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Weimar e a criação da “Casa da Construção”

CAPÍTULO I – DESIGN E LUTA DE CLASSES: TEORIA E

3. DESIGN, VANGUARDAS E REVOLUÇÕES SOCIAIS

3.3 O “mito de origem”: a Bauhaus

3.3.2 Weimar e a criação da “Casa da Construção”

A República de Weimar tornou-se um mito. Infelizmente, os mitos em pouco contribuem para explicar os processos históricos, tornando-se um locus de cristalização de ideologias. No entanto, a mitificação da experiência weimariana não é injustificada, e o seu ponto nevrálgico é a Cultura de Weimar (GAY, 1978). A efervescência cultural que atravessou os anos 1918-1933, no coração do estado alemão

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da Turíngia, não pode ser desprezada: “ensino, sexualidade, arquitetura, teatro, cinema – quantas realizações e experiências em todos os domínios!” (RICHARD, 1988, p.11); sem esquecer da música, da literatura, da poesia e, até mesmo, do design. Por tudo isso, Weimar, sozinha, é um capítulo da história do vanguardismo na arte moderna. No entanto, foge dos nossos objetivos tentar resumir tamanha produção, ficando como sugestão uma visita aos dois autores anteriormente citados, para se ter uma abrangente impressão sobre a “atmosfera intelectual” da época.

Apesar do mito, “a República nasceu derrotada, viveu em tumulto e morreu em desatre”, palavras duras para um entusiasta da “ideia weimariana”, como Gay (1978, p.16). Do ponto de vista da luta de classes, foi um golpe na Revolução Alemã, uma tentativa de frear o ímpeto comunista da época. O aclamado “espírito democrático weimariano” cai por terra, diante do artigo de sua Constituição que neutralizava os conselhos operários e, do autoritário artigo 48, que dava poderes ditatoriais ao Presidente do Reich, utilizado posteriormente tanto para reprimir a oposição comunista como, pasme-se, para nomear Hitler como Chanceler, em 1933 (GAY, 1978; RICHARD, 1988; LOUREIRO, 2005a)56. Surge aqui um fato sociológico importante, quando Loureiro (2005) sugere que a incorporação desse artigo foi sugestão do próprio Max Weber e, segundo Broué (apud LOUREIRO, 2005a, p.113), serviu para destruir “toda tentativa revolucionária ou mesmo toda evolução democrática inquietante no interior do quadro constitucional”.

Dal Co (1972, p.21) enfatiza a importância do clima político da República de Weimar, para se compreender as acusações que “a opinião pública mais reacionária infere contra a Bauhaus”57. Com o avanço do Partido Nazista durante a década de 1920, que ampliava suas conquistas eleitorais e popularizava mais e mais seu nacional- chauvinismo, a escola enfrentou uma dificuldade crescente quanto ao financiamento estatal, no Reichstag (o Parlamento alemão). Os esforços de Gropius para desviar-se das acusações de comunismo na Bauhaus não foram suficientes, além do estigma de ser expressionista, corrente estética considerada degenerada pelos nacional-socialistas. Devido a essas pressões, a escola precisou inclusive se mudar de Weimar para Dessau,

56 Sobre o fenômeno político do Nacional-Socialismo na Alemanha, além dos atores citados, ver

Bernardo (2003).

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em 1925 e para Berlim, em 1932. Dal Co (1972) está correto em sua afirmação, e os ataques se acirraram na década de 1930.

Longe de apresentar uma coesão interna, a Bauhaus expressou todas as contradições políticas de sua época. Seus antecedentes não se resumem a uma simples influência do Arts & Crafts. Suas origens remontam também ao romantismo e expressionismo alemães, ao construtivismo russo, ao De Stijl holandês58, etc. Wick (1987) ressalta também, que no início a Bauhaus estava fortemente impregnada pelas idéias do Conselho de Trabalho para a Arte, um grupo de artistas e intelectuais engajados no socialismo revolucionário, formado em Berlim depois da Revolução de Novembro de 1918. No entanto, Dal Co (1972) mostra como Walter Gropius, que dirigiu o Conselho, passou rapidamente de um “radicalismo político” para uma posição conservadora, de “contínua integração”. No mesmo caminho, Maldonado (1977a, p.55) afirma que Gropius não tardaria “em adotar uma posição evanescente, nebulosa, saturada de equívocos idealistas de todo o tipo”.59

