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Neste estudo utilizou-se a observação participante e entrevistas não estruturadas com os responsáveis pela educação de alunos do Ensino Fundamental do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro. A observação participante é uma técnica bastante utilizada em pesquisa social. Bronislaw Kasper Malinowski (1884-1942), antropólogo polonês, foi o grande teórico da observação participante, através da participação cotidiana por longos períodos na vida de seus pesquisados e, ao realizar suas observações, criou um novo método de pesquisa. Malinowski viveu entre os nativos das ilhas Trobiand, próximo à Nova Guiné, de 1914 a 1918. Definiu o conceito de função, em nível

primário, como a resposta de uma cultura determinada às necessidades básicas do homem, tais como a alimentação, a habitação ou a defesa. Mas a função é também social, respondendo às necessidades sociais do grupo, tais como as relações conjugais e a paternidade.

Entendemos, desde o início do trabalho, que a pesquisa qualitativa seria a mais adequada à nossa proposta. Na abordagem qualitativa, a pesquisa tem o ambiente como fonte direta dos dados, o pesquisador mantém contato direto com o ambiente e objeto de estudo em questão. Neste caso, as questões são estudadas no ambiente em que elas se apresentam. A utilização deste tipo de abordagem difere da abordagem quantitativa pelo fato de não utilizar dados estatísticos como o centro do processo de análise de um problema, não tendo, portanto, a prioridade de numerar ou medir unidades (isto, relativo ao trabalho de campo, já que no confronto dos dados colhidos com outras fontes utilizaremos dados estatísticos). Os dados coletados nessas pesquisas são descritivos, retratando o maior número possível de elementos existentes na realidade estudada. Preocupa-se muito mais com o processo do que com o produto.

A metodologia da observação participativa consiste na inserção do pesquisador no interior do grupo observado, tornando-se parte dele, interagindo por alguns períodos com os sujeitos, “buscando partilhar o seu cotidiano para sentir o que significa estar naquela situação” (GIL, 1991, p. 38). Segundo Serva e Júnior, (1995, p. 13) é uma “situação de pesquisa onde observador e observado encontram-se face a face, e onde o processo de coleta de dados se dá no próprio ambiente natural de vida dos observados, que passam a ser vistos não mais como objetos de pesquisa, mas como sujeitos que interagem em dado projeto de estudos”. É, de todos os métodos de coleta de dados científicos, talvez um dos que mais envolvam o investigador, a pessoa, mais profundamente com os atores que protagonizam o campo de pesquisa eleito. O trabalho de campo é uma experiência total, profundamente marcante e individualizante. Ela retira o pesquisador do contexto habitual e previsível em que se encontrava para um contexto novo, imprevisível e, portanto, fonte de insegurança.

Talvez esteja aí a maior possibilidade de sucesso desta metodologia. Nós, educadores e cientistas da sociedade, costumamos nos isolar no mundo dos livros teóricos em busca de elaboradas respostas daquilo que se passa nas ruas. Ainda que sejamos uma única pessoa, limitada pelo aspecto geográfico, histórico e pela pouca disponibilidade de tempo, na escola encontramos os sujeitos sobre os quais criamos nossas teorias em nossos ambientes isolados de trabalho de pesquisa. Quando nos deparamos com estes sujeitos e, através da observação participante, convivemos, ainda que provisoriamente, em seu ambiente, e podemos entender melhor que eles não são apenas objetos de estudo. Estão vivos e respiram. Ali, neste campo, estão todas as perguntas e, veladas, também algumas respostas. Idealizado, o trabalho de campo aparece com dificuldades

apenas teóricas. Vivenciado, se mostra pulsante com todas as suas possibilidades, e complexidade, de sua construção histórica.

Segundo Quivy e Campenhoudt (2003, p. 42) “os métodos de observação direta constituem os únicos métodos de investigação social [...] que captam os comportamentos no momento em que eles se produzem e em si mesmos, sem a mediação de um documento ou testemunho”. Estes comportamentos se expressam de diversas formas, inclusive em forma de palavras, que tanto nos interessam, e que são capazes de registrar as fases transitórias e os pequenos detalhes das mudanças sociais. A fala é reveladora de condições estruturais, de sistemas de valores, normas e símbolos e, ao mesmo tempo, é capaz de transmitir, através do entrevistado/observado, representações de grupos determinados em condições históricas, sócio-econômicas e culturais específicas.

A observação participante adequa-se a uma análise de comportamentos espontâneos que engloba a percepção do não verbal, e daquilo que ele revela, como códigos de comportamentos. Conforme Quivy e Campenhoudt (2003, p. 43), as principais vantagens seriam “a apreensão dos comportamentos e dos acontecimentos no próprio momento em que se produzem e a recolha de comportamentos e atitudes espontâneas com a autenticidade relativa dos acontecimentos”. É interessante constatar que, ao fazer parte do contexto como observador, o pesquisador também acaba por ser observado. No ambiente de uma sala de aula, a situação é particularmente curiosa. Estou sentado ao lado dos alunos, assistindo à aula da mesma maneira que eles, mas não sou um aluno, e sim um estranho àquela circunstância, mas que, mesmo assim, compartilha a situação ao lado dos alunos (numa condição semelhante), uma vez que não sou o professor. Isto, de certa forma, me aproximou dos alunos.

Como subcategoria, o trabalho realizado pode ser definido como uma observação estruturada, uma vez que se enquadra na classificação de Cohen (2000, p. 52) quando “o observador sabe previamente o que vai observar e já organizou as categorias de observação de acordo com os seus objetivos” [tradução nossa].

