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Na primeira República (1889-1930), o algodão permaneceu a principal economia, mas a Abolição da escravidão não condicionou o fluxo imigratório de estrangeiros, o que

3.5. A TRAMA URBANA E OS ATORES

3.5.1 Reconstituição da área urbanizada em

Na linha dos realizados nos capítulos anteriores, foram elaborados alguns exercícios gráficos de interpretação das plantas antigas, com o objetivo de compreender o papel da iniciativa privada na apropriação e produção material da área planejada, entre 1863 a 1933. A ideia é analisar aspectos gerais da ocupação do Plano de Expansão de Fortaleza de 1863, valendo-se de fontes primárias textuais raramente espacializadas. Os exercícios têm por base as plantas de Adolfo Herbster (1875, 1888) e duas do século XX (1922 e 1932), as décimas urbanas (1872, 1890 e 1911), o Imposto Predial de 1922 e 1936, o Censo de 1887, os códigos de posturas (1865 a 1932), os almanaques, as descrições da cidade, os inventários post-mortem e a iconografia. Buscou-se ressaltar a real ocupação das quadras em diversos períodos, sempre utilizando os edifícios institucionais (Câmara, Palácio do Governo, Alfândega, Porto, Estação dos Bondes) e as igrejas, como principais referências na estruturação do espaço urbano. Espacializou-se o processo de ocupação e transformação da cidade em duas escalas: a primeira correspondendo à área composta pelas ruas norte-sul (ruas Boa Vista, Palma, Formosa, Amélia) e leste-oeste (rua da Misericórdia até a rua Dom Pedro); a segunda, correspondendo ao entorno da praça do Ferreira. Reconstituiu-se nessas áreas a tipologia dos imóveis (casa térreas, sobrados e lojas) e os usos predominantes (residencial, comercial e misto), tanto na antiga área urbanizada como em torno da praça, constatando a transformação de área residencial para comercial.

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377 Situado na antiga Estrada de Pacatuba, no lugar denominado

Tauape.

378 Esta funcionou entre 1930 a 1943.

379 A Câmara Municipal, em 08.01.1857, contrata os serviços

de Adolpho Herbster, conforme a Ata da sessão. (CASTRO, 1994:57).

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A planta de 1875 é de grande importância, pois representa o plano de expansão de 1863, sobre

a cidade real. Nesta planta, observa-se o primeiro trecho dos trilhos da ferrovia, consequência do contrato de 1870 entre o Governo Provincial e a “Cia Cearense da Via Férrea de Baturité”, que partia da estação ferroviária, subia pela Tristão Gonçalves (antiga do Trilho) (6), na direção sul, servindo como elemento indutor do primeiro processo de ocupação das áreas adjacentes ao eixo ferroviário por indústrias têxteis a partir de 1881. Destacam-se também na planta alguns serviços públicos: o gasômetro e o reservatório de “água do Benfica”, (alimentado por poços profundos), e na zona oeste, o Cemitério de São João Batista fora do perímetro urbano. Esta planta representa a área edificada (contínua e compacta), um pouco maior do que a de 1859, indicando “vetores de expansão para oeste e para o sul, cuja resultante se dirigia para o sudoeste “(8), antecipando a direção de maior peso que a cidade iria conhecer no futuro” (CASTRO, 1982a:61) (Figura 67). Fortaleza limitava-se ao norte- pela Rua da Praia e Misericórdia; ao leste pela Rua de Baixo (Conde d´eu); ao sul pela rua D. Pedro e ao oeste pela rua Amélia (atual Senador Pompeu). “Fora deste âmbito, excetuados o Palácio do Bispo (2), o Colégio das Irmãs (4) e o Seminário (3), tudo eram areias, casas de palha, uma ou outra casa de tijolo com sofrível aparência” (NOGUEIRA, 1981:30), não representadas nessa planta (Figuras 68, 69, 70 e 71).

Figura 67: Exercício de reconstituição cartográfica. Fortaleza em 1875. Antigas estradas e alguns edifícios emblemáticos em Fortaleza, em 1875. Autora Margarida Andrade. Mapa- base: “Planta da cidade da Fortaleza e Subúrbios elaborado por Adolpho Herbster de 1875”.

Fonte: Planta da cidade da Fortaleza de 1875, Castro, 1994.

Figura 69: Colégio da Irmãs. Observar, à direita o primeiro momento do colégio com somente o pavimento térreo. Fonte: Coleção Nirez.

