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O documento administrativo eletrônico

CAPÍTULO 2 – BASES JURÍDICAS DO GOVERNO ELETRÔNICO

2.2. A documentação das atividades administrativas

2.2.1. O documento administrativo eletrônico

Na sociedade da informação, o conceito de documento tem abrangência maior que a tradicional343, incluindo, além do escrito em papel, o documento em suporte eletrônico344. No primeiro caso, as informações são registradas graficamente sobre uma lâmina de origem vegetal, com o uso de uma linguagem acessível ao homem; no segundo caso, as informações – referentes a texto, gráfico, sons ou imagens – são registradas em um suporte utilizável por um computador. Esse suporte pode ser magnético (v.g., disquete e disco rígido), ótico (v.g., CD e DVD)345 ou qualquer outro reconhecido pela máquina (v.g.,

chips usados em cartões de memória e pendrives346). O registro de uma informação em

341

Cf. DAVARA RODRÍGUEZ, Miguel Ángel, op. cit., p. 455. 342

Cf. OROFINO,Angelo Giuseppe,Forme elettroniche e procedimenti amministrativi, cit., pp. 77-78. A lei norueguesa, por exemplo, define documento como uma quantidade de informações que é guardada em um suporte para posterior leitura, audição, mostra ou transmissão, não fazendo referência a papel (cf. PRINS, J.E.J. (ed.) et al., E-Government and its Implications for Administrative Law, cit., p. 76).

343

Cf. MASUCCI, Alfonso, Il documento amministrativo informatico, cit., p. 15. 344 Cf. O

ROFINO, Angelo Giuseppe, Forme elettroniche e procedimenti amministrativi, cit., pp. 77-78 e DOMÍNGUEZ LUIS, José Antonio, La explosión informática, cit., p. 121; LINARES GIL, Maximino Ignacio, Identificación y autenticación de las administraciones públicas, in GAMERO CASADO, Eduardo, VALERO

TORRIJOS, Julián (coord.), Comentarios a la Ley de Administración electrónica - Ley 11/2007, de 22 de junio, de acceso electrónico de los ciudadanos a los servicios públicos, 1.ª ed., 2.ª imp., Cizur Menor (Navarra), Thomson-Civitas, 2009, p. 286. Na verdade, mesmo antes dos suportes eletrônicos, já havia documentos em outros suportes que não o papel. É o caso, por exemplo, dos documentos de reprodução mecânica (v.g., foto- gráfica, cinematográfica ou fonográfica), expressamente referidos pelo art. 383 do Código de Processo Civil. A respeito dessas formas marginais, cf. CONTALDO, Alfonso, GORGA, Michele, op. cit., p. 57.

345 Cf. S

ANZ LARRUGA,Francisco Javier, Documentos y archivos electrónicos, cit., p. 463. 346

É possível fazer referência a tais dispositivos como suporte eletrônico para o registro da informação, sen- do os demais designados como suporte magnético ou ótico. Sob uma perspectiva jurídica, essa distinção não traz consequência alguma. Por isso, este estudo não adota uma distinção terminológica entre os diversos tipos de meios para o registro da informação próprios das novas tecnologias, designando-os genericamente como suporte eletrônico, digital ou informático.

meio eletrônico ocorre por meio de sua codificação para uma linguagem binária347. Dessa maneira, documento eletrônico348 é aquele passível de ser gerado, alterado e lido por meio de um sistema informático349.

O documento eletrônico, assim, implica a modificação do suporte físico da informação e a maneira com que se faz acessível aos seres humanos350. A informação registrada em meio eletrônico não é inteligível diretamente ao homem351, sendo necessário um programa que converta em linguagem natural a expressão codificada e a represente em um suporte que possa ser visualizado352. Não se trata, portanto, de uma verdadeira forma

347

Cf. LINARES GIL, Maximino Ignacio, Modificaciones del Régimen Jurídico Administrativo derivadas del empleo masivo de nuevas tecnologías. En particular el caso de la Agencia Estatal de Administración Tribu- taria, in MATEU DE ROS, Rafael, LÓPEZ-MONÍS GALLEGO, Mónica, Derecho de Internet: La Ley de Servicios de la Sociedad de la Información y de Comercio Electrónico, Cizur Menor, Aranzadi, 2003, p. 729 e CO- ELHO, Fábio Ulhoa, op. cit., p. 42. Atribui-se um valor dúplice (zero ou um) à menor parte de material mag- nético ou ótico, dando-se a essa unidade mínima de informação o nome de bit. Um conjunto de bits a que é possível atribuir um significado é denominado byte (cf. CONTALDO, Alfonso, GORGA, Michele, op. cit., p. 66). Sobre a linguagem binária, cf. também JOLY-PASSANT, Elisabeth, L’écrit confronte aux nouvelles tech-

nologies, Paris, LGDJ, 2006, p. 59 e LOSANO, Mario G., Informática Jurídica, São Paulo, Saraiva-EDUSP,

1976, pp. 121-132.

