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A concreção dos princípios constitucionais e as normas programáticas.

A ORDEM ECONÔMICA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL 2.1 A Ordem Econômica Constitucional e o Desenvolvimento Social 2.2.

2.3. A concreção dos princípios constitucionais e as normas programáticas.

A disciplina da ordem econômica é realizada por normas denominadas programáticas, ou seja, “normas constitucionais através das

quais o constituinte, em vez de regular, direta e imediatamente, determinados interesses, limitou-se a traçar-lhes os princípios para serem cumpridos pelos seus órgãos (legislativos, executivos, jurisdicionais e administrativos), como

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programas das respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais do Estado”.50

GILBERTO BERCOVICI menciona que a concepção das

normas programáticas teve grande importância, mas em forte crítica, conclui que sua aplicação prática foi decepcionante.

“Norma programática passou a ser sinônimo de norma que não tem qualquer valor concreto, contrariando as intenções de seus divulgadores. Toda norma incômoda passou a ser classificada como ‘programática’, bloqueando, na prática, a efetividade da Constituição e, especialmente, da Constituição Econômica e dos direitos sociais.”51

A adoção extremada, formal e teórica do texto constitucional, implica num instrumentalismo no qual acredita-se que é possível mudar a sociedade, transformar a realidade apenas com dispositivos constitucionais.

Assim, a concretização dos direitos sociais ou, ainda, dos princípios da ordem econômica dependem de ações do Estado, que muito pouco realizam, escondidos no instrumentalismo de uma Constituição dirigente.

A fixação no instrumentalismo constitucional, segundo BERCOVICI, geram a ignorância do Estado e da política, asseverando que “a

Teoria da Constituição Dirigente é uma Teoria da Constituição sem Teoria do

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José Afonso da Silva, Aplicabilidade das Normas Constitucionais, p. 138.

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Gilberto Bercovici, Constituição Econômica e Desenvolvimento – uma leitura a partir da

Estado e sem política. E é justamente por meio da política e do Estado que a constituição vai ser concretizada.”52

Mesmo os doutrinadores quem vêem nos dispositivos constitucionais que tratam da propriedade, normas programáticas, reconhece, entretanto, que ao juiz e ao administrador é facultado realizar a concreção dessa norma, no exercício do poder-dever de integrar a ordem jurídica, produzindo para o caso concreto a norma faltante.

“É preciso lembrar que as normas programáticas não se reduzem a traçar um programa de ação, mas têm força jurídica vinculante imediata. Não podem servir de desculpa para o administrador ou para o juiz para deixar de cumprir as imposições contidas na Constituição.”53

Para ilustrar o mencionado poder-dever, citamos como exemplo, decisão proferida pela Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em julgamento de recurso de apelação em ação civil pública movida pela Associação de Defesa e Orientação do Cidadão em face da União Federal e do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, pleiteando que os fabricantes de bebidas alcoólicas fossem obrigados a fazer constar nos rótulos de seus produtos e em todas as publicidades por eles patrocinadas, a advertência “O álcool pode causar dependência e em excesso é prejudicial à saúde”. Uma vez não implementada a adequada política pública na defesa do interesse à saúde, sentiu-se o judiciário gaúcho

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Grifos nossos. Gilberto Bercovici, Constituição Econômica e Desenvolvimento – uma leitura a partir

da Constituição de 1988, p. 41. 53

legitimado a condenar a União a exigir a ação pleiteada, assim argumentando:

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO DO CONSUMIDOR. CORRETA INFORMAÇÃO ACERCA DOS RISCOS E POTENCIAIS DANOS QUE O CONSUMO DE BEBIDAS ALCOÓLICAS CAUSA À SAÚDE. INSCRIÇÃO NECESSÁRIA NOS RÓTULOS DE BEBIDAS ALCOÓLICAS.

1. É possível e exigível do Judiciário, impor determinada conduta ao fornecedor, sem que esta esteja expressamente prevista em lei, desde que afinada com as políticas públicas diretamente decorrentes do texto constitucional e do princípio da plena informação ao consumidor (art. 6º, II, III e IV, da Lei 8.078/90, pois traduz-se em dever do Estado, do qual o Judiciário é poder, de acordo com o art. 196 da Constituição.”

Também de forma individual, os direitos sociais são exigidos. Existem instrumentos processuais para defesa de um direito social e são perfeitamente concebíveis quando exercidos pelo indivíduo em relação ao Estado.54 Exemplos são pleitos voltados para garantir vagas em escolas,

serviço hospitalar, fornecimento de medicamentos, etc..

Outra crítica repousa na questão relativa ao Judiciário, como parte desse Estado Garantidor ou Estado Provedor, na medida em que

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José Reinaldo de Lima Lopes, assim ensina:

“As garantias dos direitos sociais podem, por isso, ser efetivadas hoje por alguns caminhos que variam em natureza: quando se falar em direito público subjetivo o cidadão está habilitado, creio, a exigir do Estado seja a prestação direta, seja a indenização; quando se tratar de garantia real os caminhos serão: por meio do Ministério Público (art. 129 da Constituição Federal), promover a responsabilidade de autoridades que não estejam dando andamento a políticas e ações já definidas em lei (orçamentárias e programas) e regulamentos ou atos administrativos; as leis orçamentárias, incluídos os orçamentos da previdência social, poderão ser impugnadas por ação direta de inconstitucionalidade (art. 102, I) toda vez que contrariarem dispositivos constitucionais, como o artigo 201, e seus parágrafos, ou o artigo 212, e sua respectiva hierarquia (lei complementar referida no art. 163 da Constituição Federal, plano plurianual, lei de diretrizes orçamentárias, orçamento anual); responsabilização do Presidente da República especialmente no caso do artigo 85, VI, e do artigo 167, § 1º.”., Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça, p. 137.

está autorizado a efetivar os princípios constitucionais, em especial aqueles que dizem respeito aos direitos sociais como um todo. Alguns fatores, como uma certa hesitação do Judiciário diante de situações que não sejam rotineiras e a inaptidão ou incapacidade do Judiciário para assegurar a efetivação dos direitos sociais, segundo critica JOSÉ EDUARDO FARIA, gera, na

prática, uma conivência com a sua violação.55

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CAPÍTULO III