Figura 68: Seminário da Prainha. Fonte: Coleção Nirez.

Em torno da área efetivamente urbanizada verifica-se uma ocupação rarefeita da zona projetada pelo plano de expansão de Herbster. O Outeiro da Prainha “ficava sobranceiro ao mar, em frente da reduzida faixa portuária, compreendendo a parte mais avançada do tabuleiro sobre o qual a cidade se assenta” (CASTRO,1994:67). Os antigos caminhos que ligavam a cidade ao sertão foram em parte incorporados no projeto de expansão, configurando as vias radiais da malha ortogonal predominantes. Esse é caso da estrada de Messejana (atual Visconde do Rio Branco) (9) e da antiga estrada do Cocó, nas imediações da estrada de Messejana (5). Outros caminhos foram empurrados para o exterior da área planejada como os que dirigiam para o Oeste, em busca do Barro Vermelho (Antônio Bezerra), do Alagadiço e do Urubu (atual zona industrial) (CASTRO, 1982a:64). Com relação às estradas do Arronches (Parangaba) (10), da Pacatuba (atual Marechal Deodoro) (11), do Soure (atual Caucaia) (7), o engenheiro “tratou de dar a esses logradouros um desenvolvimento retilíneo admitindo mesmo a viabilidade de nascimento de novas malhas referidas ortogonalmente a essas saídas” (CASTRO, 1982a:64). São identificadas junto às radiais (antigos caminhos) uma série de chácaras.

Observa-se no plano de Adolpho Herbster a previsão de vias perimetrais (Figura 72) desde a planta de 1875380. A primeira perimetral é definida pelo circuito das avenidas Imperador, Livramento

(atual Duque de Caxias), Conceição (atual Dom Manuel). A segunda perimetral “figurava na proposta do traçado de uma via de fechamento do perímetro urbano oeste da cidade, dita Boulevard da Jacarecanga” (CASTRO, 1994:76) (as atuais av. Filomeno Gomes e Padre Ibiapina). A última, fora do plano, surge “espontaneamente” pela Estrada do Gado, antigo caminho ligando os “Currais da Feira de Arronches” ao matadouro, configurando parte da futura av. Treze de Maio. A largura dessas avenidas é de 100 palmos (22,00m) e as vias 50, 60 e 70 palmos, ou seja, de 11.00m, 13,20m e 15,40m;os quarteirões variavam entre 110,00m e 143,00m.

Na reconstituição das quadras e vias correspondente à planta de 1875, percebe-se a inserção da área planejada sobre um território outrora composto de várias estradas e caminhos que constituirão as futuras radiais e ruas, bem como dos dois riachos, Pajeú (leste) e Jacarecanga (oeste), e diversos recursos hídricos em seu entorno (Figura 73).

O Município de Fortaleza, no recenseamento de 1872, contava com 42.458 habitantes. Como já mencionado, “as atividades rurais ocupavam população numerosa, de sorte que na parte urbanizada não viviam 20 mil pessoas” (CASTRO, 1994:67). Ao redor da área planejada, havia uma concentração de chácaras “que se agregavam nos arrabaldes mais agradáveis” (CASTRO, 1994:67), como se observa no anúncio do Jornal Pedro II, de 07 de junho de 1885, sobre o arrendamento da “Chácara na Jacarecanga”, de Luis Ribeiro da Cunha:

Arrenda-se um bom sitio, com muito coqueiros, fruteiras, muitos cajueiros, grande baixa com capim de planta, plantações de cana, mandioca e outras novidades, todo cercado, com divisões para ter vaccas, bom curral, bom banheiro, boa casa de familia, água corrente todo anno, boa cacimba, com água potável, a melhor d´esta cidade. Além do que fica mencionado – tem boa casa de residencia, muitos commodos e espaçosos, é assobradada, alta, em bela posição, com quatro fachadas, avanrandada, tendo na frente magnífico terraço muito saudável e fresco, pois é muito arejada, em frente a uma rua empendrada desde o tope da escada até a cidade, onde se faz o trajecto em 15 a 20 minutos. Pode-se arrendar com mobília ou sem ella; a tratar com Luiz Ribeiro da Cunha.

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380 A reconstituição dessas perimetrais foi realizada na planta

de 1888.

Figura 70: Antigo Palácio do Bispo, atual Prefeitura Municipal de Fortaleza.

Fonte: Coleção Margarida Andrade.

Figura 71: Colégio da Irmãs. Observar, à direita o colégio com dois pavimento, depois de 1925.

