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4. A MÍDIA QUE VENDE PRODUTOS, IMAGENS E IDEIAS

4.1. A REALIDADE CRIADA ARTIFICIALMENTE

Relacionamos o conceito de virtual com o mundo fictício criado pelas imagens publicitárias que colocam as representações como realidade, entendemos que esta é uma questão que deve ser levada em forte consideração quando propomos uma posição crítica frente àquilo que se vê hoje na televisão. É importante perceber como funciona este mecanismo, já que ele é fundamental na formação dos símbolos que as mensagens publicitárias usam para vincular um objeto a um conceito e despertar o desejo de compra através das emoções.

Normalmente, se pensa em duas condições para a percepção das coisas ao nosso redor em termos de materialidade (os objetos) e imaterialidade (os conceitos). Mas se pensarmos bem, nas diferentes sociedades produzidas a partir da cultura, as coisas se traduzem, na verdade, em ideias.

[…] se vejo alguma coisa, uma mesa, por exemplo, o que vejo é a madeira em forma de mesa. É verdade que essa madeira é dura (eu tropeço nela), mas sei que perecerá (será queimada e decomposta em cinzas amorfas). Apesar disso, a forma “mesa” é eterna, pois posso imaginá-la quando e onde eu estiver (posso colocá-la ante minha visada teórica). Por isso a forma “mesa” é real e o conteúdo “mesa” (a madeira) é apenas aparente. Isso mostra, na verdade, o que os carpinteiros fazem: pegam uma forma de mesa (a “ideia” de uma mesa) e a impõe em uma peça amorfa de madeira (FLUSSER, 2007, p. 26).

Este mundo criado em nossas mentes é que se apresenta de fato como o mundo real, ou seja, o mundo das coisas materiais, segundo esta perspectiva, seria imaginário. É assim até com o movimento dos corpos densos ao nosso redor, aquilo que nos parece material (uma pedra que cai) segue, na verdade, a lei da gravidade. Vemos o corpo que cai, mas não vemos o que o faz cair, no entanto, é a fórmula da lei que é real e não o movimento da pedra, este, apenas aparente. “[…] Faz pouco sentido dizer que a fórmula é ʽimaterialʼ. Ela é o como da matéria, e a matéria é o o quê da forma. Em outras palavras: a informação ʽqueda livreʼ tem um conteúdo (corpo) e uma forma (uma fórmula matemática)” (FLUSSER, 2007, p. 27). Toda a realidade estaria na consciência do sujeito como um complexo de processos psicológicos. Segundo a noção de idealismo objetivo epistemológico de Hessen (2003, p. 75), “o giz não está nem em mim nem fora de mim; ele não está disponível de antemão, mas deve ser construído. O giz não é nem um ser real, nem um ser de

consciência, mas um conceito”.

[…] não há coisas reais, independentes da consciência. Como, após a supressão das coisas reais, só restam dois tipos de objeto, a saber, os existentes na consciência (representações, sentimentos) e os ideais (objetos da lógica e da matemática), o idealismo deve necessariamente considerar os pretensos objetos reais quer como objetos existentes na consciência, quer como objetos ideais. Daí resultam em dois tipos de idealismo: subjetivo ou psicológico e o objetivo ou lógico” (HESSEN, 2003, p. 81).

Precisamos de referências para nos orientar no chamado mundo real, não existem informações, nem objetos isolados, que nos possam remeter a conceitos. É a soma de diversas informações (que a publicidade transmite a partir dos conceitos que tenta vender) que podemos criar um mundo em que possamos nos orientar. As coisas criam uma relação mútua de ordem ou sucessão que lhes conferem diferentes qualidades que não são isoladas, mas que precisam da sua soma para resultar em um produto. O raciocínio funciona assim: uma coisa isolada mais outra coisa isola é diferente do resultado da soma das duas. É assim que se formam os conceitos, o pensamento humano como explica Rubinstein no livro Princípios da Psicologia Geral.

O conteúdo específico do pensamento é o conceito. Este é o conhecimento mediato e geral do objeto que se forma pelo fato de captar as vinculações e relações mais ou menos essenciais e objetivas do objeto. […] O conceito descobre conexões e relações. Para isso passa do fenômeno ao conhecimento generalizado da sua natureza, adquirindo assim um caráter abstrato, não intuitivo. […] A forma na qual o conceito existe é a palavra (RUBINSTEIN, 1973, p. 131 e 132).

