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A neutralidade tecnológica

No documento Governo eletrônico e direito administrativo (páginas 137-139)

CAPÍTULO 2 – BASES JURÍDICAS DO GOVERNO ELETRÔNICO

2.4. A equivalência de garantias

2.4.2. A igualdade na utilização das tecnologias

2.4.2.2. A neutralidade tecnológica

O princípio da igualdade também deve aplicar-se à escolha das tecnolo- gias a serem utilizadas pela Administração, decisão que não deve acarretar consequências discriminatórias. Em tese, a escolha de uma determinada tecnologia está situada na esfera discricionária do Poder Público, mas tem evidentes efeitos regulatórios647. A preferência da Administração por um determinado meio ou produto pode distorcer a competição entre os fornecedores, favorecendo um ou alguns deles e tolhendo a iniciativa de outros648, de ma- neira a interferir com a liberdade para desenvolver avanços tecnológicos em um âmbito de livre mercado649. Caso seja imposto ao cidadão o uso de um determinado software, por exemplo, afeta-se seu direito de escolha à alternativa tecnológica que lhe interesse, o que tampouco parece aceitável.

Por isso, a melhor solução é definir, sempre que possível, especificações técnicas que possam ser atendidas por qualquer fabricante650, garantindo a universalidade do acesso independentemente dos meios empregados pelos usuários651. Fala-se, pois, em

neutralidade tecnológica652. A neutralidade tecnológica não deve ser vista como uma fina- lidade em si, mas como uma projeção do princípio da igualdade cuja finalidade é evitar abusos e favorecimentos.

A inexistência de uma disciplina específica da matéria, no ordenamento brasileiro, impede a adoção de um entendimento mais concreto a respeito da neutralida-

647 Cf., fazendo referência à escolha do software, B

ARNÉS VÁZQUEZ, Javier, Sobre el procedimiento adminis- trativo, cit., p. 305.

648

Cf. GÓMEZ PUENTE, Marcos, op. cit., p. 125. 649 Cf. G

AMERO CASADO,Eduardo, Objeto, ámbito de aplicación y principios generales de la ley de adminis- tración electrónica, cit., p. 96.

650 Cf. G

ÓMEZ PUENTE, Marcos, op. cit., p. 126. 651

Cf. VALERO TORRIJOS, Julián, El régimen jurídico de la e-Administración, cit., p. 69 e BLASCO DÍAZ, José Luis, Los derechos de los ciudadanos en su relación electrónica con la Administración, cit., p. 809.

652 Além deste significado, relacionado à referência a uma tecnologia particular, P

OULLET também aponta como conteúdo do princípio da neutralidade tecnológica a exigência de não reservar uma sorte diferente às operações realizadas por meio dos processos eletrônicos em relação àqueles consagrados pelas operações conduzidas pelos processos tradicionais (cf. La technologie et le droit, cit., pp. 958-959). Já a legislação de Québec emprega a expressão neutralidade tecnológica com significado próximo ao de equivalencia funcional entre suportes (cf. nota 404).

de653. Embora a adoção de uma tecnologia restritiva deva ser considerada suspeita, em ra- zão de seu possível caráter discriminatório, ela pode constituir uma providência adequada, baseada em critérios técnicos que apontem a necessidade de tal opção. Constitui um ônus do órgão responsável pelo sistema a ser construído, contudo, justificar a escolha com fun- damentos técnicos que mostrem a inexistência de discriminação em favor da tecnologia escolhida.

Dentre as questões relacionadas à neutralidade tecnológica, a mais im- portante diz respeito à possibilidade de que a Administração adote preferência pelo chama- do software livre, o qual permite, sem ônus financeiros, o conhecimento, alteração e redis- tribuição de seu conteúdo em linguagem de programação – o chamado código fonte. Em- bora haja alguma tendência prática nesse sentido654, convém ressaltar que, do ponto de vista estritamente jurídico, a opção pelo software livre também deve ser justificada de mo- do consistente, levando em conta as vantagens para o usuário e para a Administração655,

653 Na Espanha, por exemplo, o principio da neutralidade tecnológica foi adotado de modo expresso, para impedir que a Administração Pública estabeleça obstáculos de caráter técnico baseados na incompatibilidade dos programas e aplicativos que não respondam ao uso de padrões abertos (cf. VALERO TORRIJOS, Julián, El régimen jurídico de la e-Administración, cit., pp. 66-68).

654 O Governo Federal brasileiro, por exemplo, tem adotado expressamente uma política em favor do softwa- re livre, a partir do Decreto de 29 de outubro de 2003, havendo até mesmo um portal temático a respeito: http://www.softwarelivre.gov.br/. Sobre o mesmo tema, cf. também BRASIL, Guia Livre. Referência de Mi-

gração para Software Livre do Governo Federal, Brasília, 2005, disponível em

www.governoeletronico.gov.br/anexos/E15_469GuiaLivre_v099.pdf, acesso em 17.01.2011.

655 Na verdade, há muitos fatores que podem interferir na decisão de utilizar esta ou aquela tecnologia, de modo que não é possível pretender esgotar a questão, a qual foge aos limites deste estudo. É possível, por exemplo, que as tecnologias abertas sejam mais onerosas para a Administração. Neste caso, embora lhe in- cumbisse oferecer alguma flexibilidade tecnológica para viabilizar o relacionamento com o maior número de usuários, o Poder Público não tem o dever de arcar com esse ônus (cf. COTINO HUESO,Lorenzo, Derechos del ciudadano, cit., p. 217). Excepcionando também a situação de ônus econômicos desproporcionais, cf. VALERO TORRIJOS, Julián, El régimen jurídico de la e-Administración, cit., p. 69. Embora mais onerosa, a opção pelo chamado software livre pode justificar-se pela disponibilidade dos códigos fonte, que dá à Admi- nistração controle absoluto da atuação do software, evitando a introdução de códigos espiões e outras práticas indevidas. Por outro lado, a opção por uma tecnologia comercial pode decorrer de sua maior penetração entre os usuários (cf. GAMERO CASADO,Eduardo, Objeto, ámbito de aplicación y principios generales de la ley de administración electrónica, cit., pp. 97-98). Por fim, é possível que o órgão público invista recursos no de- senvolvimento de um software livre justamente com a finalidade de facultar seu uso a terceiros, o que não seria possível caso adquirida uma tecnologia de caráter comercial.

sobretudo no tocante às possíveis utilidades do programa conforme os fins pretendidos656, o que nem sempre é viável apenas mediante o emprego de critérios gerais e abstratos657.

No documento Governo eletrônico e direito administrativo (páginas 137-139)

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