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A década de 1920 e a degenerescência da Revolução

CAPÍTULO I – DESIGN E LUTA DE CLASSES: TEORIA E

3. DESIGN, VANGUARDAS E REVOLUÇÕES SOCIAIS

3.4 Vkhutemas: para além de uma “Bauhaus soviética”

3.4.2 A década de 1920 e a degenerescência da Revolução

O Vkhutemas foi criado em 1920, por um decreto assinado por Lênin e fechado, em 1930, por um decreto assinado por Stálin. No entanto, seu curso preparatório conhecido por SVOMAS (Atelier Artístico Livre Estatal), já existia desde 1918, sendo precursor da escola. Portanto, essa importante experiência artístico- pedagógica surgiu durante os mais duros anos da Revolução, perpassando a Guerra Civil ocorrida entre junho de 1918 e março de 1921, o chamado “comunismo de guerra”. Com a concretização da tomada do poder pelos bolcheviques, em outubro de 1917, as nações que se enfrentavam na I Guerra assinaram a paz e se voltaram contra um novo inimigo em comum: a revolução proletária. Para tal, as burguesias desses países obtiveram “(...) apoio activo da burguesia e da aristocracia rural russas, bem como dos camponeses ricos” (BERNARDO, 1975, p.152).

Apesar da polêmica no interior do Partido Bolchevique sobre como enfrentar a Guerra Civil, venceu a linha da militarização, constituindo-se o Exército Vermelho com Trotsky à frente, que mantinha a antiga estrutura militar do czarismo. Esse esforço demandou a centralização de praticamente toda a produção em função das demandas militares. Apesar da vitória bolchevique sobre os “exércitos brancos”, a

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Guerra Civil teve como desdobramento nefasto, além da fome e destruição generalizadas, a militarização das relações sociais e econômicas, considerada uma das causas da degenerescência da Revolução. Como um dos últimos episódios da Guerra Civil, deu-se a aniquilação pelo Exército Vermelho da Comuna de Kronstadt, em 1921, acusada de “contrarrevolucionária”87

. Para Bernardo (1975), tratava-se de uma vanguarda revolucionária, exterior ao partido bolchevique, organizada em torno dos marinheiros e que tinha como plataforma:

(...) restabelecer as instituições soviéticas, separar o partido bolchevique das instituições do poder político e dar liberdade de expressão e de constituição aos partidos operários, e subordinar a produção ao controle dos produtores socialmente organizados (1975, p.167).

Ou, mais diretamente, “todo o poder ao sovietes e não ao partido”, em resposta à prática bolchevique incoerente com palavra de ordem de Lênin proferida nas famosas “Teses de Abril”, às vésperas da revolução. Com o término do “comunismo de guerra”, é implantada a Nova Política Econômica (NEP), em 1921. Foi um polêmico conjunto de medidas econômicas que tinham a missão, como justificaram seus idealizadores, de acabar com a fome engendrada nos conturbados anos anteriores e, ao mesmo tempo, ceder às pressões do campesinato, devido à aliança proletário- camponesa. A NEP consistiu em uma “liberalização” da economia soviética, instaurando um sistema misto, onde a propriedade privada e certa economia de mercado voltaram a se reproduzir. De acordo com Bernardo (1975, p.159), a NEP apresenta três características básicas:

O desaparecimento dos sovietes como forma de realização do poder político em extinção; a fusão institucional do partido bolchevique no Estado, reforçando a hierarquização social e perpetuando-a; a assimilação da forma da distribuição ao modo de produção, com a perseguição ao colectivismo distributivo e, em suma, a realização da distribuição enquanto momento da realização da lei do valor.

O processo desencadeado durante a NEP levou a uma total autonomização dos gestores sobre a produção, tornando sua representação política independente das massas trabalhadoras, além da apropriação “dos meios de produção estadualizados

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Sobre a organização da Comuna, as insurreições e o massacre em Kronstadt, conferir o clássico sobre o tema, na obra de Ida Mett (2006).

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através do controle do aparelho de Estado” (idem, p.168). Portanto, ao contrário do que geralmente se afirma “a NEP não existiu contra o ‘comunismo de guerra’, mas foi a conclusão negativa do processo contraditório em que a guerra civil se constituiu” (idem, p.159, gifado no original).

A NEP também trouxe consequências sobre o plano cultural. Anatoly Lunatcharsky (1969), comissário do NARKOMPROS (Comissariado do Povo para a Instrução Pública), órgão ao qual o Vkhutemas era ligado, considerou a NEP um verdadeiro retrocesso do ponto de vista das artes, dentro do contexto revolucionário. Foi um retorno das formas privadas e estritamente comerciais de produção e circulação da arte. Discutindo a importância do teatro para a revolução, Lunatcharsky (1969, p.72) afirma que, sob a NEP, “(...) vemos surgir um teatro corruptor, a diversão picaresca que constitue um dos venenos do mundo burguês”.88

Bettelheim (1983) atribui a “crise da NEP”, entre outros fatores, à crise econômica ligada à colheita de cereais, entre 1927 e 192889. Na realidade, a “economia mista” (MATTICK, 2010) encontrava-se em contradição com o poder gestorial estabelecido pela nova classe. Daí o sentido da “grande virada” estabelecida por Stálin, em 1929. Este período foi marcado por uma aceleração do complexo e violento processo de “coletivização forçada” da produção agrícola. Essa “coletivização” foi a própria condição para a realização dos Planos Qüinqüenais, e surgiu como “primeira grande realização da nova função do Estado: um “duplo papel de opressão/repressão”, enquanto “forma das novas relações de propriedade” (BERNARDO, 1975, p.170). Como não se atingiu a inversão necessária na relação entre as classes, para a concretização de novas relações sociais de produção, engendrou-se um capitalismo de novo tipo. Assim se consolidou a base material que informa a “ideologia do Plano”, descrita por Tafuri (1985).

No ano de 1930, durante o I Plano Quinquenal (1928-1932), Stálin pôs fim à experiência vanguardista nas artes, entre outras medidas, fechando o Vkhutemas. Mas,

88 “(...) vemos surgir un teatro corruptor, la diversión picaresca que constituye uno de los venenos del mundo burgués” (traduzi).

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Devido a isto, foram adotadas “medidas excepcionais” que aumentavam drasticamente os encargos sobre a produção camponesa, para tentar garantir os níveis de cereais necessários para abastecer as cidades e, principalmente, para a exportação, fator necessário à “acumulação primitiva” que garantiria o projeto de industrialização pesada que já iniciara. Como conseqüências da passagem do final da NEP para o momento conhecido como a “grande virada”, “o conjunto das relações cidade-campo é abalado e, sobretudo, a aliança operário-camponesa é atingida” (BETTELHEIM, 1983, p.39, itálico no original).

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durante todo o período, descrito aqui de forma mais do que breve, a Instituição sofreu a influência das contradições sociais, políticas e econômicas que marcaram a década. Um exemplo está na própria temática da “coletivização”, que foi o centro do debate entre “urbanistas” e “desurbanistas”, que tinham como meta a construção de “novos modos de vida” no âmbito da nascente “sociedade socialista” (MATIAS, 2010).