Jacques Lacan (1901-1981) entendia o real como o estado de natureza do qual estaremos sempre separados uma vez que entramos no terreno da linguagem das palavras. Sua teoria era que apenas os recém-nascidos, época em que teríamos tudo o que necessitamos, seriam completos num estado natural. Segundo esta teoria, os animais partem de uma necessidade em busca de uma satisfação. Os seres humanos não conseguiriam expressar esta busca na linguagem das palavras, já que, a partir do nosso primeiro encontro com a linguagem nos afastaríamos irreversivelmente do real, apesar dele exercer sua influência durante toda a nossa vida adulta. É como uma pedra no sapato da qual nossas fantasias e estrutura linguística não conseguem se livrar.

É no mínimo curioso constatar que estes conceitos de Lacan mostram que a linguagem através das palavras ao mesmo tempo que existe como forma de aproximação do mundo real, uma vez que servem para traduzi-lo, nos afasta deste mesmo mundo.

A ordem simbólica sobre a qual Freud fundou sua descoberta é constituída pela linguagem como momento do discurso universal concreto. É o mundo da palavra que cria o mundo das coisas, inicialmente confusas em tudo aquilo que está em

devir. Há somente as palavras para dar um sentido completo à essência das coisas. Sem as palavras, nada existiria (LACAN, 2004).

Mas ao mesmo tempo que promove a existência, a palavra, que ganha seu primeiro significado no interior de cada ser humano, também cria um mundo particular de representações simbólicas muito íntimo. Lacan diz que a palavra é mais do que algo que é dito.

[…] para nós, “palavra dada” também é uma forma de ato. Mas é também às vezes um objeto, isto é, alguma coisa que se porta, um feixe. É qualquer coisa. Mas a partir daí algo existe que não existia antes. […] as palavras e os símbolos têm uma influência decisiva na realidade humana. […] Saibam que, na origem, o homem é que, com efeito, dá seu sentido à palavra (mot). E que só as palavras (mots) depois se encontraram no comum acordo da comunicabilidade, isto é, que as mesmas palavras (mots) servem para se reconhecer a mesma coisa; é precisamente em função de relações, de uma relação de saída, que possibilitou a estas pessoas serem pessoas que comuniquem (LACAN, 2004).

Fato similar ocorre com as crianças no processo de domínio da fala e das palavras. Elas pronunciam sons que se parecem com palavras – para os adultos, ininteligíveis – mas que para elas, crianças, têm toda uma significação na construção do mundo. Um mundo, na teoria de Lacan, de ordem simbólica. Na formação de cada um, a linguagem é a porta de aceitação das regras (símbolos) da sociedade, única maneira de conseguir lidar com os outros. A ordem simbólica estaria sempre em estado de tensão com o real e o imaginário. A ordem imaginária seria criada a partir do narcisismo fundamental do ser humano que subjetivamente cria imagens fantasiosas de si mesmo e do objeto ideal de desejo – algo que começa na criança e que perdura por toda a vida. Em francês, “palavra” pode ser traduzido como mot ou parole. Lacan toma mot como a palavra falada e dá a parole o sentido simbólico em três planos.

[…] (1) o significado de Imaginário, (2) sentido e (3) o Real. A dimensão real do discurso é diacrônica, a qual deriva a sua autoridade do Outro(a). No plano da “certeza”, as palavras parecem Reais ou fixas. Paradoxalmente, o Outro(a) também impugna a certeza do sujeito porque a sua própria realidade é ficcional ao invés de “honesta”. Nossas palavras, desta forma, aparecem em sua dimensão diacrônica – realidades personalizadas – para serem decifradas. Lacan propõe que a antiga divisão entre “aparência” e “realidade” é falsa. Similarmente, não é possível verificar o verdadeiro valor de uma palavra (parole) pela lógica clássica. A palavra (parole) é governada pela lógica do desejo e do narcisismo, que encontra seu verdadeiro valor não na distinção entre hipóteses lógicas ou contraditórias, mas na lógica da perda, substituição, e poder [tradução nossa] (RAGLAND-SULLIVAN, 1986, p. 182).

