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A convivência entre eficiência administrativa e legalidade

No documento Governo eletrônico e direito administrativo (páginas 110-113)

CAPÍTULO 2 – BASES JURÍDICAS DO GOVERNO ELETRÔNICO

2.3. Novas tecnologias e eficiência administrativa

2.3.3. A convivência entre eficiência administrativa e legalidade

A utilização das tecnologias da informação e da comunicação projeta-se também em um dos grandes temas de reflexão em torno dos princípios da Administração

515

Cf. VALERO TORRIJOS, Julián, El régimen jurídico de la e-Administración, cit., p. 14. Assim, é correto afirmar que as novas tecnologias podem proporcionar economia de tempo, papel, tinta, grampos e trabalho (cf. CORRÊA, Davi Beltrão de Rossiter, op. cit., p. 11), mas essa economia não pode ser vista de forma unila- teral, sem levar em conta os novos custos gerados. Considerar o governo eletrônico mais econômico, igno- rando seus custos, seria o mesmo que afirmar que um veículo movido a álcool é mais econômico simples- mente porque consome menos gasolina.

516 Cf. F

ERNÁNDEZ SALMERÓN, Manuel, El acceso a los registros y archivos administrativos: perspectiva

telemática de un Derecho contemporáneo, in DAVARA RODRÍGUEZ, Miguel Ángel (coord.), Quince años de

encuentros sobre informática y derecho (1987-2002), tomo II, Madrid, Universidad Pontificia Comillas, 2002, p. 615.

517 Cf. F

ERNANDES, Ciro Campos Christo, Governo eletrônico e transformação da administração pública, in CHAHIN, Ali et al., op. cit., p. 107. Segundo o autor, poderia haver uma racionalização de tais despesas medi- ante o planejamento global dos investimentos e a revisão de iniciativas sobrepostas ou que não atendam a prioridades definidas em nível estratégico.

518 Cf. V

ALERO TORRIJOS, Julián, Las relaciones con la Administración Pública mediante sistemas electróni- cos, informáticos y telemáticos, cit., pp. 262-263.

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Por exemplo, a possibilidade de ter um maior número de participantes em um processo licitatório em meio eletrônico, de forma a aumentar a competitividade (cf. PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres, DOTTI, Marinês Reste- latto, A licitação no formato eletrônico e o compromisso com a eficiência, cit., p. 52 e PIRES, Adriana Tava- res Pereira, Leilão administrativo: eletrônico ou presencial, in Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, n. 69, Belo Horizonte, Fórum, set. 2007, p. 40).

Pública: a coexistência entre legalidade e eficiência. Neste caso, assim como há uma ten- dência a afirmar que o imperativo de eficiência não dispensa a legalidade520, as novas tec- nologias não dispensam as garantias próprias do Estado de Direito, de modo que a eficiên- cia não é fundamento para afastar a garantia de legalidade da ação administrativa também no governo eletrônico521.

Em alguns estudos jurídicos sobre o governo eletrônico, há uma tendên- cia a descrever um antagonismo entre o garantismo, que exige segurança jurídica, e a busca de qualidade para obtenção de eficiência administrativa e à melhoria das condições de vi- da522, ou a afirmar a necessidade de um equilíbrio entre eficiência e garantia523. Esses estu- dos são marcados pela desconfiança acerca da segurança proporcionada pelos sistemas informatizados e pela convicção de que cabe ao direito uma postura garantista para evitar prejuízos aos cidadãos, em detrimento de uma preocupação com o aperfeiçoamento da prestação de serviços e o aumento da eficiência524. No entanto, essa antítese já não se sus- tenta, pois é baseada na crença de que a utilização dos meios informáticos e telemáticos, embora trouxesse eficiência, poderia trazer algum prejuízo para as garantias jurídicas. Atu- almente, é preciso que os juristas adotem outra mentalidade, que faça compatíveis os valo- res de rapidez e garantia, ao invés de confrontá-los525. Longe de se opor ao cumprimento da lei, o princípio da eficiência traz para o âmbito jurídico outros elementos relevantes, podendo ser considerada um ponto de diálogo interdisciplinar, ou seja, uma porta de entra-

520 Cf. M

EDAUAR, Odete, Direito Administrativo Moderno, cit., p. 128 e GASPARINI, Diógenes, op. cit., p. 19. 521 Sobre a submissão do governo eletrônico ao princípio da legalidade, cf. infra, item 2.4.1.

