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Os benefícios da Responsabilidade Social Empresarial e o seu abuso.

RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL

5.10. Os benefícios da Responsabilidade Social Empresarial e o seu abuso.

Diversos são os indicadores de que práticas sociais aumentam o resultado financeiro da companhia, seja em razão do aprimoramento do processo produtivo em especial com respeito a finalidade dada aos resíduos poluentes215, seja em razão da contribuição para a boa

imagem organizacional.

MARTINELLI aponta os ganhos com a prática da cidadania

empresarial, esclarecendo que tendo por prioridade o social, alguns programas podem ter por subprodutos dessa ação: (a) valor agregado à imagem da empresa, capaz de influenciar comportamentos de fidelidade das marcas – “a empresa transcendeu o interesse apenas pelo seu consumidor

para entrar em sintonia com as necessidades da própria sociedade”; (b) nova

fonte de motivação e escola de liderança para os funcionários – “estimuladas

214

Ibidem, p. 42.

215

Rachel elucida essa assertiva:

“Cuidados com proteção ambiental, impostos pela legislação ou voluntários, implica incorrer custos aparentes, expressos, e implícitos, sem retorno garantido. Por que, então, optar por essas práticas? A resposta é que há indícios de que, em muitas atividades, a redução voluntária na emissão de poluentes aumenta o resultado financeiro.

Além disso, cuidados na redução de poluentes alterando o processo produtivo, tendem a reduzir custos de armazenamento de lixo industrial e, se os consumidores forem conscientes, há aumento da demanda por produtos “verdes” ou ecologicamente corretos. A confirmar-se tal tendência é de supor que as empresas que mantenham tais práticas acabarão por granjear reputação que se fará representar no aumento de vendas e lucros.

(...)

Em Santa Catarina, empresas que investiram em programas de conservação ambiental, observaram economia no uso de água por produto fabricado. O sub-produto do programa ambiental pode ser comprovado em outras empresas e diferentes atividades.”

em seu papel de cidadãs e engajadas em programas consistentes, as pessoas apresentam um rendimento pessoal surpreendente, com reflexos favoráveis para outros papéis, como o profissional, familiar e pessoal”; (c) consciência

coletiva interna (espírito de equipe); e, (d) mobilização de recursos disponíveis da empresa, sem necessariamente implicar em custos adicionais.216

Para MARTINELLI deve haver uma linha divisória entre o

comercial e o social. Recursos mobilizados para causas sociais não devem compor os custos dos produtos, e sim devem proceder da livre determinação do acionista.

Práticas comerciais (marketing, promoção, publicidade) são práticas que permitem o aumento das vendas e fixam a imagem. Os custos dessas práticas são incorporados aos preços dos produtos e serviços. Essa distinção, reforça MARTINELLI permite avaliar a real motivação de certas

iniciativas empresariais no campo social. Não pode haver uma inversão do objetivo, fazendo uso do social com objetivo econômico. E por fim, alerta que

“as causas sociais tendem a se transformar em um ‘atraente mercado’.” 217

Esse benefício também é reconhecido por RACHEL:

“Os empresários descobriram a estreita ligação que há entre demonstrar responsabilidade social e resultados financeiros, entre atender a expectativas dos empregados, comunidade local e lealdade ao empregador e aos produtos e serviços oferecidos no mercado. Que maximizar o retorno dos acionistas depende, agora, de

216

Terceiro Setor – Temas polêmicos, p. 81. 217

manter políticas que demonstrem a inserção real da empresa na comunidade.”218

Também as entidades empresariais, tais como FIESP - Federação das Indústrias do Estado de São Paulo e CNI – Confederação Nacional da Indústria, conclamam a adoção da responsabilidade social como ferramenta de gestão, apontando os benefícios gerados.

A FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, através do seu Conselho Superior de Responsabilidade Social desenvolveu uma agenda intitulada Programa Sou Legal tendo em vista a descoberta da necessidade de mostrar ao industrial paulista como aliar a busca pela competitividade, inserção internacional, crescimento e lucro, à construção do bem comum, contribuindo para o desenvolvimento social, econômico e ambientalmente sustentável. A FIESP aponta as formas como a empresa pode “obter lucro com a Responsabilidade Social Empresarial”.

