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CAPÍTULO I – DESIGN E LUTA DE CLASSES: TEORIA E

1. CONCEPÇÃO X EXECUÇÃO: O CARÁTER SOCIAL DA DIVISÃO DO

1.2 O trabalho projetual como atividade genérica

Existem autores que procuram o design em sociedades pré-capitalistas, a partir de uma definição estritamente antropológica de projeto (PAPANEK, 1995, 2000). Tais abordagens contrastam com o que se discutiu até aqui. A seguinte passagem é exemplar acerca desta questão:

Quer esteja, há cerca de três milhões de anos, a transformar uma pedra em ponta de lança para caçar, quer a trabalhar como oleiro na China durante a dinastia Sung, quer ainda a construir a proa de um barco viking, ou a desenhar cartas celestes para navegar no longínquo Pacífico, a construir uma igreja barroca na Áustria ou a conceber um programa informático de diagnóstico médico, o nosso designer adapta-se magnificamente (PAPANEK, 1995, p.10).

Apesar de seu lirismo antropológico, este tipo de abordagem incorre num profundo aistoricismo, na medida em que tenta encontrar design em experiências anteriores à Revolução Industrial, com o objetivo de “valorizá-las”. Assim, qualquer expressão de trabalho intelectual, ou de concepção, aplicado na produção de objetos de uso em qualquer época, merece ser definido como design. Essa abordagem tem tanta força no campo teórico crítico da área que, mesmo um autor que realizou recentemente um importante trabalho de pesquisa, construindo sua análise a partir do materialismo histórico, considera que “(...) o processo de Design se conjuga ao processo de evolução do homem em busca de sua integração e apropriação da natureza – sob um fazer criativo (...)” (ESQUEF, 2011, p.68). Portanto, “os homens, sob um caráter antropológico- formativo, são designers” (idem, p.79).

Desta forma, ao se definir a atividade conceptiva em sua expressão

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histórico em que tais objetos foram produzidos, do ponto de vista das relações sociais de produção de seu tempo. Afinal,

Um casaco é um casaco. Mas, fazei o intercâmbio de uma certa forma e tereis a produção capitalista e a sociedade burguesa moderna; fazei de outra e tereis uma produção artesanal compatível com condições asiáticas ou medievais etc. (MARX apud ROSDOLSKY, 2001, p.78-79).

Ainda Marx (S/D, p.63), acerca do caráter histórico dos produtos, lembra que, “um banco de quatro pés forrado a veludo representa, em certas circunstâncias, um

trono: mas isso não siginifica que tal banco, uma coisa que serve para nos sentarmos,

seja pela natureza do seu valor de uso, um trono”. E conclui: “Esse absurdo, o de tomar uma relação social de produção determinada, representada em coisas, salta à vista mal abrimos o primeiro manual de economia [ou um livro de design] que nos caia nas mãos (...)” (id. ibid., itálico no original). Ou, como afirma Rosdolsky (2001, p.79), “(...) para julgar se o valor de uso tem significação econômica ou não, a referência é a relação que ele estabelece com as relações sociais de produção”. Infelizmente, esta premissa metodológica básica sempre escapa à teoria do design.

Ou seja, quando certos autores definem como design diferentes experiências estéticas e produtivas pré-capitalistas, acreditam estar “elevando-as” ao patamar de “objetos de design”, surpreendentemente, com o objetivo de combater posições supostamente etnocêntricas. No entanto, quantas dessas práticas são estritamente projetuais? Evidenciar as diferenças históricas em tais experiências, de forma alguma significa desprezá-las, ou inferiorizá-las. Muito pelo contrário, a sua valorização só pode ocorrer respeitando-se seu estatuto histórico.

Além disso, mesmo que o foco de tais análises seja igualar valorativamente os trabalhos de concepção, em qualquer época ou situação, confunde-se a forma genérica do trabalho intelectual com suas diversas manifestações concretas. Só assim Papanek (2000) pode afirmar que “todos os homens são designers”. Mais ainda, esse tipo de abordagem toma a potencialidade, presente na possibilidade de todo ser humano tornar-se designer, pela efetividade, inerente a essa afirmação. Logicamente, há uma intencionalidade crítica em tal assertiva, tentando romper com determinadas definições hierarquizantes que colocam o design no topo da cadeia das atividades conceptivas. Mas, esta argumentação perde força devido ao seu caráter ahistórico. Isso

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também prejudica a apreensão da natureza da atividade projetual sob relações sociais de produção capitalistas. Entre a potencialidade e a efetividade, há apenas um detalhe: todo o complexo contraditório da vida social. Afinal, se “todos os homens são designers”, é preciso refletir sobre quem materializa esses projetos em mercadorias, e em que condições.

Como afirma Marx (2011, p.41) nos Grundrisse, “a produção em geral é uma abstração”. Assim como o trabalho em geral e sua variação, o trabalho intelectual

em geral, não existem empiricamente. Trata-se de um recurso metodológico, “uma

abstração razoável, na medida em que efetivamente destaca e fixa o elemento comum, poupando-nos assim da repetição” (id. ibid.). Marx (2001, p.43) alerta para as abordagens, na Economia Política, que confundem ou extinguem “todas as diferenças históricas em leis humanas gerais”, num procedimento similar ao discutido aqui. O autor dá um exemplo claro ao mostrar que um escravo, um servo ou um trabalhador assalariado, ambos são de alguma forma “remunerados”. Mas, “todos recebem uma cota da produção social determinada por leis diferentes” (id. ibid.). Tentar provar que ser um trabalhador assalariado é simplesmente a mesma coisa que ser um escravo, em nada “eleva” a condição social da escravatura.

Neste sentido, Acha (1988) afirma corretamente que a atividade projetiva do

design, nos termos definidos até aqui, nunca existiu anteriormente à Revolução

Industrial enquanto uma manifestação de trabalho intelectual especializado, implicado na concepção, ou criação, de inovações formais/funcionais requeridas pela fabricação massiva de produtos industriais de uso cotidiano. Para ser teoricamente mais preciso, na produção de mercadorias. Este importante crítico de arte peruano chega a afirmar que “los diseños” – forma como se refere às diferentes atividades projetuais –, “(...) apresentam leis internas e fins igualmente novos, próprios da indústria de massa” (1988, p.83)21. Acha (1988) vai utilizar estes critérios para diferenciar o design, das artes e da artesania. Ainda que considere ambos como atividades estético-culturais, o autor vai definir estes três campos como diferentes “sistemas de produção estética especializada”, chegando a falar de uma “divisão social do trabalho estético”. O que não significa que o

design seja superior à arte. Por outro lado, o autor enfatiza que é despropositado tentar

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definir uma data exata para o “nascimento” do design, na medida em que se trata de um processo histórico complexo.

A diferenciação entre arte, artesanato e design é um assunto que foge aos objetivos desta pesquisa. Além disso, esse tema já foi incansavelmente explorado nas mais diversas concepções. No entanto, os critérios metodológicos de Acha (1988, p.59) se aproximam da discussão apresentada acima, buscando uma diferenciação histórica no âmbito das relações sociais de produção. O crítico peruano define as diferentes atividades estético-culturais a partir de categorias da Economia Política, como produção, produto, produtor, distribuição e consumo22. Infelizmente, tentando ser didático acaba por ser demasiadamente esquemático em sua explanação. Mas, antes de aprofundar a questão das cisões no trabalho, será apresentada a relação entre trabalho manual e intelectual como formas distintas da mesma essência (DIETZGEN, 1975).

1.3 A unidade trabalho manual-intelectual: um debate a partir de Joseph