348 Há quem afirme que a terminología correta seria documento informático ou documento informatizado (cf. DOMINGUEZ LUIS, José Antonio, El derecho de información administrativa, cit., pp. 543-544). A rigor, como a informática é uma parte da eletrônica, há documentos eletrônicos que não têm relação com a informática, como é o caso das mensagens transmitidas por fax (cf. DAVARA RODRÍGUEZ, Miguel Ángel, op. cit., p. 457). Feita essa ressalva, vale esclarecer que a expressão documento eletrônico é utilizada neste estudo, em vista de seu uso corrente entre operadores e usuários, sendo também utilizadas, como sinônimos, as expressões do- cumento digital e documento informático. Sobre as questões terminológicas, cf. também a nota 195.

349 Cf. R

ABBITO, Chiara, L’informatica al servizio della pubblica amministrazione e del citadino, cit., p. 57. 350 Cf. L

INARES GIL, Maximino Ignacio, Modificaciones del Régimen Jurídico Administrativo derivadas del empleo masivo de nuevas tecnologías, cit., p. 729.

351

Cf. COELHO, Fábio Ulhoa, op. cit., p. 42. 352 Cf. A

SÍS ROIG, Agustín de, op. cit., pp. 144-145 e DAVARA RODRÍGUEZ, Miguel Ángel, op. cit., p. 459. Fala-se, aqui, em documento eletrônico em sentido estrito, que não se confunde com o documento eletrônico em sentido amplo, ou seja, aquele preparado em um computador e depois impresso, o qual, sendo apreensível pelo ser humano e estando em suporte físico, em nada se diferencia do documento tradicional. Sobre a disti- nção, cf. CIAMPI, Isabella D‟Elia, L’informatica e le banche dati, in CASSESE, Sabino (org.), Diritto ammini- strativo speciale, t. II, 2.ª ed., Milano, Giuffrè, 2003, pp. 1676-1677; CONTALDO, Alfonso, GORGA, Michele, op. cit., p. 67 e MASUCCI, Alfonso, Il documento amministrativo informatico, cit., p. 34.

escrita353, pois o documento digital não é diretamente legível pelo ser humano, exigindo, para sua inteligibilidade, a restituição por intermédio de um computador354.

A informática traz uma nova maneira de entender a materialidade dos documentos e, em especial, dos documentos administrativos355. Isso se dá principalmente porque, no caso do documento eletrônico, é possível separar a informação do suporte – por exemplo, transferindo o documento de um disco rígido para um disco ótico, mantido ínte- gro o seu conteúdo, ou mesmo efetuando cópias idênticas de um mesmo arquivo digital356. Assim, o suporte não é um elemento constitutivo do documento eletrônico, como o é no documento em papel: é um acidente em relação à substância imaterial da natureza do do- cumento informático. Todavia, trata-se de um elemento acidental absolutamente necessá- rio, pois o registro das informações deve estar em algum lugar para produzir efeitos357.

A convivência entre os tipos de documentos causa situações que devem ser adequadamente compreendidas, sobretudo nas passagens de um suporte para outro, que

353 Cf. M

ASUCCI, Alfonso, Il documento amministrativo informatico, cit., pp. 14-15. Há quem afirme que o escrito agora poderia existir em suporte eletrônico (cf. BAUZÁ MARTORELL, Felio José, Procedimiento Admi- nistrativo Electrónico, cit., pp. 136-137). Segundo FANTIGROSSI, o documento digital constituiria realmente um escrito, por representar atos e fatos por meio de signos reconhecíveis e ter a capacidade de conservação e circulação (cf. op. cit., p. 58). Falando em escritos eletrônicos, cf. JOLY-PASSANT, Elisabeth, op. cit., p. 62. Também no sentido de que os escritos poderiam usar qualquer suporte, cf. FOUILLEUL, Nicolas, op. cit., pp. 83-84. De acordo com outra visão, o documento eletrônico supriria o requisito legal da forma escrita por meio de uma ficção jurídica (cf. GIURDANELLA, Carmelo, GUARNACCIA, Elio, Elementi di diritto amminis- trativo elettronico, Matelica, Halley, 2005, p. 28). A equiparação parece uma solução apropriada, uma vez que não exige identificar, artificialmente, documento eletrônico e documento escrito, mas oferece as conse- quências jurídicas adequadas. O mais importante, como menciona MASUCCI, é evitar que a discussão sobre a forma escrita se desenvolva com métodos e técnicas hermenêuticas formalistas ou anacrônicos, devendo-se ter em conta, em respeito aos princípios que são o fundamento da forma escrita, a evolução e a transformação dos meios da atividade administrativa (cf. L'atto amministrativo informatico, cit., p. 90).

