que passou por uma mudança de uso, (de predominantemente residencial para comercial), que correspondeu a mudanças nas tipologias edilícias (de casas térreas para edifícios verticais). Para a reconstituição da praça do Ferreira as principais fontes primárias utilizadas foram as décimas urbanas, o censo de 1887, os almanaques, os inventários