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Atividades realizadas com apoio da tecnologia

1.4. O alcance do governo eletrônico

1.4.3. Atividades realizadas com apoio da tecnologia

As novas tecnologias têm um vasto campo de atuação na Administração Pública231, pois todas as atividades públicas podem beneficiar-se de meios informáticos e telemáticos, tanto na atividade final como em seus estágios intermediários232. Além disso,

229 Cf. C

HISSICK, Michael, HARRINGTON, Justin, op. cit., p. 9. É importante notar que a administração eletrô- nica não está relacionada somente à possibilidade de conectar-se à Administração via internet, podendo haver também benefícios para o usuário quando um serviço é oferecido por meio de um agente, por guichê ou por telefone (cf. GRISTI, Éric, op. cit., p. 511).

230 Cf. F

OUNTAIN, Jane E., op. cit., p. 6. 231 Cf. T

RUCHE Pierre, FAUGERE, Jean-Paul, FLICHY, Patrice, op. cit., p. 15. 232 Cf. B

as ferramentas tecnológicas hoje disponíveis permitem realizar tarefas impensáveis no pas- sado, em razão de limitações de meios pessoais e econômicos233.

Em princípio, as novas tecnologias podem ser empregadas em atividades formalizadas e não formalizadas da Administração. A atividade administrativa formalizada está relacionada basicamente à produção de atos jurídicos, de acordo com um esquema prévio destinado a assegurar sua legalidade, sendo suscetível de revisão jurisdicional. Já a atividade não formalizada tem uma vocação de serviço e ajuda ao cidadão, sendo suscetí- vel de controle jurídico somente se sofre alguma espécie de formalização ou quando se discutem os efeitos, a validade e o acerto da informação dispensada234.

As atividades administrativas formalizadas, por seus efeitos, têm maior relação com o direito administrativo. Elas tendem a receber mais atenção nos estudos jurí- dicos, ressalvada a importância das atividades não formalizadas. O presente estudo não discrepa dessa tendência, inclusive no que concerne a ressalvar a relevância da incorpora- ção das novas tecnologias às atividades administrativas informais. De fato, parece cada vez mais difícil deixar de reconhecer a importância das atividades administrativas informais235, pois o Estado social, cuja missão inclui o oferecimento de prestações materialmente fruí- veis, já não se restringe à simples execução da lei, própria do Estado de polícia236.

Cabe ressaltar, contudo, as diferenças entre as questões e temas verifica- dos no emprego das tecnologias da informação e da comunicação em um e outro tipo de atividade237. Sistemas de informação facilitam atividades que ocorrem fora do âmbito de

233 É a conclusão que F

ORSTHOFF chegava ao tratar de mecanização administrativa, o que parece ainda mais aplicável aos dias de hoje (cf. op. cit., p. 99).

234 Cf. P

ALOMAR OLMEDA, Alberto, Gestión Electrónica de los procedimientos, cit., p. 411 e ÁLAMO

GONZÁLEZ, Nayra, La utilización de las nuevas tecnologías en las relaciones entre las Administraciones Públicas y los ciudadanos, in Revista Española de Derecho Administrativo, n. 133, Madrid, Civitas, jan-mar. 2007, p. 92.

235 Segundo B

ARNÉS VÁZQUEZ, o procedimento administrativo tradicional alcança somente as atividades administrativas formais, devendo uma teoria moderna do procedimento reconhecer as atividades informais, garantindo-lhes, por exemplo, transparência, igualdade de oportunidades e acesso imparcial à informação (cf. Sobre el procedimiento administrativo, cit., p. 319).

