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A imposição da solidariedade.

SOLIDARIEDADE SOCIAL

4.3. A imposição da solidariedade.

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Apesar da a vagueza semântica da expressão “sociedade solidária”, JUDITH MARTINS-COSTA entende que as regras constitucionais que

primam pela solidariedade e valoração do bem-estar do indivíduo e impõem fins a serem perseguidos, se constituem em “norma-objeto” e “não se

confundem com as chamadas “normas programáticas”, porque obedecem a diverso critério classificatório: enquanto essas obedecem ao critério da eficácia, as normas-objetivo são assim classificadas em vista do critério do conteúdo.”104

A Professora lembra que “ao estatuir como objetivo

fundamental da República a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a Constituição conformou um modelo de mercado assentado, de um lado, na liberdade de iniciativa econômica, de outro, na valorização do trabalho e na defesa do consumidor, princípios conducentes, todavia, à consecução de um preciso fim – a construção de uma sociedade solidária – livre, justa e solidária, como afirma o art. 3º.”105

Como ensina Judith Martins-Costa, política, norma- objetivo, policy, é programa de ação, que na esfera privada implica também em deveres – contidos em uma pauta -, em razão da sua constitucionalização. Representam o instrumento de concretização das normas constitucionais. Assim, a diretriz do artigo 3º da Constituição Federal “configura ‘critério indiciário d(os) fins’, que devem ser implementados

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Assim resume Judith Martins-Costa, a aplicação da expressão “norma-objetivo” por Eros Roberto Grau. E, apresenta, ainda, a expressão em inglês – policy – aplicada por Ronald Dworkin para indicar

as pautas que estabelecem objetivos a serem alcançados, em regra referidos a aspectos econômicos, políticos ou sociais, e assim distinta dos princípios, porque estes têm conteúdo axiológico, voltando-se funcionalmente ao atingimento de imperativos de justiça, de honestidade ou de outras dimensões da moral.” A reconstrução do Direito Privado, p. 621.

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pelas normas de conduta, nesta medida corolários imperativos, e necessariamente incidentes nas relações de mercado, da diretriz que busca a construção de uma sociedade solidária.”106

A autora ressalta esses imperativos, em especial na atividade do intérprete do Direito, senão vejamos:

“Por certo, a existência de deveres decorrentes da solidariedade social impõe-se ao intérprete da Constituição, à medida que não seria admissível considerar as suas normas como vazias de significado e eficácia verdadeiramente normativos, devendo-se, por isso mesmo, buscar sua concreção.”

Tais deveres instrumentais – que têm por escopo permitir a implementação do objetivo posto no artigo 3º da Constituição Federal – de fato, não estão restritos ao Estado, mas estendem-se também para os detentores do poder econômico ou social. Deve-se então determinar como que esses deveres passam do plano abstrato à concreta realidade das relações intersubjetivas.

De certo parece-nos que somente via normas de conduta de mercado107 ou de preceitos éticos108 é que é possível a concreção dos

direitos sociais, consubstanciado em responsabilidade social empresarial que melhor veremos adiante.

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Ibidem, p. 622.

107

Conforme já se transcreveu a assertiva de Judith Martins-Costa.

108

Segundo Eduardo Teixeira Farah, A Reconstrução do Direito Privado, p. 690.

“Para que a empresa possa justificar seus lucros em face da diretriz constitucional da solidariedade social, é curial que atenda a inúmeros preceitos éticos, tanto no âmbito interno como externo.”

Ver a esse respeito e na seqüência, o autor analisa alguns dos deveres de cada um dos âmbitos. p. 690-709.

Com respeito ao princípio constitucional aqui tratado, para JUDITH MARTINS-COSTA, além do auxílio da lei para inserir a diretriz da

solidariedade social nas condutas reguladas pelo Direito, pode-se também ensejar a sua construção por via da atividade judicial – por se tratar de cláusulas gerais.

Para o princípio da solidariedade, assim como para o princípio da função social, como já vimos, fácil é a aplicação do dever negativo que o princípio gera, ou seja, a legislação não poderá nunca conter preceito que conflite com o objetivo da construção de uma sociedade solidária, bem como o princípio deve informar as interpretações especialmente do Judiciário.

Mas como se verifica o dever de prover o mínimo dos direitos ao cidadão para o particular – empresário -, na forma positiva? Ou seja, a solidariedade quando vista entre particulares tem ou não coercibilidade?

Segundo RAQUEL SZTAJN, “quando se fala em solidariedade apela-se para um dever que não se impõe, especialmente de forma coercitiva, mas em que se espera alguma cooperação entre pessoas visando a aumentar o bem-estar coletivo.”109

NABAIS, em um primeiro momento também tende a

concordar que há incompatibilidade entre a solidariedade e a imposição – cogência -, destacando que impor deveres exigíveis através da coação, em

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E complementa: “Essa idéia de solidariedade é antiga, seja por resultar de práticas religiosas, seja

pela sensação de que há dever de auxiliar os menos afortunados, de forma a restringir algumas das desigualdades sociais; o ‘novo’ é que chegue às atividades econômicas não voltadas à filantropia, a caridade.” A Responsabilidade Social das Companhias.

última instância, seria negar a própria idéia de solidariedade. Salienta, também, que se viável ao Estado impor deveres para a concretização da cidadania, ante a sua incapacidade ou impossibilidade em realizar alguns dos aspectos da cidadania, dispensável seria esse tipo de solidariedade.

Mas, reconhece que o Estado (legislador) pode atuar por outras vias, a da promoção ou do incentivo110, nos mesmos moldes em que,

como veremos adiante, no direito pátrio, trata EROS ROBERTO GRAU das

normas de indução.

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CAPÍTULO V