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Responsabilidade patrimonial pela atuação por meios eletrônicos

No documento Governo eletrônico e direito administrativo (páginas 178-181)

CAPÍTULO 2 – BASES JURÍDICAS DO GOVERNO ELETRÔNICO

2.4. A equivalência de garantias

2.4.6. Responsabilidade patrimonial pela atuação por meios eletrônicos

Outra garantia essencial, a ser observada pelo governo eletrônico tanto quanto pela administração em papel, diz respeito à responsabilidade por danos causados a terceiros. Com efeito, a atuação da Administração Pública por meios eletrônicos, como qualquer atividade pública, está inteiramente sujeita à responsabilidade patrimonial. Embo- ra o anonimato da máquina possa provocar no usuário a impressão de estar diante de um aparato impenetrável que foge a qualquer censura832, a atividade administrativa efetuada com o uso de meios eletrônicos é plenamente imputável à Administração Pública, que deve responder por eventuais danos causados833. Assim, por exemplo, deve ser reconhecida a responsabilidade patrimonial por danos causados por erros, inexatidões e falta de atualiza- ção da informação pública oferecida ao cidadão pela Administração834.

Tal garantia é ainda mais essencial em vista do contexto de mudança em que ocorre a introdução das novas tecnologias. Sem responsabilidade da Administração

830 Cf. F

ERNÁNDEZ SALMERÓN, Manuel, VALERO TORRIJOS, Julián, La publicidad de la información adminis- trativa en internet, cit., p. 103.

831 Cf. F

ERNÁNDEZ SALMERÓN, Manuel, VALERO TORRIJOS, Julián, La difusión de información administrati- va en Internet y la protección de los datos personales, p. 328 e La publicidad de la información administrati- va en internet, cit., p. 119.

832 Cf. M

ASUCCI, Alfonso, Il documento amministrativo informatico, cit., p. 37. 833 Cf. C

ASTELLS ARTECHE, José Manuel, Aproximación a la problemática de la informática y administra- ción pública, cit., p. 53.

834 Cf. C

não é possível confiança na utilização das novas tecnologias, o que poderia diminuir a ade- são das pessoas aos serviços em meio digital835.

A responsabilidade administrativa deve ser entendida como uma respon- sabilidade tecnológica, relacionada ao funcionamento das máquinas utilizadas pela Admi- nistração Pública836. Isso é compatível com o regime de responsabilidade objetiva, adotado no Brasil, o qual impõe o dever de indenizar o dano apenas em razão da realização da ati- vidade, não exigindo demonstração de culpa pelo dano837. Mesmo assim, sobretudo para efeito de direito de regresso, é preciso levar em conta que o computador é desprovido de capacidade de iniciativa e decisão, não podendo ter nenhuma responsabilidade838. Em caso de falha nos sistemas informáticos, deve ser avaliada sua imputabilidade a uma pessoa físi- ca839, que deverá ressarcir a Administração por eventuais danos a terceiros nos casos de dolo ou culpa.

É bastante possível, contudo, que o caminho da responsabilidade não seja uma solução eficaz para situações de mau funcionamento de meios informáticos, pois o maior interesse do usuário é não ter problemas de espécie alguma, vendo simplesmente efetivado o seu direito. Além disso, na maioria das vezes, os danos tendem a ser de peque- nas proporções, o que não justificaria o ajuizamento de uma ação judicial. É o caso, por exemplo, de um portal que fica indisponível por alguns minutos, de uma remissão que en- caminha para a página errada da internet ou de um tempo de resposta ligeiramente maior que o esperado. São aspectos relacionados à qualidade do serviço, que, por suas caracterís- ticas específicas, não são atendidos de modo adequado pela responsabilidade patrimonial da Administração. Isso não significa, contudo, que deixem de merecer atenção por parte do legislador, dos operadores do direito e dos estudiosos que se ocuparem da matéria, pois os pequenos erros, quando atingem um grande número de pessoas, precisam ser vistos como

835 Cf. M

ARTÍN DELGADO, Isaac, La administración electrónica como reto del derecho administrativo en el siglo XXI, cit., p. 332.

836 Cf. F

ROSINI,Vittorio,Informática y Administración Pública, cit., p. 454.

837 Os danos causados pela atuação automatizada têm trazido maiores discussões nos ordenamentos que ado- tam a responsabilidade subjetiva. Analisando a questão, cf.CONTALDO, Alfonso, GORGA, Michele, op. cit., p. 196.

838 Cf. ibidem, p. 454. 839 Cf. C

ONTALDO, Alfonso, GORGA, Michele, op. cit., p. 192 e VALERO TORRIJOS,Julián, Administrative Law and eGovernment, cit., p. 47.

um problema de grande repercussão. A falta de litigiosidade judicial não deve disfarçar a existência de tal problema, muito menos as preocupações de caráter jurídico que o caracte- rizam.

Outro ponto importante a ser considerado, no âmbito da nova realidade informática, diz respeito à apuração do nexo causal, que tende a trazer diferenças em rela- ção às posições mais consolidadas em matéria de responsabilidade patrimonial do Estado. O assunto tende a ser objeto de algum amadurecimento conforme a casuística que vier a ser submetida aos tribunais. Contudo, há situações que já começaram a ser identificadas pela doutrina, como, por exemplo, a limitação da responsabilidade patrimonial aos danos provocados por informações que têm origem na própria Administração, não alcançando situações em que esta tem apenas a condição de intermediária, apenas transferindo a in- formação oferecida por terceiros840.

Por fim, vale mencionar a total ineficácia das cláusulas de exclusão de responsabilidade, que se tornaram uma prática universal nos portais públicos841. Por meio dessas cláusulas, a Administração simplesmente se exonera de todas as consequências re- lacionadas à possível inexatidão da informação que se consulte842. A responsabilidade pa- trimonial do Poder Público não pode ser afastada por uma declaração unilateral, feita com o objetivo de transferir ao usuário o risco tecnológico decorrente da prestação do serviço por meios eletrônicos. Ademais, a veiculação de informações não pode ser tratada com tal falta de seriedade na Administração Pública contemporânea: se as informações foram ofe- recidas em um portal, mediante o emprego de recursos públicos, os usuários tendem a to- má-las por verdadeiras, não sendo possível admitir que tenham sido publicadas em caráter oficioso, experimental ou precário. Isso violaria não apenas o princípio da confiança legí- tima, mas o disposto no art. 7º da Lei n. 12.527/11, segundo o qual o direito de acesso se refere a informação primária, íntegra, autêntica e atualizada (inc. IV).

840

Cf. CERRILLO I MARTÍNEZ, La difusión de información pública en internet, cit., pp. 32 e 35. 841 Cf. M

ARTÍNEZ GUTIÉRREZ, Rubén, Administración Pública Electrónica, cit., p. 230 e JINESTA LOBO, Er- nesto, op. cit., p. 10.

842 Cf. V

ALERO TORRIJOS, Julián, Acceso a los servicios y difusión de la información por medios electróni- cos, cit., p. 256.

No documento Governo eletrônico e direito administrativo (páginas 178-181)

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