236 Cf. F

ORSTHOFF, Ernst, op. cit., pp. 87-88. 237 Cf. Á

LAMO GONZÁLEZ, Nayra, op. cit., p. 93 e OCHOA MONZÓ, Josep, Hacia la ciberadministración y el ciberprocedimiento?, cit., p. 158.

processos administrativos – servindo, por exemplo, para agendar consultas, organizar a ordem de atendimento em repartições públicas ou para ajudar a definir o medicamento a ser prescrito ou a cirurgia a ser feita, conforme o processamento de dados do histórico do paciente. A diferença é que, nestes casos, muitas vezes não ocorre a produção de um efeito jurídico específico. Todavia, não se pode restringir o governo eletrônico à esfera de abran- gência do direito administrativo, pois o Estado presta serviços de várias espécies, não so- mente aqueles de caráter burocrático e formal, que decorram de uma relação estrita entre fatos e normas238.

Segundo outra perspectiva, é possível identificar a utilização das tecno- logias da informação e da comunicação em atividades operacionais, gerenciais e estratégi- cas. Assim, elas são utilizadas em tarefas elementares e rotineiras, que antes tinham um uso intensivo de mão de obra239. Nesse sentido, os meios informáticos são usados como instrumento de processamento de dados, com o propósito de automatizar tarefas adminis- trativas, tais como o fluxo de documentos, ou mesmo a prática de decisões de caráter ope- racional240. Todavia, com sua evolução, a informática passou a ser empregada também em atividades gerenciais e estratégicas, com um nível ainda maior de sofisticação.

A tecnologia está transformando o processo de gerenciamento, com o fornecimento de novas e poderosas ferramentas para o cumprimento das funções clássicas

238 O modelo de atuação da Administração Pública, embora normativo, não exige que todas as atividades públicas sejam formalizadas, mas apenas que alguns elementos essenciais sejam levados aos processos admi- nistrativos formais. Não é necessário, por exemplo, que o médico descreva os pormenores da cirurgia para que seja por ela remunerado; é necessário saber que ela foi feita. A atividade formalizada é responsável por processar adequadamente essas informações relevantes, dando-lhes as devidas consequências jurídicas. Com o advento das tecnologias da informação e das comunicações, que possibilitam lidar com um número cada vez maior de informações, tende a haver um aumento dos elementos a serem representados em mecanismos formais. Assim, pode não ser ainda necessário descrever a cirurgia, porém é bem possível obter dados de pacientes – índices de satisfação, sequelas, óbitos –, para compará-los entre si e, eventualmente, por exemplo, oferecer uma gratificação ao funcionário, por meio de uma atividade administrativa formalizada. Dessa ma- neira, ainda que o governo eletrônico não esteja limitado a atividades formais, ele pode ser responsável pela formalização de atividades, levando à existência de um número maior de comportamentos juridicamente regulados.

239 Cf. S

TAIR, Ralph M., REYNOLDS, George W., op. cit., pp. 19-20.

240 É o que a tecnologia da informação chama de decisões estruturadas, tidas como repetitivas e rotineiras, envolvendo um procedimento pré-definido, de modo que não é necessário tratá-las toda vez como se fossem novas (cf. LAUDON, Kenneth C., LAUDON, Jane P., op. cit., p. 87).

de planejamento, organização, coordenação, decisão e controle241, bem como para a aferi- ção global do desempenho de determinado órgão ou do conjunto de atividades da Adminis- tração242. Também a atividade estratégica, que envolve a definição dos grandes rumos da Administração segundo uma perspectiva de longo prazo, pode ser auxiliada pelas tecnolo- gias da informação: neste caso, as autoridades têm à sua disposição elementos recebidos por meio das novas tecnologias, como é o caso das pesquisas e consultas efetuadas em ba- ses de dados públicas, muitas vezes de modo automatizado243. Tanto nas atividades geren- ciais como nas estratégicas, os sistemas de informação podem ser usados para subsidiar a tomada de decisões não usuais, relativas a problemas complexos que envolvem a avaliação de informações difíceis de obter ou de usar244.

É natural que a doutrina jurídica dê mais atenção à utilização das tecno- logias da informação e da comunicação nas atividades que envolvam a aplicação mais es- trita de normas jurídicas, por meio de processos administrativos que levam, ao fim, à práti- ca de atos administrativos suscetíveis de controle judicial245. Em sentido contrário, as deci- sões gerenciais e estratégicas são tomadas com um nível elevado de discricionariedade, não sendo seu acerto ou desacerto, na maioria das vezes, suscetível de apreciação em ter- mos propriamente jurídicos.

