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Solidariedade como Valor.

SOLIDARIEDADE SOCIAL

4.1. Solidariedade como Valor.

4.3. A imposição da solidariedade.

4.1. Solidariedade como Valor.

Observando-se as diversas situações a que se depara hoje, o homem, fixa-se, mais uma vez, a atenção à dignidade humana, devendo ser destacado que o interesse geral do ser humano não requer apenas respeito e isenção, como também requer ação – conforme o dever constitucional de solidariedade – cuja aplicação direta é o dever de socorro, sancionado também penalmente.

Em trabalho sobre os Direitos Humanos e as Relações

Jurídicas Privadas, GUSTAVO TEPEDINO recorda diversos casos de conflito entre a cláusula geral da tutela da dignidade da pessoa humana e a atividade econômica asseverando que é possível “aduzir que as pressões do

mercado, especialmente intensas na atividade econômica privada, podem favorecer uma conspícua violação à dignidade da pessoa humana, reclamando por isso mesmo um controle social com fundamento nos valores constitucionais.”88

A solidariedade sempre esteve presente em contextos históricos em que de tentou explicar a relação entre Estado e o indivíduo, ganhando diversas conotações até chegar ao status de princípio constitucional.

Segundo a doutrina de FRANCESCO LUCARELLI89, a

solidariedade deveria constituir campo experimental para um juízo de responsabilidade subjetiva e social, qualificando os deveres do indivíduo para com a sociedade e, correlativamente, as obrigações do Estado no confronto dos componentes do núcleo organizado.

RICARDO LOBO TORRES90, chama a atenção para que a solidariedade por ser visualizada ao mesmo tempo como valor ético e jurídico e como princípio positivado, mas é sobretudo uma obrigação moral ou um dever jurídico.

88

Temas de Direito Civil, p. 66. E justifica o reclamo:

“A Constituição da República, ponto de equilíbrio entre as diversas forças políticas nacionais, oferece parâmetros para o exercício do necessário controle da atividade econômica privada. Seja por seu caráter compromissório, seja pela maior estabilidade do processo legislativo necessário à sua revisão, seja por sua posição hierárquica no ordenamento jurídico, deve ser utilizada sem qualquer cerimônia pelo operador, aproveitando-se da opção do constituinte pela intervenção nos institutos do direito civil, como propriedade, família, atividade empresarial, relações de consumo.”

89

Solidarietá e Autonomia Privata, Napoli, Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene, 1970. 90

O citado autor, recorda que a solidariedade é valor fundante do Estado de Direito, sendo que “a reaproximação entre ética e

Direito nas últimas décadas trouxe, entre as suas inúmeras conseqüências, a recuperação da idéia de solidariedade, que o liberalismo do século XIX e de boa parte do século XX abandonara.”91

Essa retomada da idéia de solidariedade ganha vulto com a afirmação da então qualificada pelo Professor português JOSÉ CASALTA

NABAIS de “quarta geração de direitos fundamentais, constituída justamente

pelos designados ‘direitos ecológicos’ ou ‘direitos de solidariedade’”,

considerado esse último em sentido amplo que cobre também direitos da terceira geração ou direitos sociais.92

Em elucidativo trabalho, o doutrinador português, traduz em que consiste a cidadania – na medida em que lhe são ou não conferidos os direitos sociais – a fim de incluí-la nos deveres que a solidariedade deve suportar.

Para tanto, em apertada síntese, podemos dizer que o Professor, para a compreensão do sentido e alcance da idéia de solidariedade, refere-se às seguintes distinções93: (a) solidariedade dos

antigos e solidariedade dos modernos, a primeira tida como virtude indispensável na relação com os outros e a segunda como um “princípio

jurídico e político cuja realização passa quer pela comunidade estadual, seja enquanto comunidade política, seja enquanto comunidade social, quer pela

91

Idem, p. 198.

92

Solidariedade Social e Tributação, p. 111. 93

sociedade civil ou comunidade cívica”94; (b) solidariedade mutualista e solidariedade altruísta, sendo essa última aquela em que “a ação solidária se

apresenta como uma dádiva, segundo uma regra de gratuidade, isto é, sem esperar qualquer contrapartida da parte dos beneficiários da atividade solidária”95 diferente daquela que era sustentada pela intenção de criar riqueza comum; e, (c) solidariedade vertical e solidariedade horizontal, sendo que na primeira a responsabilidade é do Estado de garantir aos membros da comunidade um adequado nível de realização dos direitos sociais, enquanto que na horizontal se caracteriza pelo voluntariado social “em que o Estado

convoca a colaboração economicamente desinteressada dos indivíduos e grupos sociais, mobilizando-a para a realização daqueles direitos sociais ou dos direitos sociais daqueles destinatários relativamente aos quais a atuação estatal, ou mais amplamente a atuação de carácter institucional, não está em condições de satisfazer”96, como no nosso contexto vislumbramos o Programa Fome Zero, v.g..

O autor em questão coroa essa parte do seu trabalho, destacando com respeito à cidadania, com os fenômenos da sobrecidadania e da subcidadania, além das múltiplas e variadas formas de descidadania configurada pela insuficiência ou ausência da capacidade de exercício da cidadania, e que concebe como formas de exclusão social.

Nesse brilhante estudo de solidariedade e cidadania, o autor conclui pela existência de importantes relações entre a solidariedade social e a cidadania, a que condensa em cidadania solidária “em que o 94 Ibidem, p. 113. 95 Ibidem, p. 114. 96 Ibidem, p. 117.

cidadão assume um novo papel, tomando consciência de que o seu protagonismo ativo na vida pública já se não basta com o controle do exercício dos poderes. Antes também passa pela assunção de encargos, responsabilidades e deveres que derivam dessa mesma vida pública e que não podem ser encarados como tarefa exclusivamente estadual”.97

Válida é, ainda, a transcrição da análise do termo

solidariedade feita por MARCIANO SEABRA DE GODOI, que também distingue solidariedade de fraternidade98, embora afins, na medida em que essa última

possa envolver uma dose maior de afeto, de pessoalidade ou de comunhão.

“O termo solidariedade, apesar de plurívoco, aponta

sempre para a idéia de união, de ligação entre as partes de um todo. Etimologicamente, solidariedade remonta a termos latinos que indicam a condição de sólido, inteiro,

pleno. A solidariedade une ou integra duas ou mais

pessoas no seio de uma mesma obrigação jurídica (donde devedores ou credores solidários), no seio de uma mesma condição ou grupo social (por exemplo, a solidariedade entre os trabalhadores, entre os empresários, entre os acometidos pela mesma enfermidade), ou no seio de um mesmo sentimento ou estado anímico (por exemplo, o indivíduo que se solidariza com o semelhante que sofre).”99

MARCO AURÉLIO GRECO melhor explica a distinção entre

fraternidade e solidariedade, conforme se vê:

97

Ibidem, p. 125.

98

Vale recordar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, em seu preâmbulo, concebe todas as pessoas como membros da família humana, e no art. 1º determina que todos

devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade. 99

“Fraternidade e solidariedade não são sinônimos, mas conceitos que se completam, pois, enquanto a segunda se exprime nos múltiplos modos de auxílio ao semelhante e de agir ‘junto com o próximo’, a primeira abrange, além disso, a tolerância, o amor e o respeito ao outro, bem como outras formas de agir ‘em benefício do próximo’, o que inclui, por exemplo, a filantropia.”100