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Ressalta-se, também, alguns sítios e fazendas em processo de parcelamento por seu proprietários, principalmente às margens das estradas empedradas do Arronches, Messejana e Soure, futuras áreas de expansão urbana da cidade, fora do traçado proposto por Herbster..

Exemplo são as terras de Antônio Francisco Góis, na estrada de Soure no “Alagadiço Grande”: Fazenda agrícola situada a 4.000 metros desta cidade com excelente casa de sobrado para viver, fábrica de fazer açúcar e farinha, com pequeno engenho de ferro, aviamento de fazer farinha, plantado de cana, mandioca e alguns coqueiros, carroça e seus pertences com 80 braças (176,0m) de frente, limitando seus fundos nos Arpoadores com as terras de D. Maria Torres, sendo o terreno aforado a N. S. do Rosário, avaliado a 20:000$000.

Figura 72: Exercício de reconstituição cartográfica. Fortaleza em 1875. Espacialização das antigas perimetrais e a evolução da ocupação em Fortaleza, em 1875. Autora Margarida Andrade. Mapa-base: “Planta da cidade da Fortaleza capital da provincia do Ceará, levantada por Adopho Herbster de 1888”.

Fonte: CASTRO, 1994.

Terreno no Alagadiço Grande aforado a N. S. do Rosário na estrada que vai a Soure, com 80 braças (176,0m) de frente e fundos até encontrar com a estrada que separa as terras das “Aningas” extremando ao nascente com as terras de João Luiz Rangel e ao poente com os do finado Cel. José Machado, avaliado em 100$000.

Sitio Alagadiço Grande com uma casa de tijolo, coqueiros, tendo de frente 50 braças (110,0m) com os fundos correspondente até as terras do finado Gouveia e encravada de frente com as terras do finado Visconde do Cauipe e ao nascente com as do finado Antonio de Oliveira sendo o terreno foreiro N. S. do Rosário, avaliado a 2:000$000 (INVENTÁRIO, 1886).

Isso também fica claro, nos anúncios do jornal Cearense sobre o inicio do parcelamento dessas áreas: Vende-se 3.200 palmos [704,0m] de terreno, á [à] margem da Estrada empedrada de Arronches, entre o cercado do Dr. Justa Araújo e o sitio do Sr. Kalkmann, em lotes de 50 [11,0m], 100 [22,0m], 200 palmos [44,0m], a dois mil reis por cada palmo, terra foreira a N. S. Rosário pagando somente de foro anual dois reais por palmo (Jornal Cearense de 24 de maio de 1868).

Até o dia 15 de fevereiro vindouro acha-se aberta a concorrência à venda de lotes regulares de terreno próprio para edificação, compreendidos no sitio do finado Major Manoel Franklin do Amaral, com 36 palmos [7,92m] de frente e fundo correspondente, prestando-se á edificação de uma boa casa de 3 portas, e contendo água correntes de olhos d´água existente no mesmo sitio, baixa mui fresca e fértil para capim, coqueiros, laranjeiras, bananeiras e outras arvores frutíferas etc. Vende-se um ou mais lotes conjuntamente, conforme as vantagens que forem oferecidas pelos compradores, os quais poderão com antecedência examinar e escolher. As pessoas que pretenderem dirijam suas propostas á qualquer dos abaixos assinados. Paulina Carmo, Francisco de Assis e Henrique Theberge (Jornal Cearense de 25 de janeiro de 1871).

Conclui-se que também existia no subúrbio, principalmente junto das antigas estradas, um “mercado de terras” incipiente realizados pelos próprios proprietários de fazendas, sitio e chácaras, que tomavam a iniciativa de parcelar e transformar o uso de suas terras.

Por sua vez, no perímetro urbano de Fortaleza, foram inventariados 1.347 imóveis. Segundo

a Décima Urbana, a área urbanizada era composta de 39 ruas (Alegria, Alfândega, Amélia, Assembleia, Boa Vista, Cadeia, Cajueiro, Capela - Outeiro da Praia, Chafariz, Conceição, Conde d´Eu, Dom Pedro, Flores, Formosa, em frente ao mar, Garrote, Hermínio, Hortas, Imperador, Imperatriz, José de Barcelos, Lagoinha, Leopoldina, Livramento, Mercado, Misericórdia, Municipal, Pajeú, Palma, Patrocínio, Praia, Quartel, Rampa da Conceição, Rosário, Sampaio, São Bernardo, São de Luiz Gonzaga, Seminário, Trincheiras), 6 travessas (Alfândega, Assembléia, Boa Vista, Chafariz, Sé, Calçamento do Cemitério), 11 praças (Alfândega, Assembleia, Ferreira, Lagoinha, Marquez de Herval, Misericórdia, Palácio, Quartel, Sé, Visconde de Pelotas, Voluntários) e o Outeiro dos Educandos. As Estradas Messejana, Arronches, Soure, Major Thomaz, assim como dois povoados

