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Os meios informáticos e telemáticos e a realização do direito à informação

No documento Governo eletrônico e direito administrativo (páginas 146-151)

CAPÍTULO 2 – BASES JURÍDICAS DO GOVERNO ELETRÔNICO

2.4. A equivalência de garantias

2.4.4. A transparência administrativa e o direito à informação por meios informáticos

2.4.4.2. Os meios informáticos e telemáticos e a realização do direito à informação

Esse aumento das necessidades informativas ocorre em paralelo com a evolução verificada em relação à publicidade administrativa e ao direito de informação. Como tem sido notado, após a Segunda Guerra, sobretudo a partir dos anos setenta, vem ocorrendo a superação da tradição do secreto e do invisível, contrário ao caráter democráti- co do Estado699, de sorte que o direito de acesso à informação se tornou a regra e o segre- do, a exceção, reservada à proteção justificada de determinados interesses públicos ou pri- vados preponderantes700. Nesse contexto, em que se fala não somente em publicidade, mas em transparência administrativa, os novos meios tecnológicos desempenham uma função essencial. Com o desenvolvimento das tecnologias da informação e da comunicação, é possível aprofundar a evolução no sentido de superar a tradição de reserva e ocultismo na

697 Cf. ibidem, p. 183. A confiança do usuário nos novos sistemas depende da transparência do uso dos seus dados pessoais por parte do Poder Público. Sem essa transparência, cria-se um paradoxo: o cidadão se encon- trará em face de uma Administração que entende aproximar-se, mas ao mesmo tempo se torna cada vez mais opaca (cf. DE TERWANGNE,Cécile,LOBET-MARIS,Claire,POULLET,Yves,op. cit.,p.22).

698

Sobre a transparência como forma de garantir a confiança dos administrados no governo eletrônico, cf. DE

TERWANGNE,Cécile,LOBET-MARIS,Claire,POULLET,Yves,op. cit.,p.24. 699 Cf. M

EDAUAR, Odete, O direito administrativo em evolução, cit., p. 237 e SALON, Serge, SAVIGNAC, Jean- Charles, Le citoyen et l’administration, Paris, Berger-Levrault, 2006, p. 95.

700 Cf. D

Administração, sendo agora ainda mais necessário eliminar seu distanciamento em relação ao administrado701.

Não há dúvida sobre a relevância das novas tecnologias na realização do princípio da transparência702 e do direito à informação, em especial por meio da generalização da internet. Com efeito, trata-se de um novo paradigma, caracterizado por uma plataforma mais eficaz, instantânea, segura e acessível, que em apenas alguns anos adquiriu maior capilaridade e capacidade de penetração que os tradicionais sistemas de publicidade oficial703. A internet aumentou de modo substancial a informação em poder dos indivíduos por meio da acessibilidade à informação da Administração Pública704, sobretudo em razão da proliferação de potentes ferramentas de pesquisa705, sendo capaz de oferecer, de modo ágil, informações plenamente atualizadas706. Dessa forma, a utilização das novas tecnologias pode ter forte impacto na cultura administrativa, por reduzir a

701 Cf. D

OMÍNGUEZ LUIS, José Antonio, El derecho de información administrativa, cit., p. 555. A doutrina tem observado que “[o] acesso à informação evoluiu imensamente nas últimas décadas desde o reconheci- mento formal do secreto como princípio próprio da atuação das Administrações Públicas até o reconhecimen- to de direitos subjetivos de acesso à informação em poder dos poderes públicos e a criação de serviços de informação administrativa que utilizam a internet como canal de difusão” (CERRILLO I MARTÍNEZ, Agustí, E- información, cit., p. 1, tradução livre).

702 Cf. O

LIVO, Luis Carlos Cancellier de, Desafios do direito administrativo diante do Estado em rede, cit., pp. 19 e 27; CERRILLO I MARTÍNEZ, La difusión de información pública en internet, in CERRILLO I MARTÍ- NEZ, Agustí e oo., La administración y la información, Madrid, Marcial Pons, 2007, p. 11 e GARCÍA-POGGIO, Paz, Hacia una nueva Administración pública en la sociedad de la información, in Actualidad Informática Aranzadi, n. 32, Navarra, Aranzadi, 1999, p. 10.

703

Cf. FERNÁNDEZ SALMERÓN, Manuel, VALERO TORRIJOS, Julián, Protección de datos personales y Admi- nistración electrónica, cit., p. 123. No mesmo sentido, cf. CAMARGO, Guilherme Bueno de, Governança Republicana como vetor para a interpretação das normas de direito financeiro, São Paulo, USP, 2010, p. 130. Não se trata, é claro, de substituir completamente os demais meios de acesso à Administração (cf. GRIS- TI, Éric, op. cit., pp. 510-511). Além disso, nada obstante a relevância da internet, há uma tendência à admi- nistração multicanal, que difunde informação e presta serviços mediante diferentes mecanismos em função da pessoa interessada, tais como telefone, fax, telefone celular, computadores portáteis e televisão com aces- so à rede (cf. CERRILLO I MARTÍNEZ, La difusión de información pública en internet, cit., p. 15).

