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FORTALEZA DÉCADA

08 Sítio Bento de Sousa Pereira

2.5 ATORes sociais na apropriação e produção do espaço urbano

2.5.2 Negociantes e Proprietários

Na primeira metade do século XIX, com a Abertura dos Portos e a Independência do Brasil, verificam- se alguns atores sociais atuando com destaque nas zonas portuárias: além dos comerciantes portugueses, destacam-se as firmas estrangeiras, ambos relacionados com o comercio internacional. Segundo Caio Prado Junior, “até a Independência, e ainda em pleno Império, [...] o comercio brasileiro é exclusivamente estrangeiro, e dele são sistematicamente afastados os nacionais” (1966:34). Destaca um relatório de 1799, do Marques de Lavradio, “logo que aqui chegam (os portugueses) não cuidam de nenhuma outra coisa que se fazerem senhores do comercio que aqui há, não admitirem filho nenhum da terra a caixeiro, por onde possam algum serem negociantes.” (PRADO JUNIOR, 1966:34) Na Colônia e parte do Império, portanto, os negociantes eram predominantemente portugueses natos. O mesmo demonstra Maria Aparecida Borrego (BORREGO, 2010) e inclusive Heloisa Barbuy (BARBUY, 2006) para o caso de São Paulo colonial e João Luis Fragoso (FRAGOSO, 2010) para o Rio de Janeiro.

Como descreve Leitão,

No Ceará como em outras capitanias as linhas demarcadoras entre as atividades de varejo e atacado nem sempre eram claras. Grandes comerciantes que vendiam no atacado também possuíam lojas de varejo. Esses mesmos homens também possuíam comércios fixos ao mesmo tempo em que realizavam o comercio

CAPÍTULO 2 | FORTALEZA CAPITAL DA PROVÍNCIA DO CEARÁ E A ECONOMIA DO ALGODÃO

itinerante. É certo que os comerciantes volantes ocupavam posição de menor prestigio do que aqueles que possuíam comércio fixo. Sua mobilidade estava sempre a provocar desconfiança da administração publica no que se referia a extravios, contrabandos e negócios escusos. Os mascates não eram portanto vistos com bons olhos por grande parte da população, que os responsabilizava pelos aumentos dos preços e pelo prejuízo das casas comerciais estabelecidas. Os comerciantes vindos de Portugal para o Brasil compunham uma classe heterogênea.[...] Além do grande comercio, uma classe de pequenos comerciantes, caixeiros ou mascates a ascender socialmente, função de seu trabalho e dedicação aos negócios (2001:37-38).

Durante todo o século XIX,o aumento da atividade comercial em Fortaleza se acentua, permitindo a formação de uma camada de negociantes que terá papel fundamental no desenvolvimento da cidade. Com base em documento de Outro Aramac, intitulado “Fortaleza de 1845”, pode-se caracterizar o perfil desses negociantes ao longo da primeira metade do século XIX.

O português sargento-mor antônio Francisco da silva (falecido em 1837) era um personagem rico da cidade, proprietário de várias casas na rua do Quartel e na praça da Carolina, além de adquirir o sitio dos herdeiros do Padre Chaves, arrematado em hasta publica por 1:100$000 réis, em 1831, e vendido para Joaquim Mendes da Cruz Guimarães.

O rico negociante português manuel caetano de Gouveia199 (1791-1865) deu origem à família

GOUVEIA. Foi acionista do Banco Provincial, participando com 10 ações, isto é 1:000$000 (um conto de réis). Era casado com Francisca D’Agrela Gouveia (1801-1870), filha de José Agrela Jardim200. Foi Vice-Consul de Portugal no Ceará e “militou na política ao lado de José Antonio

