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Função Social e Segurança Jurídica.

CAPÍTULO III FUNÇÃO SOCIAL

3.4. Função Social e Segurança Jurídica.

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Tal conclusão é emanada ao tratar do fim da ordem econômica, qual seja, assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. Explica que tal declaração da finalidade não se efetiva por si só, bem como, que o sistema econômico, de base capitalista, é essencialmente individualista, no qual, a acumulação ou concentração do capital e da renda, “que resulta da

apropriação privada dos meios de produção, não propicia efetiva justiça social, porque nele sempre se manifesta grande diversidade de classe social, com amplas camadas de população carente ao lado de minoria afortunada.” Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 763.

74

Ibidem, p. 787.

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Essa segunda questão a ser compatibilizada com a função social, e para a qual o Direito mais se interessa, diz respeito à mitigação da segurança jurídica.

Embora a função social se apresente, na Constituição Federal, como verdadeira norma jurídica nem sempre presente no mundo do ser, está dotada de vigência, validez e obrigatoriedade.76

A cláusula geral - função social da empresa77, como as

demais cláusulas gerais e os conceitos legais indeterminados78, é geral e

extremamente vaga. O reconhecimento do segundo encontra na norma determinada conseqüência, já para o primeiro – cláusula geral – não há previsão da conseqüência na norma, propiciando “ao juiz a oportunidade de

criar a solução”79, exercendo papel de suma importância em razão dos

poderes que lhe são conferidos por essa função instrumentalizadora das cláusulas gerais.

76

Rogério Gesta Leal, assim qualifica os direitos e garantias fundamentais. A Função Social da

Propriedade e da Cidade no Brasil: aspectos jurídicos e políticos, p. 105. 77

“4. Sistema do Código Civil. Cláusulas gerais. O sistema do CC permeia-se por uma profusão

de cláusulas gerais. No que interessa ao Direito de Empresa, as principais cláusulas gerais que informam seu regime jurídico são a da dignidade da pessoa humana (CF 1º III), da livre concorrência, da função social da propriedade, do direito do consumidor e do meio ambiente, da função social da empresa (CF 170 caput), da função social do contrato (CC 421 e 2035 par. ún.). Nelson Nery Junior e

Rosa Maria de Andrade Nery, Novo Código Civil e legislação extravagante anotados, p. 342.

78

“13. Conceitos legais indeterminados. Definição. Conceitos legais indeterminados são palavras ou

expressões indicadas na lei, de conteúdo e extensão altamente vagos, imprecisos e genéricos, e por isso mesmo esse conceito é abstrato e lacunoso. Sempre se relacionam com a hipótese de fato posta em causa. Cabe ao juiz, no momento de fazer a subsunção do fato à norma, preencher os claros e dizer se a norma atua ou não no caso concreto. Preenchido o conceito legal indeterminado

(unbestimmte Gesetzbegriffe), a solução já está preestabelecida na própria norma legal, competindo

ao juiz apenas aplicar a norma, sem exercer nenhuma função criadora. Distinguem-se das cláusulas gerais pela finalidade e eficácia. A lei enuncia o conceito indeterminado e dás as conseqüências dele advindas.” Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, Novo Código Civil e legislação extravagante anotados, p. 5.

79

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, Novo Código Civil e legislação extravagante

Explica CLÓVIS DO COUTO E SILVA80, que com a edição

desses conceitos abertos, “a ordem jurídica atribui ao juiz a tarefa de adequar

a aplicação judicial às modificações sociais, uma vez que os limites dos fatos previstos pelas aludidas cláusulas gerais são fugidios, móveis; de nenhum modo fixos.”

Alguns doutrinadores espanhóis, ao interpretarem a aplicação da função social esculpida no Código Civil espanhol, têm afastado a interpretação que possa levar ao conceito aberto, entendendo que os limites da sua aplicação no direito de propriedade devem estar descritos na lei.