241 Cf. ibidem, pp. 19 e 85.

242 Atualmente as tecnologias não são usadas somente para registrar e guardar dados, como no início da au- tomação, mas para controlar todo o processo de produção (cf. BOVENS, Mark, ZOURIDS, Stavros, op. cit., p. 180). Existem, assim, os sistemas de informação gerencial, cuja função é “fornecer informações rotineiras a gerentes e tomadores de decisões”, oferecendo “relatórios-padrão gerados com dados e informações do sis- tema de processamento de transações” (STAIR, Ralph M., REYNOLDS, George W., op. cit., p. 21). Os sistemas de nível gerencial servem para atender às atividades de monitoração, controle, tomada de decisões e proce- dimentos administrativos dos gerentes médios, auxiliando-os na resposta à questão: “as coisas estão indo bem?” (cf. LAUDON, Kenneth C., LAUDON, Jane P., op. cit., p. 40).

243 No âmbito governamental, as atividades estratégicas são frequentemente realizadas por meio de lei. Nes- tes casos, é frequente que o Poder Executivo, normalmente gestor da informação estratégica e dotado de conhecimento específico para utilizá-la, apresente projetos de lei que contemplem estratégias definidas com o apoio da tecnologia de informação.

244 Cf. L

AUDON, Kenneth C., LAUDON, Jane P., op. cit., p. 45 e STAIR, Ralph M., REYNOLDS, George W., op. cit., p. 22.

245 Nesse sentido, fala-se na importância das tecnologias para “facilitação da atividade relacional, apoio nas tarefas administrativas e decisional”, entendidas tais tarefas decisionais como decisões estruturadas de apli- cação de normas jurídicas (cf. PALOMAR OLMEDA, Alberto, Un paso más en la aplicación de la tecnología en el procedimiento administrativo, cit., pp. 92-93).

É possível dividir as atividades de caráter operacional entre as que se situam no plano interno e as que estão no plano externo da Administração Pública. No pla- no interno, os meios informáticos e telemáticos podem ser usados no desempenho de dois tipos de atividades. As atividades informativas dizem respeito ao tráfego de informações entre os diversos sistemas informáticos e à produção de informação pelos diversos meca- nismos admissíveis para tanto (recebimento de informação por parte de usuários, funcioná- rios ou equipamentos). Já as atividades decisórias equivalem ao exercício de competências por meio de instrumentos informáticos, tema que traz questões jurídicas importantes para o governo eletrônico246, pois as novas tecnologias podem levar a uma total automatização de várias tarefas, por meio da adoção de sistemas programados que dispensem a atuação hu- mana em cada caso concreto.

Na dimensão externa da Administração, nem todos os serviços podem ser prestados mediante modalidades telemáticas247, pois há atividades que só se desenvolvem em caráter presencial248. Mesmo assim, elas podem ser beneficiadas pelos meios informá- ticos (por exemplo, compilando informações, agendando o atendimento, etc.). Em todos os casos, o denominador comum é a possibilidade de relacionar-se eletronicamente com a Administração Pública. Por meio da internet, as utilidades são oferecidas de maneira dire- ta, sem intermediários249. O portal público na rede mundial de computadores pode ser

246 Cf. A

SÍS ROIG, Agustín de, op. cit., p. 142. 247

Cf. CAMMAROTA, Giuseppe, Servizi pubblici in rete e applicabilità dei principi classici del servizio pub- blico, in Informatica e diritto, n. 1/2, Napoli, Edizioni Scientifiche Italiane, 2005, p. 185.

