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Com base no estudo de fontes primárias de naturezas diversas – plantas, planos de expansão, códigos de posturas, censos, décimas urbanas etc. – arquitetou-se a hipótese de que, desde a sua eleição como capitania autonôma, a cidade de Fortaleza cresceu induzida por planos e normas de regulação urbanística elaborados pelo poder público, mas foi edificada pelas mãos da iniciativa privada. Coube ao poder público orquestrar o processo de apropriação e produção social dos espaços. A partir de 1933, observa-se mudança no processo. A cidade segue sendo transformada pelas mãos da iniciativa privada, no entanto, o poder público perde a capacidade de indução e condução. Sintoma disso é o fracasso de dois planos reguladores, o de 1933 e o de 1947.

Assim, a intenção é mostrar nesta tese um processo de longa duração a permanência de certas práticas de produção da cidade, a despeito das mudanças políticas. Entre 1810 e 1933, nota- se a presença marcante do poder público na indução do processo de transformação urbana de Fortaleza, tanto por intermédio dos planos de expansão (1850 e 1863), como por meio dos códigos de posturas que nortearam a volumetria e o zoneamento do conjunto. A especialização dos espaços (comércio e serviços na área central, residências nos novos bairros, fábricas e matadouro nas extremidades) foi fruto de políticas de zoneamento emanadas do poder publico. A área em torno da praça do Ferreira passou gradativamente por uma mudança de uso de predominantemente residencial para comercial induzida pela legislação vigente. A partir de 1933, verifica-se a falência do poder publico de orquestrar a expansão da cidade, seja através do “Plano de Remodelação e Extensão” elaborado pelo arquiteto Nestor de Figueiredo (1933), seja através do “Plano Diretor de Remodelação e Expansão de Fortaleza”, do engenheiro civil José Otacílio Saboia Ribeiro (1947). Desde então, sobressaem loteamentos capitaneados por indivíduos ou empresas, definindo a colcha de retalhos que caracteriza essas áreas de expansão da malha urbana até o presente.

No que diz respeito à iniciativa privada, buscou-se não tratá-la como categoria genérica, mas precisar os protagonistas vinculados à produção material da cidade, dando-lhes face, configurando perfis individuais e de grupo, e, sobretudo, quantificando e espacializando seus imóveis. Percebe- se que os maiores proprietários de imóveis urbanos eram negociantes (lusitanos, cearenses e estrangeiros) envolvidos com o comércio internacional.

metodoloGia

Materiais

Utilizam-se dois tipos de fontes - secundárias e primárias - para entender em perspectiva histórica a participação do poder público e da iniciativa privada na apropriação e produção material de Fortaleza. As fontes secundárias constituem-se basicamente de livros, teses, dissertações, artigos em periódicos, de memorialistas, cronistas, poetas, historiadores e arquitetos sobre o período pesquisado. Além dos estudos que balizaram nossa opção teórico-metodológica, todos já mencionados e analisados.

Optou-se nesta tese por cobrir um tempo longo, 1810 a 1933, a fim de perceber as transformações, observando alguns momentos de inflexão, o que levou a utilizar uma variada documentação primária.

A cartografia e a iconografia juntas, além de documentar a vida da cidade, propõem diferentes

leituras, aponta vínculos entre a sociedade civil, o Estado e o mercado. Evidenciando [...] as persistências e as mudanças da paisagem urbana (PASSOS, 2009:20). Fortaleza não possui um grande acervo documental gráfico como algumas capitais do país, o que se explica pela pouca importância da capital cearense na rede urbana brasileira até meados do século XIX. Mesmo assim, realizou-se um exercício de reconstituição gráfica com base na interpretação das series documentais com vistas a mostrar a dinâmica e os diferentes momentos e as várias escalas do processo. Para tanto, utilizou-se as seguintes plantas35:

a) Plano aproximado da Enseada da Fortaleza-181036, tirado pelo capitão de fragata Francisco

Antônio Marques Giraldes.

b) Plano hidrográfico da enseada da Vila N. S. da Assunção ou Porto do Ceará37. Encarte da

Carta Topográfica da Capitania do Ceará de 1812.

c) Planta do Porto da Villa da Fortaleza38. Detalhe da Carta Marítima e Geográfica da Capitania

do Ceará, levantada pelo ajudante de ordens Antônio José da Silva Paulet no ano de 1813. d) Planta da Villa da Fortaleza e seu Porto. Detalhe da Carta Marítima e Geográfica da Capitania

do Ceará, levantada pelo ajudante de ordens Antonio José da Silva Paulet em 1818. e) Planta da Villa da Fortaleza e seu Porto39. Detalhe da Carta Geográfica do Ceará, província

do Império do Brasil, redigida segundo uma carta manuscrita levantada em 1817 por Antônio da Silva Paulet e segundo as observações e as cartas marítimas de B. Roussin, por Schwarzmann e Martius, 1831.

f) Planta da cidade de Fortaleza (1850)40 ,organizada por Antônio Simões Ferreira de Daria.