Não é difícil constatar situações na televisão que remetem a questões onde a aparência se mistura com a realidade. Humanos são seres sociais que representam papéis sociais e estes papéis

estão muito bem demarcados na indústria do consumo – a publicidade se esforça para isso e a TV cria produtos que abrem lacunas para que os conceitos sejam firmados entre os espectadores. As telenovelas são um bom exemplo disso. Um estudo feito a partir de Malhação, exibida pela Rede Globo desde 1994, é especialmente significativo uma vez que o programa se destina ao público adolescente, fase importante na formação do sujeito adulto. Questões relativas ao gênero são assunto preferencial deste público.

[...] o sistema de sexo-gênero é tanto uma construção sócio-cultural, quanto um aparato semiótico que atribui significado (identidade, valor, prestígio, etc) a indivíduos dentro da sociedade, sendo que as representações de gênero se traduzem em posições sociais que trazem consigo significados diferenciais, de modo que o fato de alguém ser representado ou se representar como masculino e feminino subtende a totalidade daqueles atributos sociais (FÁVERO e ABRÃO, 2006, p. 175).

Abre-se aqui um parêntesis para lembrar que a televisão, parece se basear fundamentalmente nas imagens, mas fala, descreve, muito mais do que mostra. Não existe silêncio na televisão (só em casos raríssimos), a maioria das imagens exibidas são narradas e, geralmente por falta de recursos financeiros para elaborar produções como as que se assiste no cinema (muito mais sofisticadas) é preciso contar histórias (ao invés que mostrar situações) para criar nexo nos roteiros. Esta verborragia tenta resolver problemas de construção dramática nas novelas e poupa esforço de produção (também no telejornalismo), aquilo que é dito claramente (quase didaticamente) não deixa dúvidas, diferente daquilo que é apenas mostrado e pede uma interpretação de cada um que vê tal imagem.

A partir deste texto narrado, os roteiristas de televisão desenham uma realidade que se parece com o concreto mas que, carregada de sentidos e criação de esteriótipos, leva ao caminho que representa o principal objetivo da televisão: vender produtos e serviços através da publicidade e do marketing. As técnicas do merchasing, já conhecidas pelo público, são plenamente utilizadas em novelas, programas de auditório e filmes. Enquanto o marketing explora imagem da empresa como um todo – incluindo a sua logomarca, promoção, distribuição e mídia – o merchandising é a exposição do produto. Mostrar o produto num meio audiovisual é fazer merchandising. Depois de 60 anos de sua inauguração, o público da TV não é mais tão ingênuo e detecta que quando um ator destaca certo produto numa novela está exibindo as qualidades da mercadoria para a promoção de venda.

A ação de vender através da televisão se torna mais eficiente quando vai além de apenas exibir um creme de pele no banheiro da linda atriz de uma novela, por exemplo. Ele se torna

realmente eficaz não quando mostra que o produto vale a pena ser consumido, mas quando divulga a ideia de que este produto representa um estilo (desejável) de vida – exatamente a forma de ser daquele personagem. A lógica da mensagem é: se o personagem é quem gostaríamos de ser e se ele usa tal produto, precisamos deste bem de consumo para nos aproximarmos daquele estilo de vida. Ainda que, pela lógica, jamais tivéssemos condições financeiras para viver como os personagens ricos e elegantes das novelas, somos capturados pela impressão de que possuir tal produto pelo menos nos faria sentir minimante como eles.

É curioso notar que muitos anúncios de roupas estampados em revistas apresentam uma única fotografia com a modelo, ou o modelo, vestindo uma única roupa, geralmente, mostra-se poucos detalhes da peça. Como entender que uma fábrica queira vender uma coleção inteira apresentando apenas uma peça ao público? Não seria mais eficaz aproveitar ao máximo o espaço da revista para mostrar o maior número de modelos possível? A resposta está na transmissão dos conceitos. Se o consumidor se identifica com a figura que aparece na foto (só é preciso ter uma ideia de como é a roupa) o estilo está vendido e se este é aquele que o comprador procura, ele irá até a loja. A publicidade lida com referências, construções que representam algo e que estão inseridas em certo contexto histórico que lhes legitima como algo desejável (um bom exemplo é o ideal de tipo físico feminino dos dias de hoje, a barriga, hoje abominada, já foi sinônimo de sensualidade e forma de provocar desejo). É isso o que acontece em novelas como Malhação.