Consta da apresentação do Programa Sou Legal:

“Adotando uma estratégia de desenvolvimento, crescimento e qualidade de vida para os seus colaboradores e familiares, o industrial estará investindo no ser humano, que responderá com motivação e criatividade, resultando na melhora da qualidade de seus produtos, diminuição dos tempos de fabricação, na eliminação dos desperdícios e na criação de técnicas e métodos inovadores. O retorno é rápido e garante o aumento da produtividade e da competitividade. Porém, o maior lucro auferido pelo exercício da Responsabilidade Social Empresarial é a construção do patrimônio ético da

218

industria, que confere ao industrial credibilidade, respeitabilidade, dentro e fora de sua comunidade. Influi positivamente no fechamento de negócios, na obtenção de financiamentos públicos e privados, no estabelecimento de parcerias e granjeia influência junto ao Executivo e Legislativo de seu município, Estado e até mesmo da Federação, podendo ainda influenciar na adoção de políticas públicas, nas áreas social e econômica.”219

No âmbito da CNI temos o CORES – Conselho Temático Permanente de Responsabilidade Social, cujo papel e missão é velar pela convergência entre o econômico e o social, como requisito básico e imprescindível para o crescimento sustentado do país e para a construção de uma autêntica democracia, segundo o seu presidente – Armando Monteiro Neto.

Na concepção da CNI a responsabilidade social é de um movimento voluntário que tem crescido espontaneamente por força do mercado, pois o comprometimento das empresas tem se consolidado como importante diferencial competitivo. As empresas não querem mais ser vistas como ausentes em questões sociais e sim como instituições que têm responsabilidade e missão social.

Conforme informa a consultora Sandra Guerra, também os bancos melhoraram a avaliação do risco de crédito de empresas

219

comprometidas com o meio ambiente, projetos sociais e gestão moderna do trabalho.220

Numa das primeiras análises sobre o tema, se constata o reflexo das ações sociais na imagem das empresas. RACHEL aponta que a

opinião pública tem se manifestado sobre ações empresariais relacionadas com o bem-estar das pessoas, declarações essas que “encontram eco na

população que demonstra sinais de preferência pelas designadas “marcas do bem”221, ou seja, busca privilegiar produtos cujos fabricantes possam, de

algum modo, ser ligados a ações no plano social.”222 (pág. 38).

Além de informar à comunidade a adoção pela empresa de uma política de administração também dedicada ao bem-estar social, por intermédio da associação da marca ou do produto com certa ação social, o empresário pode informar que o processo produtivo adotado não agride o meio ambiente, não utiliza trabalho escravo, etc.

“Marketing Social é uma ferramenta democrática e eficiente, que aplica os princípios e instrumentos de marketing, de modo a criar e outorgar um maior valor à proposta social. O marketing social redescobre o

220

Em busca da eficiência social. Revista Indústria Brasileira. CNI. Ano 5. nº 59. janeiro 2006. p. 21.

221

Sobre a escolha da marca pelo consumidor guiado pela causa social, ver pesquisa elaborada por Marina Costa Cruz Peixoto – Responsabilidade Social e Impacto no Comportamento do Consumidor: Estudo de caso da Indústria de Refrigerantes. Incluída a análise de qual público e em que montante estaria disposto a pagar mais por um produto por uma causa social. Também a demanda por produtos “politicamente corretos” está tratada em matéria publicada na Revista Veja de 9 de novembro de 2005, sob o título de O Salto do Comércio Justo.

222

E exemplifica: “Exemplo da idéia de marcar o produto com alguma ação voltada para a

comunidade é a informação encontrada em muitas áreas verdes da cidade que são conservadas por uma certa sociedade; outra forma, eventual, é a propaganda do guaraná Antártica durante o mês de dezembro de 1998, em que prometeu doar parte do preço de venda do refrigerante a uma instituição mantenedora de crianças carentes. Outra, ainda, aquela da cadeia McDonald’s que, periodicamente, transfere o resultado de um dia de vendas para alguma instituição que cuide de necessitados ou enfermos.” Ibidem, p. 41.

consumidor por meio do diálogo interativo, o que gera condições para que construa o processo de reflexão, participação e mudança social.”223

Quando há um desvirtuamento da motivação para a prática de ações socialmente responsável, ou quando o social passa a ter o objetivo puramente econômico, com resultados obtidos através das ferramentas de marketing224 de retorno econômico para a imagem da

empresa, começamos a vislumbrar o abuso que deve ser coibido. GUILHERME AFIF DOMINGOS225reclama que:

“É preciso, porém, que não se transforme a “responsabilidade social da empresa” num modismo, em estratégia de marketing destituída de conteúdo ou numa atuação destinada a projetar seus dirigentes na mídia, o que pode comprometer a sobrevivência da empresa.”