Desenhada em escala reduzida por J. J. de Oliveira em 1883.

g) Planta da cidade de Fortaleza, levantada pelo padre Manuel do Rego Medeiros em 1856. h) Planta Exacta da Capital do Ceará (1859), levantada por Adolfo Herbster.

i) Plano de expansão da cidade de Fortaleza (1863), elaborado por Adolfo Herbster. j) Planta da cidade da Fortaleza e subúrbios (1875), elaborada por Adolfo Herbster.

k) Planta da cidade da Fortaleza capital da província do Ceará (1888), levantada por Adolfo Herbster.

l) Planta esquemática da cidade de Fortaleza de 1922.

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INTRODUÇÃO

35 Existem outras plantas portuárias que se apóiam em Adolfo

Herbster.

36 Cartas guardadas no Arquivo Histórico do Exercito/AHEx

(Casa da Memória do Exercito) com o número 014 e sob o numero 206 no Catálogo da Mapoteca da Diretoria do Serviço Geográfico do Exercito (DSGEx) ( CASTRO, Liberal de. Cartografia cearense no Arquivo Histórico do Exercito. Revista do Instituto Histórico do Ceara 09-79, 1997.

37 Catálogo da Mapoteca da DSGEX, no 206.

38 Faz parte do acervo da Mapoteca do Itamarati, no Rio de

Janeiro. Foi transcrita no livro de ADONIAS, Isa. Imagens da formação territorial brasileira. Rio de Janeiro, Fundação Emílio Odebrecht, 1993.

39 Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. 40 Arquivo Nacional do Rio de Janeiro.

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m) Planta da cidade de Fortaleza (1931-1932) levantada na administração Revolucionária. n) Levantamento aerofotogramétrico da cidade de Fortaleza, 1945 e 1972, elaborado pela

Prefeitura Municipal de Fortaleza.

Quanto ao acervo iconográfico, foram utilizados o - Álbum de Vistas do Ceará, editado pela Casa Boris em Nancy, no ano 1908, e o Álbum de Fortaleza de 1931. Ambos apresentam, além de belíssimas fotografias, informações sobre edificações comerciais, industriais e educacionais.

Uma das principais fontes de pesquisa deste trabalho são as Décimas Urbanas. Trata-se do primeiro imposto predial estabelecido para as cidades brasileiras, a partir de 1808, contendo a lista de todos os imóveis circunscritos no perímetro urbano. Persistindo na Primeira República, as listas contém informações importantes sobre a localização dos imóveis, as tipologias edilícias (casas térreas, sobrados), usos predominantes (residência, comércio ou uso misto), seus proprietários, e o estado de conservação (em ruína, se concluído ou em construção). Esses dados auxiliaram no exercício de reconstituição – planimétrica e volumétrica - do antigo tecido urbano de Fortaleza, bem como na caracterização do mercado imobiliário rentista então vigente e dos grandes proprietários de imóveis urbanos. Por meio dos jornais: Cearense41, Constituição42, A República43, foi possível ter

acesso às décimas urbanas de 1872, 1868 e 1911.

A legislação tem papel importante na configuração do espaço urbano. As posturas municipais de Fortaleza, existentes desde a primeira metade do século XIX (1835, 1868, 1870, 1879), demonstram uma preocupação com as questões de salubridade e o discurso técnico higienista. Outras providências foram aperfeiçoadas no Código de 1893, delimitando zonas exclusivas para casas de taipa e de palha44. O Regulamento da Diretoria Geral da Higiene45, de 1918, também

estabelece controle sobre habitação, principalmente das “casas de travessas”46, e proíbe a

implantação dos curtumes, fabricas de sabão e óleo, couro e sebo, salgadeiras, depósito de sal e borracha dentro do perímetro urbano. Com base nesse regulamento identifica-se a expansão urbana da cidade entre 1888 e 1932. Uma vez que não se tem acesso a uma cartográfica precisa, esse documento subsidiou na elaboração de hipóteses sobre a ocupação da cidade na década de 1920. Trabalhou-se, também, com o Código Municipal de Fortaleza (Decreto 70), de 1932, que possibilita uma analise da expansão urbana da cidade.