[...] a televisão pode, paradoxalmente, ocultar mostrando, mostrando uma coisa diferente do que seria preciso mostrar caso se fizesse o que supostamente se faz, isto é, informar; ou ainda, mostrando o que é preciso mostrar, mas de tal maneira que não é mostrado ou se torna insignificante, ou construindo de tal maneira que adquire um sentido que não corresponde absolutamente à realidade (BOURDIEU, 1997, p. 24).

As imagens em movimento parecem reais mas são apenas representações do real, por isso é tão difícil convencer as pessoas, em especial as crianças e adolescentes, de que são inverossímeis. Segundo Bourdieu (1997, p. 29) “caminha-se cada vez mais rumo a universos em que o mundo social é descrito-prescrito pela televisão”. Este mundo social, que só é possível através da fala, é influenciado diretamente por um discurso televisivo engessado que procura manter o status quo e mistura pobres e ricos numa relação estereotipada uma vez que baseia as qualidades humanas no poder de compra. Socialmente, os atos da fala entre sujeitos podem ser caracterizados em 5 dimensões:

os objetos do mundo e sua relação de maneira não avaliativa); 2) avaliação (todo ato da fala que exprime um julgamento de valor, ou uma apreciação); 3) interação (todo ato da fala que visa à co-elaboração das identidades dos parceiros e à co- gestão das suas relações); 4) acional (todo ato da fala que propõe o fazer, que incita e exorta o fazer, o engajamento); 5) contratual (todo ato da fala que tem por função gerar ou regular a comunicação, em função dos objetivos, dos jogos de ações e do contrato de comunicação) (CHABROL e BROMBERG, 1999, p. 296).

Mas a televisão usa a palavra falada como uma imposição, não há possibilidade de interlocução com aquilo que é dito nas transmissões televisivas, segundo Sodré (1984, p. 16) “a imprensa vem assegurar a transmissão de informações sobre a vida cotidiana e amplia a centralização do poder e o disciplinamento do cidadão, a partir desse poder organizador de linguagem”. E podemos estender este conceito às novelas, programas em geral e à publicidade. O que podemos supor aqui é a possibilidade de que aquilo que é exibido na TV provoque os atos da fala que, como propõem Chabrol e Bromberg, também poderiam ser encarados como atos de ação.

As telenovelas são produtos que divulgam atitudes e, mais do que vender produtos, procuram vender comportamentos associados a estes produtos. Já vimos que é pouco provável aceitar a ideia de uma audiência passiva – a televisão participa de um jogo de tensões com o público; por vezes consegue aprovação, por vezes é reprovada. Mas através do discurso da imposição, o texto televisivo se mostra ditador de normas vinculadas à tradição moral da sociedade burguesa e não admite visões que fujam dos padrões estabelecidos pela classe dominante, que controla as emissoras – a não ser que estes padrões estejam associados a figuras caricatas que geralmente não são levados a sério e aparecem como motivo de chacota (os homossexuais são os tipos preferenciais nestes casos). Além do texto, existe um discurso visual que reforça aquilo que é dito em palavras.

As possibilidades das máquinas e a habilidade de seus operadores, conferem ao produto final qualidade técnica que, além do limite da boa compreensão, da boa definição de som e imagem e de valores estéticos, se torna também um instrumento de imposição de uma retórica na maior parte das vezes dispensável – é o caso do chamado “Padrão Globo de Qualidade” (ANDRADE, 2008).

É um padrão que passou a servir de referência para tudo que é feito em televisão no Brasil e procura levar ao espectador um mundo de sonhos, muito diferente do cotidiano. Não é novidade que a televisão se transformou num espetáculo (e, em parte, esta é realmente a sua função – a exceção deveria estar nos programas jornalísticos que se pretendem informativos, mas estes também assumiram o caráter de espetáculo), mas a questão está em nos perguntarmos que tipo de espetáculo é este, a quem ele serve. O “Padrão Globo de Qualidade”, como o nome diz, busca

convencer o público que esta é a melhor e mais competente emissora brasileira – tudo parece brilhar na programação – mas devemos lembrar que qualidade em televisão pode ser classificada de várias maneiras como expõe Geoff Mulgan no texto Television's Holy Grail: Seven Types of Quality (O Sagrado na Televisão: Sete Tipos de Qualidade).

