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ORGANIZAÇÃO POLÍTICO ADMINISTRATIVA MUNICIPAL NO império

DE EXPANSÃO DA CIDADE E AS NORMAS REGULADORAS (1810-1863)

CAPÍTULO 2 | FORTALEZA CAPITAL DA PROVÍNCIA DO CEARÁ E A ECONOMIA DO ALGODÃO

2.2 ORGANIZAÇÃO POLÍTICO ADMINISTRATIVA MUNICIPAL NO império

Enquanto no período colonial as vilas criadas pela administração portuguesa “tinham como função assegurar a dominação metropolitana,” serem “as sedes da administração das capitanias,” e “os principais núcleos intermediários de controle do Estado português sobre os aglomerados menores e as áreas de produção” (LEMENHE, 1991:78), no período imperial, a natureza do controle se altera, a fim de “viabilizar a construção do estado nacional e a hegemonia da classe dominante brasileira.” (LEMENHE,1991:78).

No Primeiro Reinado (1822-1831), a Constituição de 1824 estabeleceu uma Monarquia Constitucional e os mecanismos institucionais essenciais para uma nova organização do país recém-independente (GOUVEIA, 2008:21-22).

Em 1828, a Lei das Câmaras Municipais retirou parte das suas competências herdadas do período colonial. Embora outras alterações tenham sido introduzidas pelo Ato Adicional de 1834, a Lei de 1828 “nunca foi revogada pelo Estado imperial, permanecendo como a principal referencia da organização político-administrativa no âmbito local” (GOUVEIA, 2008:22). O Ato Adicional de 1834119 restringiu ainda mais o poder das câmaras municipais “às administrações provinciais, em

termos da gestão dos assuntos locais” (GOUVEIA,2008:23). Na mesma direção, o Ato Adicional de 1840120,a reforma do Código de Processo Criminal121 modificado em 1841 e a recriação do Conselho

de Estado e do Poder Moderador (1843) introduziram ampla reformulação da organização político-administrativa do Império que persistiu até fins do século XIX.

Verifica-se que o Brasil em todo o período imperial é marcado por um regime político centralizador de poder, que instala uma economia modernizadora, “sobretudo com a influencia dos comerciantes ingleses, sem adotar o liberalismo” (FAORO, 2001:291). Para Luciano Aronne Abreu122, entretanto, esta

centralidade “não foi suficiente para eliminar as diversidades regionais e o poder das oligarquias locais” . Deve-se destacar, contudo, o fato de que, mesmo com a política imperial centralizadora vigente nesse período, “em momento nenhum foi o estado capaz de governar efetivamente sem fazer acordos com grupos privados para contar com a sua cooperação” (URICOECHEA, 1978:112). O “governo central estava agudamente consciente dos limites frágeis de sua autoridade [...] e estava consciente da impossibilidade de

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119 O centralismo assegurava um maior controle sobre o país, ao

passo que a autonomia das províncias poderia ocasionar a mu- dança nas relações internas de produção. Em razão da superfície de nosso território, da diversidade climática, das peculiaridades de cada região, o desenvolvimento econômico processava-se de modo irregular, sujeito a eventualidades imprevisíveis” (MERCA-

DANTE, 1965:128).

120 Esse ato alterou à constituição de 1824, suprimiu o Conse-

lho do Estado. “Os presidentes de província continuaram a ser designados pelo governo central, mas criaram-se Assembléia Provinciais com maiores poderes, em substituição aos antigos Conselhos Gerais” (FAUSTO, 2006:87).

121Em 1832 entrou em vigor o Código de Processo Criminal, que

fixou normas para a aplicação do Código Criminal de 1830. O Có- digo de Processo Criminal deu maiores poderes aos juízes de paz, eleitos nas localidades” (FAUSTO, 2006:87).

122 Luciano Aronne de Abreu. Autoritarismo e democratismo:

uma leitura do Estado Novo.

http://www.eeh2008.anpuh-rs.org.br/resources/content/ anais/1209137920_ARQUIVO_TEXTOANPUH2008.pdf

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governar isoladamente, sem angariar serviços litúrgicos de grupos privados.” (URICOECHEA, 1978:112). Com a implantação da política de partidos, “as próprias províncias começaram a fazer pedidos de recursos ao estado em troca de apoio eleitoral” (URICOECHEA, 1978:113).