A escolha para utilizar a observação participante dá primazia à experiência pessoal vivida no campo, evitando o aprisionamento do pesquisador em apriorismos. Por outro lado, isso não significa, em absoluto, que não se disponha de quadros referenciais teóricos sólidos. Estes se constituem, inclusive, numa das condições básicas para a boa implementação da metodologia. (SERVA e JÚNIOR, 1995, p. 18).

Entendemos que o pesquisador de campo precisa se basear nos estudos teóricos, os quais são fundamentais para uma análise embasada que não resvale para a simples observação

empírica. Conhecer com profundidade o referencial teórico que lhe dá um sólido aporte não significa exatamente partir para o campo com ideias preconcebidas, apesar de que devemos confessar que existe esta possibilidade. A saída pode estar na postura do pesquisador que se concentra no presente vivenciado, sem se deixar contaminar (em excesso) com os conceitos a que teve acesso na revisão bibliográfica. Se partimos para o campo com ideias prontas, provavelmente poderemos incorrer no erro de apenas procurar as provas daquilo que já imaginamos encontrar. O problema principal desta situação é deixar turvar a visão para tentar enxergar o que esperamos ver, deturpando a análise presencial e a observação participante. Nos parece que a prerrogativa para esta metodologia é estar disposto e aberto a mudar a sua concepção original, ou pelo menos adequá-la, àquilo que presenciamos, abandonando, assim, a pressão de supostas evidências que, na verdade, seriam preconceitos. As idéias preconcebidas são perniciosas a qualquer estudo científico. Saber entender e respeitar o ritmo de ação e de interação do grupo pesquisado é um passo decisivo para se conviver numa unidade social, e ser aceito e legitimado pelo grupo. A humildade, o saber escutar são indispensáveis à característica do observador participante. Desta forma, se pode captar o que não é dito em palavras, ou mesmo definir a subjetividade na fala de cada aluno. Basicamente, o que buscávamos era a reação dos alunos frente à divulgação da mídia para o consumo e, para tornar uma observação parte de um contexto teórico sociológico, é preciso que um observador defina conceitos e identifique problemas a serem pesquisados e estudados. Ele dá vida a um modelo teórico ao se basear no caso particular de sua investigação, mas direciona seus prováveis modelos de forma que venha a atender descobertas futuras. Este estágio consiste na identificação de possíveis entraves aos conceitos, que venham promover um maior esclarecimento e conhecimento sobre os alunos e seu universo social que fazem parte do foco de estudo onde o pesquisador procura por informações que o subsidie na sua pesquisa.

Esteja ele definindo problemas ou selecionando conceitos e indicadores, o pesquisador está, neste estágio, utilizando seus dados somente para especular sobre possibilidades. Operações posteriores nos estágios seguintes podem forçá-lo a abandonar a maioria de suas hipóteses provisórias. Todavia, problemas de evidência se colocam mesmo nesse ponto, pois o pesquisador precisa avaliar os itens individuais nos quais suas especulações estão baseadas, de modo a não desperdiçar tempo seguindo pistas falsas. (BECKER, 1997, p. 77).

O pesquisador precisa estar atento às pistas falsas e à manipulação de respostas (feita, possivelmente, por ele mesmo), assim como, na obtenção de informações incorretas e incompletas. Para reduzir estes problemas, precisa estar atento à credibilidade dos informantes (alunos ou professores), ao nível de espontaneidade das declarações, evitando que estas sejam dirigidas por ele

(pesquisador) e à relação de confiança que envolve o contato grupo-informante-observador. O professor (categoria na qual este pesquisador se enquadra) tem a prática de fazer perguntas sobre as quais já sabe a resposta. São, na verdade, falsas perguntas, uma vez que não espera uma resposta diferente daquela que já conhece, e servem mais para motivar a turma e buscar uma pseudo participação do aluno. Este tipo de postura precisa ser evitada para que não se fabriquem respostas prontas ou pré-concebidas.

O estágio final da pesquisa de campo se baseia na absorção de descobertas relacionadas ao modelo de sistemas ou de organização social que faz parte do estudo. Neste estágio, o observador descreve seu relatório final sobre a coleta de campo, proporcionando uma explicação eficaz sobre os dados que reuniu. Para conseguir tal conclusão, o pesquisador inicia seus modelos relacionando-os com os alunos no gradativo contato, assim, surgem novos conceitos e problemas. A partir do momento em que determina seu modelo final, que retrata todas as relações descobertas entre os objetos, o observador refina seu modelo, o que lhe proporciona maior garantia das evidências que não se encaixavam com seus objetivos iniciais. Após o acúmulo de vários modelos, busca conexões existentes e passa a construir um modelo global do campo. Segundo Becker (1997, p. 79), “a conclusão típica deste estágio da pesquisa é uma afirmação sobre o conjunto de complicadas inter-relações entre muitas variáveis”.

Além do contato com os alunos, nos pareceu importante realizar entrevistas semi- estruturadas (estruturação de um roteiro básico que foi readaptado ao longo da entrevista) com as professoras envolvidas no processo. Notamos, nos primeiros contatos e conversas informais, realizadas com o grupo de quatro professores de Sociologia do Ensino Fundamental do Colégio Pedro II, que havia uma grande unidade no programa proposto. Assim, tomamos a decisão de nos aprofundarmos no discurso de uma das professoras que sintetiza a metodologia de ensino da referida disciplina. Acreditamos que assim, ainda que pudéssemos perder alguma pluralidade própria dos distintos discursos, encontramos uma forma aprofundar a nossa pesquisa, uma vez que os alunos observados integram turmas desta professora.