248 “A possibilidade de utilizar meios eletrônicos na execução dos atos administrativos encontra-se certamen- te limitada pela singular natureza dos meios previstos para tanto, já que na maior parte dos casos a atividade a ser realizada é substancialmente material e deve ser realizada de forma presencial” (VALERO TORRIJOS, Juli- án, El régimen jurídico de la e-Administración, cit., p. 222).

249 Cf. G

ARDINI, Gianluca, op. cit., p. 273 e DOMÍNGUEZ LUIS, José Antonio, El derecho de información administrativa, cit., p. 548.

compreendido como uma espécie de publicação oficial e como uma extensão da repartição pública, onde são prestados os serviços250.

É possível identificar, ainda, alguns tipos principais de serviços que po- dem ser prestados de maneira remota. Os mais simples seriam os informativos, pelos quais a Administração oferece informação, unilateralmente, ao cidadão251. De outra parte, no coração dos serviços prestados por meio da rede252 estão aqueles documentais ou burocrá-

ticos253, consistentes na entrega de um documento que permite ao usuário realizar uma atividade ou exigir da Administração uma determinada prestação (por exemplo, licenças e certidões)254. Há também os serviços transacionais, em que se estabelece uma relação complexa entre a Administração e o cidadão, com produção de efeitos jurídicos (por e- xemplo, reclamações e recursos eletrônicos, apresentação telemática de declarações tribu-

250 Cf. Q

UADROS, Jaqueline Maria, Governo eletrônico e direito administrativo, in ROVER, Aires José, Direi- to e Informática, Barueri, Manole, 2004, p. 245. CARLONI enfatiza a função do portal relativa à comunicação institucional (cf.I servizi in rete delle pubbliche amministrazioni, in MERLONI, Francesco, Introduzione all’e- government, Torino, G. Giappichelli, 2005, pp. 202-203). O autor diferencia o oferecimento de informação sobre serviços, que seria um primeiro grau de evolução, da possibilidade de obter modelos para requerimen- tos e solicitações, que corresponderia a outro grau de evolução. Oferecer formulários eletrônicos constitui algo preparatório em relação à atividade principal, não podendo ser classificada inteiramente como mera informação nem como o próprio serviço (cf.op. cit., p. 205). Segundo o autor, o portal serve como ponto de acesso central para os diversos sítios (sites) da Administração, entendidos como as páginas da internet pre- sentes em um servidor, acessíveis de modo unívoco por meio de um endereço associado ao ente público respectivo (ibidem, p. 197).

251 Cf. M

ARTÍNEZ GUTIÉRREZ, Rubén, Administración Pública Electrónica, cit., p. 229. 252 Cf. C

ARLONI,Enrico,I servizi in rete delle pubbliche amministrazioni, cit., p. 192. 253

Cf. CAMMAROTA, Giuseppe, L’erogazione on line di servizi pubblici burocratici, cit., p. 47. Segundo o mesmo autor, a doutrina italiana majoritária anteriomente excluía da categoria “serviço público” as atividades jurídicas da Administração, enquadradas como “função administrativa”. Mais recentemente, a noção de ser- viço público foi estendida também às atividades jurídicas da Administração Pública, incluindo nos serviços públicos os “serviços burocráticos” (cf. Servizi pubblici in rete e applicabilità dei principi classici del servi- zio pubblico, in Informatica e diritto, n. 1/2, Napoli, Edizioni Scientifiche Italiane, 2005, p. 186).

254 Cf. M

ARTÍNEZ GUTIÉRREZ, Rubén, Administración Pública Electrónica, cit., p. 230. O documento, no caso, não é necessariamente algo em papel, nem algo entregue fisicamente ao interessado. O conteúdo desses documentos tende a estar em bases de dados eletrônicas compartilhadas pelos órgãos públicos, não carecendo da intermediação por um documento em papel. Estes continuarão a ter grande importância enquanto não houver uma forma de a atividade estatal subsequente acessar a base de dados eletrônica correspondente ao resultado de uma atividade anterior. Sobre o tema, cf. infra, item 2.5.

tárias, pagamento eletrônico de tributos e participação em processos de contratação públi- ca)255.

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