O anuário cearense, de 1912, descreve informações sobre o comércio, a indústria, as profissões, e traz um encarte com a planta da cidade, contendo a numeração dos lotes da zona mais comercial de Fortaleza, entre as ruas Major Facundo, Floriano Peixoto e Barão do Rio Branco. Esse documento foi determinante para orientar os exercícios gráficos de interpretação das plantas do século XIX. Outras fontes complementares foram utilizadas: os inventários sediados no Arquivo Público do Ceará, especialmente de comerciantes, capitalistas, firmas exportadoras e setores médios da população; os livros de notas de compra e venda, arrendamento e hipoteca de casas, chácaras e sítios em Fortaleza; os almanaques do ceará com a coleção de dados gerais sobre os atores sociais e aspectos de Fortaleza ao longo do tempo; o Censo de 1887, onde se encontra o arrolamento das freguesias de São José (Sé), com 7.040 habitantes e de Nossa Senhora do Patrocínio, com 12.241 moradores, totalizando 19.281 pessoas em 1887 em Fortaleza. Outros documentos funcionaram

INTRODUÇÃO

41 Esse jornal surgiu nos primeiros dias de 1825 e representava

o Partido Liberal. Faziam parte da secção gráfica Leandro de Barros Caminha, Manoel Beviláqua e Francisco Weyne Cambuti (NOBRE, Geraldo[1974].

42 Folha fundada em 24 de setembro de 1863, “surgida por efeito

de uma dissidência na agremiação comandada pela família Fernandes Vieira e desaparecida somente com a proclamação da República, em 1889”. (NOBRE, 2006:96)

43 Na mudança do regime, faz desaparecer “os jornais

representativos dos antigos partidos, ou assumindo novos títulos [...] como no caso deste jornal após a fusão com o “Libertador”

(NOBRE 2006:124). Circulou como o mais importante jornal do período de 1892-1912, correspondendo ao domínio da oligarquia do comendador Antonio Pinto Nogueira Acióli.

44 Jornal A República de 18.11.1893, artigo 2.

45 Regulamento da Diretoria Geral da Higiene foi aprovado pelo

decreto legislativo no1643, em 08 de novembro de 1918. art. 303.

como indicadores sobre comercio e a indústria na Capital: catálogo de publicidades de 1908 e o

cadastro das casas comerciais de 1922.

Métodos

A metodologia utilizada para alcançar os objetivos desta pesquisa foi amadurecida ao longo do processo, numa tarefa bastante árdua. Realizou-se uma série de exercícios de reconstituição gráfica, de análise e interpretação da dinâmica urbana em diferentes momentos, de acordo com os objetivos propostos e com a documentação disponível. Foram preparados sete mapas em AUTO CAD, quatro do século XIX (1813, 1859, 1875, 1888) e dois do século XX (1922, 1932).

Os exercícios de reconstituição cartográfica pautaram-se em informações coletadas em fontes primarias e secundárias, tornando-se importantes documentos de síntese que orientaram o conjunto das reflexões e hipóteses desta tese. Objetivou-se reconstituir sucessivos retratos das

vias, quadras, traçados e morfologias urbanas de Fortaleza, em diferentes momentos históricos,

representando as suas principais fases de desenvolvimento, pondo luz nos atores sociais que produziram e ocuparam os espaços ao longo do tempo. Optou-se por destacar o processo de mudanças no tecido urbano, especialmente na área central, focalizando o entorno da praça do Ferreira em que a parte permite entender a dinâmica do todo.

Para caracterizar a natureza especifica do tecido urbano de Fortaleza na segunda metade do século XIX, foram cotejadas as informações dos Livros da Décima Urbana (1872 e 1890) e as do Censo de 1887, obtendo-se desta maneira, a lista dos imóveis por proprietário, o valor total investido em imóvel urbano e seus respectivos endereços, permitindo caracterizar os principais atores sociais envolvidos na apropriação e produção material do espaço urbano da cidade. Processados estes dados, partiu-se para a reconstituição dos espaços intraurbanos – planimétrica e volumetricamente. Para a primeira metade do século XIX, como não se teve acesso a nenhuma Décima Urbana, recorreu-se aos memorialistas na reconfiguração do tecido urbano e tipos de ocupação. Para as questões relacionadas às transformações urbanas na área central de Fortaleza, a análise das Décimas Urbanas, Censo e Código Municipal de 1932 foi essencial para se identificar o processo de espacialização dos espaços e a verticalização na área central da cidade, principalmente em torno da praça do Ferreira.

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