704 Cf. C

ERRILLO I MARTÍNEZ, Agustí, E-información, cit., pp. 2 e 9. 705 Cf. F

ERNÁNDEZ SALMERÓN, Manuel, VALERO TORRIJOS, Julián, Protección de datos personales y Admi- nistración electrónica, cit., p. 122.

706 Cf. V

assimetria de informação entre o usuário e a Administração e, portanto, a desigualdade entre eles707.

O acesso telemático propiciado pela internet é capaz de afastar problemas próprios dos mecanismos baseados na presença física do cidadão nas repartições públicas708, tais como as dificuldades relacionadas à locomoção até elas709, as longas filas de espera, a limitação de horários710 e de consultas simultâneas711 e a possível interferência sobre o funcionamento normal da atividade administrativa712. Com as novas tecnologias, por exemplo, é possível ter conhecimento atualizado sobre o andamento de um expediente713 ou mesmo a respeito do desempenho de programas governamentais714.

Por tais razões, a principal utilização que os cidadãos fazem da internet, quando se relacionam com a Administração Pública, é a busca de informação pública715. O acesso à informação é o primeiro passo do desenvolvimento do governo eletrônico, constituindo a base para estágios mais avançados, que envolvem a participação eletrônica e a aplicação da telemática aos processos administrativos716.

Ao contrário do que ocorre nos meios tradicionais de comunicação, nos quais alguns poucos decidem a informação a ser oferecida, a internet permite que o usuário acesse o que lhe interessa em um universo amplo de dados717. Assim, por meio da rede

707 Cf. S

AURET, Jacques, op. cit., p. 288. Há quem mencione, assim, uma democratização da informação, associada ao fato de esta estar disponível tanto para os servidores públicos quanto para os demais cidadãos (cf. LIMBERGER, Têmis, Transparência administrativa e novas tecnologias: o dever de publicidade, o direito a ser informado e o princípio democrático, in Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, FGV-Atlas, jan.-abr. 2007, pp. 260 e 262-263).

708 Cf. V

ALERO TORRIJOS, Julián, Protecção de datos personales y administración electrónica, cit., p. 45 e VALERO TORRIJOS, Julián, El acceso telemático a la información administrativa, cit., p. 42.

709 Cf. O

ROFINO,Angelo Giuseppe,Forme elettroniche e procedimenti amministrativi, cit., p. 211. 710 Cf. F

ERNÁNDEZ SALMERÓN, Manuel, VALERO TORRIJOS, Julián, La publicidad de la información adminis- trativa en internet, cit., p. 80.

711

Cf. RIVERO ORTEGA, Ricardo, El expediente administrativo, cit., p. 167. 712 Cf. F

ERNÁNDEZ SALMERÓN, Manuel, VALERO TORRIJOS, Julián, La publicidad de la información adminis- trativa en internet, cit., p. 79.

713

Cf. GOMEZ PUENTE, Marcos, op. cit., p. 112. 714 Cf. R

ONDEAU, Jean-Claude, op. cit., p. 12. 715 Cf. C

ERRILLO I MARTÍNEZ, La difusión de información pública en internet, cit., p. 14. 716 Cf. ibidem, p. 12.

717 Cf. P

mundial de computadores, é possível passar da informação passiva à informação ativa718. No passado, o acesso à informação estava limitado a determinadas circunstâncias concre- tas, previstas nas normas pertinentes, e exigia prévia solicitação. Cabia à Administração atender de modo passivo as demandas advindas do público e dar acesso à informação soli- citada, sendo pontuais as hipóteses em que o Poder Público se encarregava de tomar a ini- ciativa de oferecer informações – v.g., por meio da publicação de editais. Recentemente, a Administração passou a tomar essa iniciativa de modo mais amplo719, sem a necessidade de uma solicitação prévia720. As novas tecnologias permitem, além da difusão da informa- ção, sua pesquisa, seleção e integração, assim como sua apresentação em um formato que possa ser útil e compreensível para os administrados721 – por exemplo, por meio dos por- tais oficiais e bases de dados passíveis de localização por meio dos chamados motores de busca722.