Um dos primeiros cuidados com o uso dessa ferramenta deve se observar quando qualifica-se de responsabilidade social o que é uma responsabilidade legal. O que pode-se admitir que o atendimento às leis seja uma expectativa da sociedade, incorreto é a utilização única e tão somente desse dever legal para promover “marketing social”.

223

Atucha apud Schiavo, M.. Conceito e Evolução do Marketing Social. Revista Conjuntura Social, São Paulo, nº 1, p. 25-29, março/1999.

224

As empresas já vislumbram nesse ferramental, não só um modo de influenciar positivamente o consumidor, como também um modo de neutralizar a opinião negativa quanto a empresa. Conforme explica o Presidente do Conselho Nacional de Responsabilidade Social da CNI, “uma pessoa

sensibilizada pelo trabalho da responsabilidade social de uma empresa tem a capacidade de influenciar a opinião de outros seis ou sete indivíduos. Mas a opinião negativa formada a partir de práticas nocivas de uma empresa tem a capacidade de se difundir e influenciar outras 20 pessoas.”

Em busca da eficiência social. Revista Indústria Brasileira. CNI. Ano 5. nº 59. janeiro 2006, p. 21.

225

Essa expressão “marketing social” é criticada por ANTÔNIO CARLOS MARTINELLI, assim como a sua própria prática, entendendo

que a real motivação da prática social das empresas deve visar o bem comum e não em interesse próprio.

O diretor-presidente do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente, Helio Mattar, ao detalhar pesquisa do Instituto Akatu que ouviu os consumidores brasileiros em que se constatou como primeiro item negativo na visão do consumidor, é a percepção de que a empresa faz propaganda enganosa, ainda que a institucional, afirma que:

“Sem consistência ética, o consumidor perceberá que as ações sociais são ’puro marketing’, isto é, têm apenas o objetivo de mostrar o lado bom da empresa.” (...) “O consumidor quer uma empresa socialmente responsável para ‘fora’ e para ‘dentro’.” 226

A pesquisa citada tem por objeto os valores fixados pelos parceiros da empresa, em especial os oriundos da moral.

Mas mensurar esses benefícios trazidos pelo investimento social também não é tarefa fácil. Essa questão importante na avaliação do móvel das empresas para a ação social, já foi analisada por RACHEL em 1999, quando muito bem explicitou a problemática em se saber

como avaliar o “preço” (custo) dos investimentos sociais, oportunidade em que focou a conservação ambiental e sua influência nas escolhas das empresas.

226

“Claro que, das questões que se põem nesse tipo de estratégia, voltadas não apenas para a avaliação atual das empresas, mas também para o benefício que possa garantir para as futuras gerações, está presa ao retorno do investimento, portanto, a saber se o “preço” do “investimento” é justo, pois parte dele poderá recair sobre as futuras gerações que se visa tutelar.”227

A autora, chama a atenção ainda de que essa análise econômica pode ser vista pelo Direito como uma imperfeição do mercado, que ainda não abarcou um “mercado” no caso de bens ambientais, ou seja não há valoração dos recursos ambientais que suporte o investimento financeiro.

Em especial com questões ambientais concordamos com a doutrinadora citada, destacando que pela ausência de valoração, o empresário não amadureceu a problemática. Todavia, e novamente quanto ao meio ambiente, os debates vêm se intensificando – vide as constantes Conferências das partes signatárias de convenções internacionais sobre o meio ambiente - e ao nosso ver ganhando novos contornos.

Outro item merece atenção quanto ao limite das ações de

marketing. Segundo ressalta a Comissão do Terceiro Setor, ações de marketing não são investimentos sociais privados.

“investimento social privado é o repasse voluntário de recursos privados de forma planejada, monitorada e sistemática para projetos sociais, ambientais e culturais

227

E complementa a dificuldade: “A dúvida é saber se as gerações futuras, potenciais beneficiárias

das ações, avaliá-las-ão da mesma forma quanto aos esforços dispendidos, ou seja, se a alocação de recursos de hoje será igualmente avaliada como Pareto eficiente ou Kaldor-Hicks desejável futuramente.” A responsabilidade social das companhias, p. 39-40.

de interesse público. Incluem-se neste universo as ações sociais protagonizadas por empresas, fundações e institutos de origem empresarial ou instituídos por famílias ou indivíduos.”228

Ou seja, as empresas não podem ter motivador de um investimento social, a utilização de estratégias de marketing que lhe favoreçam, haja vista que quem deve ganhar com investimento social privado é a comunidade e não o investidor – empresa. Reverter recursos destinados às ações sociais para as ações de marketing implicam em investir em interesses próprios.