Machado, enfrentando os Castros (família Castro e Silva)” (GIRÃO, 1975:296)201. Duas filhas do

casal, Francisca e Mariana, casaram-se com dois irmãos portugueses e comerciantes: Desidério Antônio de Miranda202 e Guilherme Augusto de Miranda203. Seu inventário atesta um patrimônio de

três imóveis na rua Conde d’Eu (antiga rua Direita dos Mercadores): o de n.o 84 com duas portas;

o de n.o 86 com três portas; e o terceiro de quatro portas, todos com “fundo correspondente” para

a rua do Rosário, avaliados em 7:000$000 réis. Possuía também um sítio nessa mesma rua, com “fundo correspondente” para a rua do Sampaio no Outeiro, medindo 1.147 palmos (252,34m) de frente por 938 palmos (206,36m), com casa sede de cinco portas e outra casa em ruína204. Além

deste, era proprietário do sítio Vila Velha, na baixa do rio Ceará, e várias terras no interior do Ceará, principalmente Imperatriz, Canindé, Aracati.

Os imóveis para renda de aluguel concentram-se predominantemente nas ruas norte-sul: Boa Vista (Floriano Peixoto), rua da Palma (Major Facundo), rua Formosa (Barão do Rio Branco) e rua Amélia (Senador Pompeu). Seus detentores eram predominantemente comerciantes portugueses cujas fortunas resultam de atividades urbanas e rurais - terras, casas, sítios, comércio, escravos205,

gado, empréstimos de dinheiro a juros e renda de aluguéis de imóveis. Observa-se a mobilidade desses indivíduos mais rico, mudando-se certamente para zonas melhores e mais valorizados. No caso do deputado Thomas Pompeu e Dr. Pedro Pereira da Silva Guimarães206, em 1845, moravam

na rua da Palma e no ano de 1852, segundo o inventario do negociante Antonio Gonçalves Justa207,

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199 Trouxe de Pernambuco Antônio Rodrigues Ferreira (Boticário

Ferreira) para trabalhar na sua casa comercial. O presidente Fco Silveira da Mota em 1850 “ordenou ao engenheiro Manoel Caetano de Gouveia que organizasse a planta (da cadeia pública) e desse começo aquela obra” (BEZERRA DE MENEZES,1992:75).

200 Número 20 do quadro dos homens brancos de 1799, na

tabela 1.01. Considerado também um das maiores fortunas do norte da província. Casado com Mariana Francisca Pires Chaves, tiveram somente uma filha Francisca D’Agrela Gouveia (1801- 1870), casada com Manoel Caetano de Gouveia (1791-1865) em 1821 (1975, p. 295).

201 GIRÃO, 1975:296.

202 Possuía seus herdeiros, na décima urbana de 1872, dois

imóveis na travessa do Chafariz no 14 e no 16, dois na rua Boa Vista no 13, no 35, dois na rua Formosa no 87 e no 89 e na praça do Palácio no 4.

203 Possuía na décima urbana de 1872, um imóvel na rua Conde

d´Eu no 103.

204 Essas propriedades (sítios e casas) foram avaliadas em

44:200$000.

205 Segundo Silva “desde o seu surgimento, o `elemento servil´

no Ceará chegou ao máximo, em termos percentuais, na década de 1840, quando representava 13% de sua população. Em 1860, era apenas 8%, chegando a 4% no primeiro recenseamento geral do Brasil, em 1872. Dentre várias causas que concorreram para esse declínio destacaram-se: a suspensão da importação de escravos desde a década de 1820, a exportação de cativos para as províncias do Sudeste e as missões de diversa natureza” (2002:89).

206 Bacharel pela Academia de Olinda (1837), promotor público

(1839), juiz municipal e de órfãos (1843), deputado geral (1850- 52).

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constam residindo na rua Amélia. O mesmo aconteceu com o major Ricardo Bravos Sussuaruna, que residia na rua Boa Vista e depois na rua Amélia.

Além disso, observa-se também que essa elite de negociantes cresceu ao longo da primeira metade do século XIX, passando de 13 negociantes (em 1799), para 42208 (em 1845). Destes, 29

eram negociantes portugueses, nove negociantes nacionais e cinco capitalistas de nacionalidade indeterminada (OUTRO ARAMAC, 1958:230-256) (Tabelas 4, 5 e 6).

TABELA 4

Negociantes Portugueses