É claro que as vantagens decorrentes da veiculação de informações pela rede mundial de computadores não importam na utilização exclusiva de meios eletrônicos na realização da publicidade, em vista dos possíveis riscos discriminatórios, a serem en- frentados de acordo com os critérios já apresentados neste estudo723. Nesse sentido, deve- se considerar que a publicação obrigatória de determinados atos só pode ocorrer exclusi- vamente por meio da internet caso seja apurado que isso não importaria em redução signi- ficativa dos efeitos da difusão de tal informação724, o que deve levar em conta o perfil do

718

Cf. FERNÁNDEZ SALMERÓN, Manuel,VALERO TORRIJOS, Julián, La difusión de información administrati- va en Internet y la protección de los datos personales, cit., p. 317 e La publicidad de la información adminis- trativa en internet, cit., pp. 96-97.

719 Cf. D

E ROY, David, DE TERWANGNE, Cécile, POULLET, Yves, op. cit., p. 296. 720

Cf. CERRILLO I MARTÍNEZ, Agustí, E-información, cit., p. 13. 721 Cf. C

ERRILLO I MARTÍNEZ, La difusión de información pública en internet, cit., p. 21. 722 Cf. M

ISTICHELLI,Sara,L’informazione e la comunicazione pubblica, in MERLONI, Francesco, Introduzio- ne all’e-government, Torino, G. Giappichelli, 2005, pp. 176-177. Há quem fale, neste caso, haver uma publi- cidade real, pelo alcance da divulgação das informações, em oposição à publicidade fictícia proporcionada pelos meios em papel, cujo número de leitores efetivos é restrito (cf. SANTOLIM, Cesar, op. cit., p. 95). 723 Cf. item 2.4.2.1. A respeito das repercussões específicas da exclusão digital sobre a publicidade, cf. S

AN- TOLIM, Cesar, op. cit., p. 95.

724 Mencionando esse critério, de molde a não admitir a publicação exclusiva por meios eletrônicos, em vista da conjuntura da evolução tecnológica no Brasil, cf. BINENBOJM, Gustavo, O princípio da publicidade admi- nistrativa e a eficácia da divulgação de atos do poder público pela internet, in Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, n. 13, Belo Horizonte, Fórum, abr.-jun. 2006, p. 97.

público a ser atingido e sua familiaridade com as novas tecnologias725. Por outro lado, ten- do em consideração que os meios telemáticos oferecem efetivamente condições plenas de publicidade, verifica-se, neste tema específico, mais uma razão para que o Poder Público garanta condições para o acesso à conexão com a internet726.

Não há dúvida de que as potencialidades das novas tecnologias, para tra- zerem resultados efetivos, precisam de uma atuação concreta por parte do Poder Público. Em tese, aliás, as novas tecnologias podem gerar tanto uma administração transparente quanto uma administração opaca727, pois os sistemas informáticos não atuam por si, mas de acordo com a programação efetuada pelo ser humano. Para que isso não ocorra, é preciso ter em conta que o adequado oferecimento de informações por meios telemáticos, sobretu- do pela internet, não constitui uma benevolência por parte do Poder Público, mas uma exi- gência do princípio da transparência, própria do atual contexto tecnológico. Para a realiza- ção efetiva de tal princípio, é preciso interpretá-lo de modo atualizado, considerando como dever da Administração também a publicação e o acesso por meios telemáticos.

725 J

ESSÉ TORRES PEREIRA JÚNIOR eMARINÊS RESTELATTO DOTTI,por exemplo, entendem que a divulgação exclusiva de editais de licitação em mídia eletrônica, sem publicação na imprensa oficial, confrontaria com o princípio da publicidade, pois nem todas as empresas contam com acesso à rede mundial de computadores, problema semelhante ao verificado nos concursos públicos divulgados exclusivamente pela internet que admitem inscrições somente por este meio (cf. A licitação no formato eletrônico e o compromisso com a eficiência, cit., pp. 57-58). Todavia, em relação à realidade das empresas, esta crítica não parece sustentar-se, uma vez que elas devem prover-se dos meios necessários para suas atividades, sendo o acesso à internet, atualmente, um insumo indispensável – e até mais econômico que o próprio acesso à publicação oficial em papel. Quanto aos concursos públicos, a inexistência de questionamentos expressivos quanto a um possível caráter discriminatório decorrente da utilização de meios informáticos para publicações e inscrições parece dever-se à frequente compatibilidade entre o elevado nível de formação exigido nos certames – que, em ge- ral, avaliam aptidões intelectuais – e a familiaridade do candidato com as novas tecnologias, o que, em regra, afasta o caráter discriminatório ou o torna inócuo.

726

Assim, “[o] próprio conceito de direito à informação, nesse contexto, ganharia uma nova dimensão e qua- lidade, na medida em que não existirá o direito à informação desvinculado do direito de conexão” (OLIVO, Luis Carlos Cancellier de, Controle social em rede da Administração Pública virtual, cit., p. 185). Sobre as políticas públicas destinadas a essa finalidade, cf. supra, nota 618.

727 Cf. P

No documento Governo eletrônico e direito administrativo (páginas 146-151)

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