“o investimento social está incluído na agenda da responsabilidade social empresarial, ou seja, o investimento social diz respeito à relação da organização empresarial com o stakeholder ‘comunidade’, envolvendo o repasse de recursos privados para fins públicos, tendo como beneficiário principal a comunidade em suas diversas formas (conselhos comunitários, organizações não governamentais, associações comunitárias etc). Ressalte-se , que o investimento social privado também beneficia a própria organização empresarial, uma vez que ele integra a agenda da responsabilidade social empresarial. Já com relação às práticas envolvendo os outros stakeholders (os acionistas, os funcionários, os prestadores de serviços, os fornecedores, os consumidores, o meio ambiente, o governo), a organização empresarial utiliza recursos privados para fins privados, sendo ela a beneficiária principal, uma vez que as práticas de responsabilidade social objetivam contribuir para que as empresas alcancem excelência e

228

sustentabilidade em seus negócios através da ética no mercado.”229

Coibir o uso inadequado da ferramenta marketing social é preciso, devendo, quando cabível aplicar-se o Código de Defesa do Consumidor para obstar propagandas abusivas com respeito à imagem institucional.

Por outro lado, o fato de que a empresa adotar diversas ações voluntárias, mas ser fabricante de produtos “desaprovados” não pode obstá-lo de beneficiar-se com as ações socialmente responsável, sob pena de, além de ferir o princípio da isonomia, também desestimular ações importantes.

Algumas entidades, ditas representativas da sociedade civil, se voltaram recentemente contra a inclusão, no Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da Bolsa de Valores de São Paulo (BOVESPA), de empresas como a Souza Cruz, Ambev e Taurus, por entenderem que as mesmas “geram problemas para a sociedade”. Assim não atendem a critérios de bem-estar social.230

Lamentável distorção. Ora, se tais empresas ou seus produtos geram problemas para a sociedade devem ser fechadas. Se em funcionamento é porque produzem produtos lícitos e de acordo com a regulamentação técnica, respeitando as normas tributárias, ou seja, estão sujeitas ao controle estatal e cumpridora de suas obrigações legais como

229

Rodrigo Mendes Pereira. In Responsabilidade Social: Uma Atitude a ser adotada pelos indivíduos e pelas empresas. www.oabsp.org.br.

230

Conforme consta de matéria publicada na Revista do IDEC. Fevereiro de 2006. São Paulo, p. 40/41. Investimento (um pouco) mais responsável.

qualquer outra, ainda que esses produtos desagradem à parte da sociedade231.

Se tais produtos ainda são ofertados – não que aqui concordemos ou não com fumo, bebida alcoólica ou armas – é porque assim deseja a maior parte da sociedade. Fato esse comprovado pelo recente plebiscito sobre desarmamento. Por mais que se deva buscar a concreção de princípios fundamentais da Constituição, tais como, função social ou solidariedade, preserva-se ainda o princípio da liberdade dos indivíduos – o que inclui a possibilidade de escolha. Ora, nesses casos as ações socialmente responsáveis dizem respeito a algo fora do negócio – que não tem nada de ilícito.

O princípio constitucional da liberdade está acolhido também pelo princípio da dignidade humana que deve ser preservado antes mesmo dos direitos sociais.

FRANCIS DELPÉRÉE, comenta o direito de decisão

contemplado pelo conceito de dignidade humana:

“O conceito de dignidade humana repousa na base de todos os direitos fundamentais (civis, políticos ou sociais). Consagra assim a Constituição em favor do homem, um direito de resistência. Cada indivíduo possui uma capacidade de liberdade. Ele está em condições de orientar a sua própria vida. Ele é por si só depositário e responsável do sentido de sua existência. Certamente, na prática, ele suporta, como qualquer um, pressões e influências. No entanto, nenhuma autoridade tem o direito

231

Felizmente o mesmo artigo noticia que Ricardo Nogueira – superintendente de operações da Bovespa, “afirma que as empresas ‘nocivas’ podem ter atividades compensatórias, e não fala em

de lhe impor, por meio de constrangimento, o sentido que ele espera dar a sua existência. O respeito a si mesmo, ao qual tem direito todo homem, implica que a vida que ele leva dependa de uma decisão de sua consciência e não uma autoridade exterior, seja ela benevolente e paternalista.”232

Não se pode querer demonizar esse ou aquele setor em razão da atividade produtiva lícita que exerce. Para a sustentabilidade social é imprescindível a atividade produtiva. O que se busca é que essa atividade produtiva possa gerar benefícios também para a coletividade.