522

Cf. SÁNCHEZ RODRÍGUEZ, Francisco, op. cit., p. 37. 523 Cf. G

ÓMEZ PUENTE, Marcos, op. cit., p. 118; OCHOA MONZÓ, Josep, Hacia la ciberadministración y el ciberprocedimiento?, cit., p. 157; OCHOA MONZÓ, Josep, MARTÍNEZ GUTIÉRREZ, Rubén, La permeabilidad de la actividad administrativa al uso de tecnologías de la información y de la comunicación, cit., pp. 84-85. 524

Cf. VALERO TORRIJOS, Julián, Administración pública, ciudadanos y nuevas tecnologías, cit., p. 2945. GARCÍA DE ENTERRÍA, por exemplo, descreve uma contradição entre o garantismo e o formalismo suposta- mente obsessivo dos juízes e a modernização e inovação administrativas, mostrando o que chama de exem- plos chocantes dessa modernização não garantista. O autor critica uma tendência geral à fuga do direito ad- ministrativo em nome da flexibilidade da ação administrativa e à elevação do princípio da eficácia adminis- trativa à mais elevada das categorias (Constitucionalización definitiva de las medidas cautelares contencioso- administrativas y ampliación de su campo de aplicación (medidas positivas), y “jurisdicción plenaria” de los Tribunales contencioso-administrativos, no limitada al efecto revisor de actos previos. Dos sentencias constitucionales, in Revista Española de Derecho Administrativo, n. 109, Madrid, Civitas, jul.-set. 1993, p. 477).

525 Cf. P

ALOMAR OLMEDA, Alberto, La utilización de las nuevas tecnologías en la actuación administrativa, cit., p. 366 e Un paso más en la aplicación de la tecnología en el procedimiento administrativo, cit., p. 92.

da para aspectos que ultrapassam a simples legalidade e estão relacionados com uma Ad- ministração que, além de atuar de modo legal, funciona efetivamente bem.

Se a celeridade da conduta administrativa vier a contribuir para a prática de condutas incompatíveis com o ordenamento jurídico, não há uma verdadeira eficiência administrativa526. Na verdade, medidas pretensamente adequadas ao bom andamento dos serviços que não atendam à legalidade tendem a produzir ineficiência no futuro527. Por outro lado, é preciso lembrar que o funcionamento eficiente da Administração constitui um meio indispensável para garantir o pleno respeito aos direitos dos cidadãos528. Além disso, os sistemas de informação, ao contrário do que muitos pensam, tendem a reforçar a forma- lização das atividades administrativas. Pode haver, como afirmado, uma simplificação dos processos, pela definição precisa de critérios e a eliminação de tarefas inúteis; entretanto, as informações úteis tendem a ser ainda mais registradas e conservadas, o processo pode ser mais minucioso e várias formalidades, antes impossíveis, passam a ser realizadas529.

Assim, a inconsistente antítese entre eficiência e garantias, especialmente a legalidade, deve ser superada530, pois a utilização de meios informáticos pode ser feita a fim de realizar os direitos antes existentes de modo ainda mais intenso, solucionando pro- blemas anteriores, sobretudo caso se tenha em mente que o funcionamento da Administra- ção pelos meios tradicionais sempre esteve longe de ser perfeito531. Hoje, já não se pode falar em opor eficiência e legalidade, mas em adaptar à nova realidade as necessárias e irrenunciáveis garantias tradicionalmente consagradas pelo direito administrativo, de sorte

526

Cf. SÁNCHEZ RODRÍGUEZ, Francisco, op. cit., p. 32. 527 É o que afirma M

ARÇAL JUSTEN FILHO: “O sacrifício dos controles formais acaba sendo sucedido pela

destruição da eficiência” (Pregão, cit., p. 284). 528 Cf. V

ALERO TORRIJOS, Julián, Las relaciones con la Administración Pública mediante sistemas electróni- cos, informáticos y telemáticos, cit., p. 260 e VALERO TORRIJOS, Julián, LÓPEZ PELLICER, José Antonio, Algunas consideraciones sobre el derecho a la protección de los datos personales en la actividad adminis- trativa, cit., p. 261.

529 Sobre a manutenção do formalismo dos processos, cf. também o item 4.6, infra. 530

Cf. VALERO TORRIJOS, Julián, Las relaciones con la Administración Pública mediante sistemas electróni- cos, informáticos y telemáticos, cit., pp. 261-262.

531 Assim já se afirmou: “Nada mais longe de produzir faltas de garantias com a utilização da informática, quando é precisamente a excessiva burocratização, a escassez de meios e a inadequação dos existentes, assim como a lentidão dos procedimentos – problemas que poderiam ser superados com a utilização dos computa- dores – os que estão ocasionando, em grande parte, uma insegurança e desproteção que abre margem à falta de credibilidade dos administrados na própria Administração e, em certos casos, até na justiça” (DAVARA

que a utilização das novas tecnologias da informação e comunicação também se torne um importante instrumento de garantia, podendo viabilizar o cumprimento das obrigações e o exercício de direitos por parte dos cidadãos532.

No documento Governo eletrônico e direito administrativo (páginas 110-113)

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