Qualidade como um conceito puramente técnico, a capacidade de usar bem os recursos expressivos do meio: a boa fotografia, o roteiro coerente, a boa interpretação dos atores, a indumentária de época convincente etc. Esse conceito encontra-se difundido principalmente entre os profissionais que fazem televisão. Na direção contrária, qualidade pode ser a capacidade de detectar as demandas de audiência (análise de recepção) ou as demandas da sociedade (análise de conjuntura) e transformá-las em produto, abordagem predileta dos comunicólogos e também dos estrategistas de marketing. A qualidade pode ser também uma particular competência para explorar os recursos de linguagem numa direção inovadora, como o requer a abordagem estética. […] A qualidade pode estar no seu poder de gerar mobilização, participação, comoção nacional em torno de grandes temas de interesse coletivo […] (MACHADO, 2005, p. 25)

No Brasil, a televisão tem tentado aliar “a capacidade de usar bem os recursos expressivos do meio” com a busca em entender “as demandas de audiência (análise de recepção) ou as demandas da sociedade (análise de conjuntura)”, objetivando “gerar mobilização, participação, comoção nacional em torno de grandes temas [...]”. Podemos sugerir que estes temas não são exatamente de interesse nacional (o interesse, muitas vezes, é provocado pela exposição dos temas) e nem seriam realmente “grandes” porque muitas vezes uma tragédia pessoal (sequestros, assassinatos de crianças, filhos que matam seus pais, bebês roubados de maternidade etc.) ganham vulto nacional por causa do tom novelesco que o jornalismo costuma dar às notícias. Mas deve-se admitir que a TV tem capacidade de mobilização, ainda que, por vezes, inócua para o público, não para os interesses deste.

O exemplo já citado, a novela Malhação, atinge o público adolescente, normalmente desprovido de informações que lhe proporcione uma visão crítica, que consome o estilo dos personagens do programa e faz dele modelo de uma atitude que confirma as posturas tradicionais quando são reunidos conceitos como machismo, preconceito racial e de classe, e que coloca os atores sociais em seus “devidos lugares” (segundo a lógica do capital). Assim, por exemplo, os negros aparecem normalmente como serviçais ou em sub-empregos (só conseguem alcançar status social através da criminalidade, de atitudes pouco éticas ou quando recebem a ajuda dos brancos ricos, nesta ótica, seus salvadores). A relação entre homens e mulheres também é mostrada de forma sexista. No artigo “Malhando o gênero: o grupo focal e os atos da fala na interação de adolescentes com a telenovela”, Fávero e Abrão revelam dados sobre a pesquisa de recepção de Malhação

realizada com 47 estudantes da sexta e oitava séries do primeiro grau e da primeira e terceira séries do ensino médio, divididos em oito grupos com três sujeitos femininos e três masculinos cada (um grupo era composto por alunos de escola particular e o outro, pública).

No geral, poucas são as falas que se enquadraram na esfera acional e não se registrou a utilização, por parte dos sujeitos, de ato da fala que pertencesse à esfera contratual. Ou seja: os grupos focais do nosso estudo produziram, predominantemente, interlocuções que julgavam e/ou apreciavam a cena assistida e seus personagens, ou validavam e/ou justificavam o julgamento emitido pelo outro. Podemos dizer, em outros termos, que se trata de uma produção que reafirma o texto televisivo, sem propor ou incitar uma perspectiva nova de análise […] (FÁVERO e ABRÃO, 2006, p. 177).

Colocamos anteriormente que poderíamos supor que a televisão, mesmo sem estabelecer uma relação de comunicação com os espectadores, poderia provocar o debate entre o público a respeito do que é exposto. A questão é a que nível se daria esta discussão. A partir das informações da pesquisa citada, pressupomos que este debate pode ser, a princípio, um discurso apenas de concordância, ou seja, uma fala vazia que apenas endossa o discurso dominante. A pesquisa de recepção sobre Malhação endossa esta hipótese.

A produção dos dois grupos focais da 6ª série é muito semelhante: de um modo geral, os sujeitos femininos condenaram a atitude do personagem Gui por aceitar o assédio de Valéria, enquanto os sujeitos masculinos o defenderam, argumentando