354 Cf. C

ANTERO, Anne, op. cit., p. 333 e JOLY-PASSANT, Elisabeth, op. cit., p. 59. 355 Cf. M

AGÁN PERALES, José María Aristóteles, op. cit., p. 95. Sobre a revitalização do documento adminis- trativo como objeto de estudo, provocada pela modernização tecnológica da atidiade administrativa, cf. VA- LERO TORRIJOS, Julián, La gestión y conservación del documento administrativo electrónico, in El documen- to electrónico: aspectos jurídicos, tecnológicos y archivísticos, Castelló de la Plana, Universitat Jaume I, 2008, p. 27.

356

Cf. LINARES GIL,Maximino Ignacio,Identificación y autenticación de las administraciones públicas, cit., p. 287 e DUNI, Giovanni, L'amministrazione digitale, cit., pp. 11-12.

357 Cf. P

ONTI, Benedetto, op. cit., pp. 70-71. Muitos falam em documentos virtuais ou em desmaterialização, expressão de uso corrente na doutrina francesa (cf. CANTERO, Anne, op. cit., p. 21). Sobre a utilização de tais adjetivos, cf. supra, nota 195.

normalmente geram cópias do documento original358. É assim, por exemplo, na digitaliza- ção de escritos em papel, atividade essencial para o desenvolvimento do governo eletrôni- co359, que deve ser feita com mecanismos que assegurem a autenticidade do documento informático produzido360. É também o caso da reprodução impressa da informação que se encontra em suporte informático – o chamado printout361. Nesta situação, embora seja fre- quente acrescentar ao impresso signos e símbolos tradicionais, como a assinatura, para ratificar seu conteúdo362, a impressão em papel nada acrescenta ao documento eletrônico, plenamente constituído no mesmo momento em que surge na memória do computador363. Importa, tão somente, garantir que a informação atribuída ao sistema realmente provenha dele364. Assim, por exemplo, as cópias produzidas em papel, a partir de originais eletrôni- cos, devem incluir um código gerado eletronicamente que permita comparar a autenticida- de mediante o acesso aos sistemas informáticos da Administração365. Entre documentos eletrônicos, contudo, em geral já não é possível falar em cópia, mas em duplicação, pois o

358 A condição de cópia é adequadamente reconhecida, por exemplo, pelo Código de Processo Civil brasileiro (art. 365, V).

359 Cf. V

ALERO TORRIJOS, Julián, El régimen jurídico de la e-Administración, cit., p. 183. 360

Cf. MERLONI,Francesco,La documentazione amministrativa digitalizzata, cit., p. 99. O Código de Pro- cesso Civil admite, por exemplo, que o documento digitalizado seja apresentado “pelos órgãos da Justiça e seus auxiliares, pelo Ministério Público e seus auxiliares, pelas procuradorias, pelas repartições públicas em geral e por advogados públicos ou privados, ressalvada a alegação motivada e fundamentada de adulteração antes ou durante o processo de digitalização” (art. 365, VI), mas o responsável deve conservar o documento até o prazo para propositura da ação rescisória (§ 1º), podendo o juiz determinar o depósito do original em cartório (§ 2º).

361 Cf. B

AUZÁ MARTORELL, Felio José, Procedimiento Administrativo Electrónico, cit., p. 16 e DAVARA

RODRÍGUEZ, Miguel Ángel, op. cit., p. 458. 362 Cf. D

AVARA RODRÍGUEZ, Miguel Ángel, op. cit., p. 458. 363 Cf. D

UNI, Giovanni, L'utilizzabilità delle tecniche elettroniche nell'emanazione degli atti e nei procedi- menti amministrativi, cit.

364

Cf. DUNI, Giovanni, Teleamministrazione, cit., item 2.3. O inciso V do Código de Processo Civil brasilei- ro, acrescido pela Lei n. 11.419/06, dispõe que os extratos digitais de bancos de dados públicos fazem a mesma prova que o original, desde que atestado pelo seu emitente que as informações conferem com as ori- ginais. Tal dispositivo, assim, não exige que a certidão seja expedida por meio informático, podendo consti- tuir um documento manuscrito. Por outro lado, o § 2º do artigo 399 do mesmo Código, também incluído pela Lei n. 11.419/06, admite que as repartições públicas forneçam documentos em meio eletrônico “conforme disposto em lei, certificando, pelo mesmo meio, que se trata de extrato fiel do que consta em seu banco de dados ou do documento digitalizado”. A exigência de lei, bastante discutível por não limitar o uso da infor- mação sem atender a propósito algum, parece ter sido atendida com a edição da Lei n. 12.527/11, que não faz distinção entre os suportes em relação a documentos e informações (art. 4º, I e II).

365 Cf. V

ALERO TORRIJOS, Julián, La gestión y conservación del documento administrativo electrónico, cit., p. 54 e COTINO HUESO,Lorenzo, Derechos del ciudadano, cit., p. 205.

arquivo obtido a partir da reprodução do original é exatamente idêntico a este366. Só faz sentido falar em cópia eletrônica quando o formato do segundo documento, apesar de ele- trônico, não é idêntico ao primeiro367.

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