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Figura 73: Exercício de reconstituição cartográfica - Fortaleza, 1875: quadras e vias. Autora: Margarida Andrade. Mapa base: Planta da cidade da Fortaleza e Subúrbios, organizado por Adolpho Herbster, arquiteto da Camara Municipal, 1875.

Fonte: Planta da cidade de Fortaleza1859, 1875, 1945.

FORTALEZA - 1875

QUADRAS E VIAS

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- Meireles e Mucuripe - estavam fora do perímetro urbano (Figura 74).

Figura 74: Exercício de reconstituição cartográfica. Fortaleza 1872. Espacialização do perímetro urbano em Fortaleza, segundo a décima urbana de 1872. Autora Margarida Andrade. Mapa-base: “Planta da cidade da Fortaleza e Subúrbios elaborado por Adolpho Herbster de 1875”.

Fonte: Décima urbana de 1872.

A sobreposição dos dados da Décima Urbana de 1872381 à planta de reconstituição do engenheiro

adolfo herbster, de 1875, revela a grande área a ser ocupada no futuro, ultrapassando as limitações

topográficas além do riacho Pajeú, na região denominada de Outeiro. Nota-se que o sudeste era a área efetivamente ocupada. A planta assinala as “avenidas”382 periféricas à cidade, em 1875, e a

listagem da Décima de 1872 nelas revela poucos imóveis, tais como: na rua do Imperador, no 32;

na rua do Livramento, no 23; na rua da Conceição, no 6.

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381 A cobrança da Décima Urbana no Brasil iniciou-se em

1808 (Alvará de 27 de junho de 1808). Este foi o primeiro imposto predial, estabelecido na Corte e estendido às demais cidades, vilas e lugares notáveis situados à beira-mar (BUENO, 2005:61). Esse tributo “deveria ser cobrado a todos os proprietários de prédios urbanos na razão de 10% do valor dos imóveis.” Primeiramente, foi criado para formar e dirigir os lançamentos uma Junta da Décima Urbana, sendo substituída em 27.08.1830 pelos coletores da Décima (Alvará de 27 de junho de 1808). Raquel Glezer demonstra a instabilidade da estrutura da décima urbana ao longo do império: cobrança local até 1835, quando passou a ser provincial, e em 1842, municipal, retornando a provincial em 1844. Em 1845 passou a ser a Décima das Casas dos Conventos. Entre 1856-1857 foi transformada em imposto geral, com alíquota de 5%. Voltou a ser municipal, em 1858, sobre as casas dos conventos. Em 1873, o imposto voltou a ser cobrado em geral, além da Décima das Casas dos Conventos, com alíquota menor. A partir de 1881 passou a ser o Imposto Predial, de arrecadação provincial, com alíquota de 10% para as casas de conventos e corporações de mão-morta, e de 6% sobre as outras. [...]. E nos anos finais do Império, os recursos arrecadados se tornaram novamente provinciais, a fim de cobrir os gastos com serviços públicos de água, esgoto e iluminação” (GLEZER, 2007:205 ). Assim, a “décima urbana tornou-se sinônimo de área urbana. Por ser sinônimo de área urbana presta-se de maneira exemplar à reconstituição da sua tessitura” (BUENO, 2005:62).

382 Na Décima Urbana de 1872, essas ruas mais largas ainda

não eram chamadas de avenidas ou boulevards e sim de rua do Imperador, rua do Livramento e rua da Conceição.

A rua da amélia, limite oeste da área ocupada, tinha o maior número de imóveis (194); destes 30 casas eram comerciais (cinco açougues, sete quitandas, 12 tavernas e quatro lojas de fazenda). Em segundo lugar, posicionava-se a rua Formosa, com 168 imóveis arrolados, composta de 33 casas de comércio383. A rua da palma tinha 148 imóveis arrolados, possuindo 61 casas comerciais

bastante diversificadas384. A ocupação do outeiro dos educandos na zona leste da cidade era

ainda muito incipiente, sendo tributados somente sete imóveis385 (Figura 75).