“Esta solución interpretativa podría aumentar la discreccionalidad judicial, poniendo em peligro la mínima certeza del Derecho que, em todo caso, resulta aconsejable. Amparándose en la realidad social, el Juez gozaria de un amplio margen de apreciación que, posiblemente, podría suponer una lesión de la garantia de la seguridad jurídica. Por esta y otras razones, se suele indicar que es conveniente que las condiciones sociales a tener en consideración encuentren reconocimiento – al menos indirecto o en gérmen – em la ley.”81

Certo é também que, na prática, como ressalva já feita anteriormente, os Juízes não têm conseguido dar efetividade às cláusulas abertas, em especial quando se referem aos direitos humanos e sociais. Em longa análise da atuação do Judiciário com relação a concretude dos princípios constitucionais, GILBERTO BERCOVICI ressalta que “considerada a

80

Estudos de Direito Civil Brasileiro e Português: I Jornada Luso-Brasileira de Direito Civil, p. 50.

81

Rafael Colina Garea, La Función Social de La Propiedad Privada em la Constitución Espanõla de

partir de seu ethos cultural, corporativo e profissional, a magistratura brasileira tem desprezado o desafio de preencher o fosso entre o sistema jurídico vigente e as condições reais da sociedade, em nome da ‘segurança jurídica’ e de uma visão por vezes ingênua do equilíbrio entre os poderes autônomos. Apenas a base da magistratura brasileira, por meio de alguns poucos – porém expressivos – juízes de primeira instância, é que tem tentado promover certas mudanças.”82

Para o operador do Direito sempre foi difícil lidar, dentro das teorias das fontes, com aquilo que pudesse ser considerado metajurídico, como por exemplo, os princípios83. Ou seja, tudo aquilo, como

a exemplo das cláusulas gerais, que permite o ingresso no ordenamento jurídico “de princípios valorativos, expressos ou ainda inexpressos

legislativamente, de standards, máximas de conduta, arquétipos exemplares de comportamento, das normativas constitucionais e de diretivas econômicas, sociais e políticas, viabilizando a sua sistematização no ordenamento positivo”, não proporcionam conforto aos operadores.

Se, de um lado, a cláusula geral tem a vantagem da maior mobilidade, abrandando a rigidez da norma casuística, propiciando ao sistema atualização e longa aplicabilidade dos institutos jurídicos, assusta, o novo papel conferido ao juiz pelo novo Código Civil, em razão do grau de incerteza no preenchimento das cláusulas gerais com valores metajurídicos, gerando insegurança jurídica.

82

Gilberto Bercovici, Constituição Econômica e Desenvolvimento: uma leitura a partir da Constituição

de 1988, p. 111. 83

Vale lembrar que “cláusula geral não é princípio, tampouco regra de interpretação; é norma jurídica,

isto é, fonte criadora de direitos e de obrigações” Judith Martins-Costa apud Nelson Nery Junior e

Ocorre, entretanto, que o relacionamento do Direito com o “todo social”, em razão da demanda da própria sociedade moderna, começou, como ressalta JUDITH MARTINS-COSTA, “a se movimentar em torno de

outro paradigma, o de sistema aberto, ou sistema de auto-referência

relativa”84, afastando-se do “mundo da segurança” com regras claras e

seguras, e em conseqüência, estáticas.

A formação de uma nova ordem jurídica constitucional, na qual os institutos jurídicos85 migraram do direito privado, em especial o

Código Civil, para o texto constitucional, propiciaram a criação de cláusulas abertas para os disciplinarem. MARCOS ALBERTO SANT’ANNA BITELLI faz um

curioso paralelo entre a operacionalização dessa nova ordem jurídica com a evolução do sistema de informática do MS-DOS – limitado – para o windows, apontando também como conseqüência dessa mudança, a insegurança jurídica, arrematando que:

“Não foi só a derrubada da summa divisio que ocorreu (já após muito custo reconhecida pelos juristas), mas sim a ruptura de todos os cercadinhos que isolavam de forma segura (pelo menos para o usuário do sistema jurídico) os diversos institutos jurídicos.” 86