Para o entendimento dos desdobramentos disso na urbanização, do território nacional e das províncias, principalmente, no ordenamento do espaço urbano, é importante entender o papel das câmaras municipais no período imperial, pois se observa que as resoluções municipais eram determinadas por leis gerais vigentes no Brasil todo, principalmente a partir da primeira metade do século XIX. Desde o período colonial, a administração das vilas e cidades brasileiras era desempenhada pela Câmara Municipal, que tinha funções político-administrativas, judiciais, fazendárias e de polícia. Essa municipalidade era regida pelas Ordenações Filipinas (1603), “referência legal básica da estrutura e funcionamento das câmaras municipais durante o período colonial”123 (ARQUIVO

NACIONAL,1985:69) Sua estrutura era composta por juízes ordinários, procuradores, vereadores, tesoureiros, almotacés e outros. Competia aos vereadores124, além das funções de fiscalização, a

incumbência normativa, isto é redigir as posturas municipais e os editais policiais.

Consoante Lemenhe,

Nas capitanias, agora províncias desfavorecidas com a retração econômica do período, consolidaram-se, sobretudo na fase de expansão do final do século XVIII e começo do seguinte, uma camada de proprietários rurais fortalecida por setores de extração urbana- comerciantes, profissionais liberais aqueles associados– que, respaldada no liberalismo e mesmo em idéias republicanas e federalistas, pretendia autonomia para reger seus interesses independentemente de um poder central, como o que havia constrito nos tempos coloniais. (1991:76).

Após a independência, as antigas capitanias administradas por governadores régios foram transformadas, com a lei de 23.10.1823, em províncias125, conduzidas pelo presidente da Província,

nomeado pelo poder central. “Mas havia uma importante diferença: o governador concentrava todos os poderes, ao passo que o presidente126 de província administrava apoiado nas decisões de uma Assembléia Provincial” (MATTOSO, 1992:248), sem comandar os poderes judiciário e militar. Para abrandar os poderes regionais, o Governo central indicava membros de outras regiões como presidente das províncias, relegando os poderosos regionais ao posto de vice-presidente127.

Segundo Raimundo Faoro, “o espírito da Independência, com o estímulo prestado pelas câmaras locais ao príncipe, a aprovação do texto constitucional por elas, faria supor que o espírito municipal conquistaria lugar de relevo nas novas instituições políticas” (2001:364). Pelo contrário, gradativamente, as Câmaras Municipais perderam seu poder de decisão, reforçando os poderes da Assembleia Provincial, restringindo suas “atribuições administrativas, especialmente nos setores viários e de higiene e saúde” (MATTOSO, 1992:250).

A Carta Constitucional de 1824, além de estabelecer a organização do Império e das províncias, limitou os poderes judiciários das Câmaras:

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123 As Ordenações Filipinas foram recopiladas sistematizadas

da legislação portuguesa anterior a 1603: as Ordenações Afon- sinas, vigentes a partir de 1446, e as Manuelinas, que vigoram de 1521 até a publicação daquelas em 1603. (ARQUIVO NACIO- NAL, 1985:69).

124 A Receita Anual da Câmara de Fortaleza em 1812 atingia

138$680, mediante o contrato real das carnes (80$000), das aferições (10$000), pesqueiros, isto é, licenças para erigir cur- rais de pescaria, do rio Ceará até Mundaú (30$000) e pesqueiro do rio Cocó (18$000) (PEIXOTO, 1906:11). Em 1850 essa recei- ta foi reduzida.

125 “Entre 1808 e 1821, as palavras capitania e província eram

usadas de forma alternada na legislação, utilizadas para desig- nar as unidades territoriais do império luso-brasileiro e sua administração regional. Nesse sentido, as províncias do Brasil oitocentista deram continuidade às unidades que prevalecem na administração colonial: as capitanias hereditárias, abolidas por Pombal, em 1759, depois de gradualmente transformadas em capitanias régias.” (VAINSFAS, 2008:587-597).

126 “Alem do mais geralmente era “nomeado por uma província

distinta da sua província de origem” por um período de tempo bastante curto” (URICOECHEA,1978:110).

127 Por sua vez, a Carta Constitucional de 1824 especificava que

a administração das cidades brasileiras era realizada pelas câ- maras municipais, cujos membros eram escolhidos por meio de eleições diretas.