No perímetro urbano, foram cadastrados 1.347 imóveis para fins de tributação. Destes, 1.097 (81,50%) eram imóveis residenciais e 250 (18,50%) comerciais. As casas, térreas ou sobrados, tinham de duas a cinco portas, sendo que o número de aberturas orientava a atribuição de valor aos imóveis. Nesse período, as funções urbanas e as camadas sociais se misturavam no tecido urbano. Os imóveis mais e menos valorizados em termos imobiliários coexistiam às vezes na mesma rua. Os bens de raiz de alguns inventários retratam essa afirmação na Tabela 21.

TABELA 21

Os Bens de Raiz de Inventários em 1872

Logradouro Característica do imóvel Avaliação (réis)

Rua da Palma 48 Casa térrea com três portas 4:000$000 Praça do Palácio 10 Casa térrea com três portas 4:000$000 Rua da Amélia 92 Casa térrea com três portas 3:500$000 Rua da Cadeia 79 Casa térrea com três portas 4:000$000 Pr. Marquez de Herval 32 Casa térrea com três portas 3:000$000 Rua da Palma 71/esquina

Assembléia Casa térrea com cinco portas 12:000$000 Rua Formosa Casa com sótão com cinco portas 15:000$000 Rua da Amélia 116 Casa térrea com cinco portas 10:000$000 Rua da Amélia 94/esquina rua da

Assembléia Sobrado com três portas386 30:000$000 Rua da Cadeia 103 Casa térrea com duas portas de frente 1:500$000 Rua Boa Vista 78 Casa térrea com duas portas 1:500$000 Rua Formosa Casa de duas portas de frente 1:800$000 Rua da Palma 78* Casa com quatro portas 7:000$000

Fonte: Inventario de1872 de Diogo Jose da Silva (pacote 203), *Inventario Manoel da Costa Bravo 1872

Confirmando tal hipótese, os impostos da arrecadação provincial revelam, nas principais ruas norte-sul (Boa Vista, Palma, Formosa, Amélia), valores variados387. Por exemplo, na rua Formosa,

entre os imóveis arrolados, o menor imposto pago foi de 7$200 réis (imóvel pertencente a Manoel Nunes de Mello), e o maior 86$000 réis (imóvel de Francisco de Paula Bruno). A média de valores dos impostos na referida rua são: 14 (24$000 réis), 12 (30$000 réis), 17 (36$000 réis), cinco (40$000 réis), nove (42$000 réis), quatro (48$000 réis), nove (50$000 réis), oito (54$000 réis) e

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383 Armazém de farinha de trigo (1), madeira (1), secos e

molhados (6), loja de fazendas (14), ferragem (1), loja e fabrica de charutos e cigarros (2), calçados franceses (1), quinquilharias, perfumaria, cristais, sedas, lãs, brinquedos, (2), padaria (1), quitanda (3), padaria (1)

384 Açougue (1), Armazém de farinha de trigo (1), madeira (1),

secos e molhados (8),casas de vender bilhetes de loterias (1), lojas de alfaiates (2) loja de chapéu de sol (1)loja de fazendas (20), ferragem (1), loja de louças, cristais e vidros (1), loja de instrumentos de musica (1), loja e fabrica de charutos e cigarros (1), loja de livros (1), calçados franceses (1), quinquilharias: perfumaria, cristais, sedas, lãs, brinquedos, (6), tavernas (9), padaria (1).

385 Deve ser lembrada a grande concentração de palhoças na

área do Outeiro, nas proximidades da Casa dos Educandos, segundo o Relatório do médico Castro Carreira.

386 Em 1878 pertencia a Ant. Mendes da Cruz Guimarães,

segundo seu inventário (pacote 98).

387 Rua da Palma - 9$600, 10$800, 12$000, 14$400, 16$800, 18$000, 19$000, 19$200, 20$000, 21$600, 24$000, 25$000, 30$000, 36$000, 42&000, 48$000, 50$000, 60$000, 72$000, 75$000, 96$000, 144$000. Formosa – 1(7$200),3 (7$500), 6 (9$600), 1 (10$800),6 (12$000),7(14$400), 4 (16$800),2 (18$000), 4 (19$200), 4 (20$000), 3 (21$600),14 (24$000), 2 (26$400),12 (30$000)1 (31$000)17 (36$000), 5 (40$000), 9 (42$000), (44$400),4 (48$000),9 (50$000), 1 (51$600),8 (54$000), 6 (60$000),1 (70$000), 1 (74$000), 1 (74$400)2 (84$000), 1 (80$000), (86$000).

