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CAPÍTULO III FUNÇÃO SOCIAL

3.3. Função Social e Lucro

O poder-dever de perseguir o bem-estar social, imposto pela função social da empresa, vem sendo paulatinamente exercido pelas companhias, mas saltam aos olhos, especialmente dos juristas, duas complexidades66: compatibilização da função social com o lucro; e a (in)

segurança jurídica ante a cláusula geral – função social.

A primeira diz respeito a possibilidade de compatibilizar a essa teoria da função social das empresas com o seu objeto, qual seja, obtenção de lucro.

Antes de cotizar a função social com o lucro, vale enfatizar que o objetivo da empresa é obter lucros. Ou seja, a idéia da busca do lucro na atividade empresarial é tomada como conduta finalista, embora alguns doutrinadores entendam que pode existir uma atividade empresarial cujos objetivos primordiais não sejam o lucro imediato.

Nesse sentido, OSCAR BARRETO FILHO, defende que

“muitos autores caracterizam a empresa privada como tendo por finalidade específica o lucro, o que não afigura correto. Esta conceituação está superada, porque o lucro é antes um resultado da atividade empresarial, e não uma finalidade em si. Decorre o lucro da diferença entre rendimento auferido em determinado período e as despesas oriundas dos fatores produtivos na realização

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Sem falar, como lembrou Marcos Alberto Sant’Anna Bitelli, no temor de que venha “a teoria da

função social da empresa ficar adstrita apenas àqueles pequenos mais facilmente tangíveis e, ao mesmo tempo, servir de discurso para os Estados descuidarem do trato dos assuntos sociais, como se estes não fossem mais a razão de sua existência.” Temas Atuais de Direito Civil na Constituição Federal, p. 239.

do processo econômico da criação de bens ou prestação de serviços... O lucro constitui índice de vitalidade e condição de eficiência e não uma característica inerente à empresa. O espírito do lucro pode ser móvel psicológico do empresário, não porém a finalidade da própria empresa.”67

Outrossim, adotando-se a primeira posição, vê-se que essa finalidade está contemplada em lei. Tomando como exemplo a sociedade anônima, lembra o Professor COMPARATO que “a companhia não poderá,

jamais, renunciar à sua finalidade lucrativa (art. 2º), ainda que todos os acionistas renunciem solenemente a receber dividendos e sejam movidos pelo mais elevado intuito altruístico, ou pela intenção de participar de alguma campanha pública de auxílio social”. Acrescenta, ainda, que o não

atendimento da finalidade lucrativa autoriza a dissolução judicial de uma companhia (art. 206, II, b, da Lei nº 6.404). 68

Para CELSO RIBEIRO BASTOS, não existe incompatibilidade

entre a fruição individual da propriedade – no caso da empresa representada pela busca do lucro – e o atingimento dos fins sociais.

Explica BASTOS que “o cerne do nosso sistema jurídico-

político repousa no fato de que não há uma oposição irrefragável entre o social e o individual ou mesmo de que o social avança na medida em que se sufocam os direitos individuais. A feição ainda predominantemente liberal da nossa Constituição acredita que há uma maximização do atingimento dos interesses

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A dignidade do direito mercantil. p. 18.

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sociais pelo exercício normal dos direitos individuais”69, concluindo que “há

uma perfeita sintonia entre a fruição individual do bem e o atingimento da sua função social”.70

BASTOS, entretanto, vê a utilização personalista e egoísta

da propriedade pelo seu titular, como um abuso do direito de propriedade que o sujeita as restrições desta propriedade na forma da Constituição. Esse abuso ou deformidade é coibido pela ordem jurídica, pela função social. Assim, “a chamada função social da propriedade nada mais é do que o

conjunto de normas da Constituição que visa, por vezes até com medidas de grande gravidade jurídica, a recolocar a propriedade na sua trilha normal.”71

No mesmo sentido, para BRUNA, o exercício da atividade

econômica contrário à sua finalidade social é caracterizado quando há um abuso nesse exercício. SÉRGIO VARELLA BRUNA72 através dos institutos do

“abuso de direito” e do “desvio de finalidade” ou “desvio de poder” chega ao conceito de “abuso do poder econômico”. Nesse trabalho o citado autor mostra a controvérsia de alguns doutrinadores com relação ao direito de possuir uma finalidade social, que quando não observada e em desconformidade com o equilíbrio dos interesses juridicamente protegidos, deixa o ato de ser lícito, tornando-o reprovável. A manutenção desse equilíbrio compete ao Estado.

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Observa-se aqui, que o mencionado doutrinador, refere-se a exercício normal do direito individual. No presente caso, o direito de propriedade dos bens de produção teria seu exercício normal com a produção suficiente para atender ao seu mercado. Celso Bastos, assim justifica:

“Sem produção abundante não há bem-estar social, mesmo porque todos os planos que interessam mais diretamente à qualidade de vida do cidadão dependem de grandes somas de dinheiro para implementação: desenvolvimento da educação, da saúde, da habitação, da ecologia...” Curso de Direito Constitucional, p. 212. 70 Ibidem, p. 209/210. 71 Ibidem, pág. 210. 72

Ao contrário, JOSÉ AFONSO DA SILVA não acredita na

possibilidade de conciliar o modelo capitalista com o objetivo social, asseverando que “a história mostra que a injustiça é inerente ao modo de

produção capitalista, mormente do capitalismo periférico”73. O sistema econômico da propriedade privada dos meios de produção é basicamente capitalista, “que a vigente Constituição tenta civilizar, buscando criar, no

mínimo, um capitalismo social, se é que isso seja possível, por meio da estruturação de um ordem social intensamente preocupada com a justiça social e a dignidade da pessoa humana.”74

SERGIO VARELLA BRUNA faz forte crítica ao exercício da

atividade econômica com vistas ao lucro, denominando tal agir de usurpação

da renda social.

“Seu exercício, portanto, não deve ser pautado

exclusivamente por interesses de cunho egoísta, já que, como visto, a maximização de lucros a que tais interesses conduzem é forma de usurpação da renda social, verdadeiro obstáculo à consecução do ideal de justiça social, que somente se realiza mediante distribuição eqüitativa de riqueza.”75