Todas as posturas municipais – que em geral tratavam da preservação da ordem e da saúde publica – deviam ser aprovadas pelos Conselhos Gerais das províncias, que podiam revogá-las ou modificá-las. Em períodos eleitorais, isto é, de vacância dos Conselhos, essas portarias eram submetidas à aprovação do presidente da Província. Qualquer `ato político’ era expressamente proibido. Para vender, alugar ou permutar os bens imóveis do município, por exemplo, as Câmaras dependiam da autorização do presidente. Qualquer contrato de locação devia ser submetido ao referendo do Conselho Geral. Tratava-se, por conseqüente, de um regime centralizador, que submetia a municipalidade à autoridade provincial.

Na Constituição do Brasil de 1824, o capítulo alusivo à organização municipal da Carta de 1824, era composto por três artigos:

Art. 167. Em todas as Cidades, e Villas ora existentes, e nas mais, que para o futuro se crearem haverá Câmaras, às quaes compete o Governo econômico, e municipal das mesmas Cidades, e Villas.

Art.168. As Câmaras serão electivas, e compostas do numero de Vereadores, que a Lei designar, e o que obtiver maior numero de votos, será Presidente.

Art.169. O exercício de suas funcções municipaes, formação das suas Posturas policiaes, applicação das suas rendas, e todas as suas particulares, e úteis attribuições, serão decretadas por uma Lei regulamentar (Grifou-se).

A Lei de Organização Municipal de 01 de outubro de 1828128, no artigo 24129, reduz a autonomia

municipal130, tornando-as corporações meramente administrativas, impedidas de exercer qualquer

jurisdição contenciosa131. No seu artigo 72 trata sobre despesas e inclui como fontes de receita as

multas à desobediência das posturas policiais e as rendas provenientes da venda132, aforamento,

arrendamento ou administração dos bens do Conselho, isto é, do patrimônio municipal.

Na lei de 1828, Art.66, as novas atribuições das câmaras municipais dizem respeito à “policial” (policial = boa ordem), “pelo que tomarão deliberações, e proverão por suas posturas” os seguintes itens: alinhamento das ruas e praças, limpeza, conservação e reparos das calçadas, pontes, fontes, chafarizes, iluminação “e quaesquer outras construções em benefício commum dos habitantes, ou para decôro, e ornamento das povoações”133. No mesmo titulo, em seu parágrafo 2º, também define

como responsabilidade das câmaras o estabelecimento dos cemitérios, o asseio dos matadouros públicos, esgotamentos de pântanos, colocação de curtumes e “quanto possa alterar, e corromper a salubridade da atmosphera”. Essa lei “aboliu ao mesmo tempo boa parte das jurisdições herdadas do período colonial [...] permanecendo como principal referencia da organização político-administrativa no âmbito local” (GOUVEIA, 2008:22).

Assim, o Art. 71 determina que as câmaras decidam “em geral sobre os meios de promover e manter a tranqüilidade, segurança, saúde e comodidade dos habitantes, o asseio, segurança, elegância, e regularida- de externa dos edifícios, e ruas das povoações, e sobre estes objectos formarão as suas posturas [...]”134.

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128 A partir da metade do século XVII, com a presença do

procurador do rei e depois presidente das câmaras municipais – o juiz de fora, é evidente “o esvaziamento do poder das câmaras, [...] [e o reforço de] suas competências de natureza administrativa, em detrimento das suas funções políticas” (SALGADO, 1985:72).

129 (http://www.camara.gov.br/Internet/InfDoc/conteudo/

colecoes/Legislacao/Legimp-K_22.pdf).

Pesquisado em 30.01.2010 Coleção de leis do Império, 1821- 1830- Legislativo, Título II, Funções Municipais, art. 24, p.78

130 Percebe-se que o poder local detinha mais autonomia na

fase colonial do que na imperial.

131 http://www2.camara.gov.br/legislacao/publicacoes/

doimperio, pesquisado em 30.01.2010. Atos do Poder, Título II, Funções Municipais, art. 24, p.78.

132 Em seu artigo 42, a Câmara não pode vender, aforar ou

trocar bens imóveis do Conselho sem autoridade do Presidente da província.

133 http://www2.camara.gov.br/legislacao/publicacoes/

doimperio, pesquisado em 30.01.2010. Coleção de leis do Império, 1821-1830- Legislativo, Título III, Posturas Policiais, art. 66, §1º, p.83.