Figura 75: Exercício de reconstituição cartográfica - Fortaleza, 1875 - ocupação e perímetro urbano. Autora: Margarida Andrade. Mapa base: Planta da cidade da Fortaleza e Subúrbios, organizado por Adolpho Herbster, arquiteto da Camara Municipal, 1875.

Fonte: Planta da cidade de Fortaleza1859, 1875, 1945.

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FORTALEZA - 1875

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seis (60$000 réis).

A tabela 22 apresenta os imóveis mais valiosos, permitindo verificar quão espalhados estavam na cidade.

TABELA 22

Os Imóveis mais caros de Fortaleza em 1872

Logradouro Imóveis Valor do imposto (réis)

Praça da Misericórdia Propriedade União Cearense 240$000 Rua Amélia Propriedade Sociedade 16 julho 160$000 Rua da Palma Propriedade José Felix de Almeida 144$000 Praça da Assembléia 9 Propriedade Singlehurst & Compa 132$500

Rua da Palma 86 Propriedade do Barão de Aquiráz () 120$000 Rua Conde D´Eu 109 Propriedade Diogo José da Silva, herdeiros 120$000 Praça do Ferreira 2 Propriedade do Barão de Aquiráz () 100$000 Rua da Praia 13 Thelesphoro Caetano de Abreu 100$000 Rua da Praia 15 Thelesphoro Caetano de Abreu 100$000 Rua da Praia 43 Propriedade de Augusto Barbosa de Castro 96$000 Fonte: Décima Urbana de 1872

Em contrapartida, os imóveis mais baratos situavam-se nas extremidades do perímetro urbano. No boulevard Imperador, variavam entre 4$000rs–12$000rs; no boulevard do Livramento 4$000rs– 14$000rs; no boulevard da Conceição 10$000rs-14$000rs; no Outeiro da Prainha 6$000rs- 14$000rs; e no Outeiro dos Educandos 7$000rs-12$000rs.

As ruas relacionadas à zona portuária (rua da Alfândega, do Chafariz, da frente do mar, da Praia, a praça da Alfândega e as travessas Alfândega e Chafariz) possuem 112 imóveis. A rua da praia concentrava o maior número de armazéns: José Smith de Vasconcelos Hughe & Cia, Francisco Coelho da Fonseca & Filho J. U. Graf Cia; Luiz Ribeiro da Cunha & Sobrinho; Singlehurst & Cia; Kalkaman & Cia; Luis Sand & Cia; José Joaquim Carneiro; Joaquim da Cunha Freire & Irmão; Fonseca & Irmão; e Oriano & Irmão. A rua da alfândega conta com dois imóveis de José Smith de Vasconcelos Hughes e um da empresa Kalkmann & Cia. Na praça da alfândega, situam-se os armazéns de Antônio Severino de Vasconcelos & Irmão, Singlehurst & Cia e Kalkmann & Cia, além de oito tavernas. Dos proprietários registrados na zona portuária: José Joaquim Carneiro possuía 25 imóveis; Telésforo Caetano de Abreu, 11; Manoel Ferreira do Nascimento, 6; Singlehurst & Cia, 5388.

Focando a área formada pelas ruas Floriano Peixoto, Major Facundo, Barão do Rio Branco, Senador Pompeu, General Sampaio e 24 de Maio (Figura 76) analisou-se a dinâmica de transformação desse extrato do tecido urbano. Esta área passou por transformações em suas atividades produtivas, com a progressiva substituição das residências por edifícios vinculados ao setor terciário: lojas de fazendas, ferragens, livros, calçados, armazéns, fábricas de charutos e cigarros, tavernas, padarias, açougues,

hotéis, banco etc. De um total de 251 imóveis voltados para comércio varejista em 1872, 213389 388

Dois de uso próprio e três alugados.

389 Correspondendo 84,8%. CAPÍTULO 3 | O PAPEL DA INICIATIVA PRIVADA NA APROPRIAÇÃO E PRODUÇÃO MATERIAL DAS ÁREAS PLANEJADAS

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Figura 76: Exercício de reconstituição cartográfica - Fortaleza 1875: Recorte espacial na cidade de Fortaleza – usos, 1875. Autora: Margarida Andrade. Mapa base: Planta da cidade da Fortaleza capital da Província do Ceará levantada por Adolpho Herbster, Ex engo da provincia e Archo apozentado da Camara Municipal, 1888.