134 http://www2.camara.gov.br/legislacao/publicacoes/

doimperio, pesquisado em 30.01.2010. Coleção de leis do Império, 1821-1830- Legislativo, Título III, Posturas Policiais, art. 66,§1º,P.85.

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O Ato Adicional de 12 de agosto de 1834, no art. 1º, transformou os conselhos gerais das províncias em assembléias legislativas provinciais, determinando, no art. 2º, o número de representantes provinciais: 36 membros nas províncias de Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo; 28, nas do Pará, Maranhão, Ceará, Paraíba, Alagoas e Rio Grande do Sul; e 20 nas demais províncias.

Estudo de Uricoechea mostra que, na década de 1830, houve uma tentativa de descentralização em algumas questões político-administrativas e judiciárias de caráter local, entretanto os presidentes das províncias seriam indicados pelo poder central. Portanto, esse movimento foi “incompleto, na medida em que não ocorreu a indispensável e paralela descentralização administrativa” (1978:110). Nota-se na lei n. 105, de 12 de maio de 1840135, a retirada também dos instrumentos políticos do

poder local:

[...] retirou o que restava de poder às municipalidades, pois os juízes de paz (magistrados eleitos que tinham tanto funções judiciárias como policiais) foram substituídos por magistrados de carreira que, nomeados pelo governo central, acumularam as funções de delegados de Policia, passando a chefiar os subdelegados. Assim, conferindo maior autonomia aparente ao poder local, o Estado reforçou a centralização.

As conseqüências dessa política urbanizadora centralizada no Brasil-Império logo se evidencia espacialmente.

Como foi visto, a partir da lei de 1o de outubro de 1828, as câmaras municipais tornaram-se

progressivamente corporações meramente administrativas, tendo como responsabilidade sobretudo a deliberação dos códigos de posturas. No mesmo ano a lei no 173, de 14 de novembro

de 1828, declara que pertence também às câmaras a inspeção sobre saúde pública, ou seja “os exames e visitas nos comestíveis, boticas e lojas de drogas”. A Assembleia Legislativa Provincial só vai aprovar a primeira Postura da Câmara Municipal de Fortaleza em 5 de junho 1835.

Na linha do primeiro Código de Posturas do Rio de Janeiro, de 1832, o Código de Posturas de Fortaleza de 1835 exige “que todos os habitantes desta Cidade, e Povoações do Município, ou sejão proprietários, ou rendeiros, são obrigados a trazerem limpas as frentes de suas cazas, becos, e fundos de quintaes por onde haja trânsito público [...] (art.5). A lei no 8 de 7 de julho de 1835 determina

a supressão dos fiscais das câmaras municipais e seus suplentes pois serão os juízes de paz e os inspetores de quarteirões os que fiscalizarão o cumprimento das posturas (art. 1. e art. 2) (CAMPOS, 1988:55). Na administração do Dr. Fausto de Aguiar, ante as questões levantadas pelo “médico da pobreza” Liberato Castro Carreira, aprovaram-se temporariamente duas posturas votadas pela Câmara Municipal orientando certo zoneamento de funções: a primeira “só permitia salgadeiras fóra da cidade e das povoações e prohibia estender nas ruas ou largos desta cidade couros humidos qua exahalen máo cheiro”; a segunda proibia “a criação ou conservação de porcos- ainda mesmo em ciqueiros – no perimetro urbano até a distancia de meia légua”(ABREU, 1928:39).

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135Coleção de leis do Império 1831-1840. Essa lei interpreta

A lei complementar de 1838136, publicada pelo presidente Manoel Felizardo de Souza Mello,

disciplina sobre as cercas das casas e casas de palhas encravadas em terrenos aforados. A regulamentação sobre trajes, transporte de carne para o matadouro, lançamento de lixo em locais proibidos, pesca com rede de arrasto, venda de leite e de peixe é determinada pela lei no 308, de

24 de julho de 1844, publicada pelo presidente José Maria da Silva Bittencourt . Tendo em vista a preservação da qualidade da água, o presidente José Maria da Silva Bittencourt proíbe, por meio da lei no 329, de 19 de agosto de 1844, “a lavagem de roupa ou qualquer objecto, que concorra para

a putrefação das águas, nos lugares que não tem esgotadouros que offereção uma corrente perenne”.

2.3 DA “VILA DO FORTE” à “CIDADE DA FORTALEZA DE NOSSA