Mas, é no período imediatamente anterior à I Guerra, mais precisamente em 1907, que surgiu uma importante associação de artistas, arquitetos e engenheiros que marcou diretamente a Bauhaus. Preocupada com a “fusão entre arte e técnica”, essa associação estava centrada no objetivo de criar produtos e uma arquitetura coerentes com as necessidades trazidas pelo franco crescimento da indústria alemã: trata-se da

Deutscher Werkbund (“Federação Alemã do Trabalho”), fortemente influenciada pela Jugendstil (“Arte Nova”, vertente alemã do Art Nouveau). Nomes como Henry van de

Velde (1863-1957), Hermann Muthesius (1861-1927), Peter Behrens (1868-1940) e o próprio Walter Gropius foram responsáveis por obras que marcaram o modernismo alemão. Como por exemplo, o prédio da fábrica de turbinas da AEG (Allgemeine

Elektricitäts Gesellschafft), de Behrens (1910); e a Fábrica Fagus (1911), de Gropius,

marcos da arquitetura funcionalista.

58 Maldonado (1977a, p.64) evidencia o importante papel de Theo van Doesburg, da De Stijl, no processo

de renovação da Bauhaus. Van Doesburg morou dois anos em Weimar sem nunca lecionar na Bauhaus, mas fora dela e em polêmica com ela. Criticava o anacronismo expressionista da Bauhaus e a posição insustentável de um representante do modernismo como Gropius, à sua frente. Defendia uma “estética mecânica”, “que celebra la máquina y el control racional del proceso creativo”. A “morfologia De Stijl” logo influenciaria a Bauhaus. Gropius então assume sua proposta racionalista, mas através do jovem construtivista húngaro Moholy-Nagy, não de Van Doesburg.

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“en adoptar una posición evanescente, nebulosa, saturada de equívocos idealistas de todo tipo” (traduzi).

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Entre os grandes debates propostos pela Werkbund, encontram-se as problemáticas da ornamentação/não-ornamentação, da beleza e da utilidade, da

standardização, do desperdício no processo produtivo, da racionalização e tipificação,

entre outras (MALDONADO, 1977a; PEVSNER, 1980; ACHA, 1988; WICK, 1989; DROSTE, 2006). De acordo com Maldonado (1977a, p.41), sua finalidade consistia, “(...) segundo declaram seus estatutos, em ‘enobrecer o trabalho industrial (...)’”60

, estabelecendo uma colaboração entre arte, indústria e artesania. Enfim, apresentando um excelente quadro do debate, este autor afirma que, com as oscilações diante desses temas e a não solução total desses impasses que marcavam o “problema fundamental do capitalismo moderno” (ao menos do ponto de vista estético e técnico), o cenário era o de um “fordismo com consciência pesada” (idem, p.43). Na realidade, já surgiam ali questões tipicamente gestoriais, como a racionalização da produção em geral centrada na questão tecnológica.

Na mesma época, mais precisamente em 1908, o arquiteto austríaco Adolf Loos (1870-1933) publica Ornamento e Delito, obra em que defende veementemente o fim do ornamento, pregando uma total adequação do projeto às condições industriais. Definido como “protofuncionalista” (RODRIGUES, 1989), Loos (2002) vai entender o ornamento como uma excrescência da produção artesanal, sem nenhuma função na “era da máquina” (BANHAM, 2003); como um desperdício de tempo de produção, de trabalho, de material e, portanto, de capital. Devido ao seu hiper-funcionalismo, Loos (2002) sofreu duras críticas de autores como Benjamin (1994b), em Experiência e

Pobreza; e Adorno (2011), em Funcionalismo hoje. Emprestando as palavras de

Benjamin (1994), Maldonado (1977a) define Loos como o “arquiteto da tabula rasa”, conhecido também como o “arquiteto do calvinismo”, devido ao seu ascetismo extremo. A intenção desse teórico funcionalista do design é desviar a atenção das críticas que o funcionalismo sofre em bloco, apontando-as para o puritanismo de Loos (2002), e seus “excessos”. Adorno (2011), em sua palestra ao Deutscher Werkbund em 1965, não poupa o arquiteto austríaco, afirmando que

(...) não existe funcionalidade quimicamente pura como o contrário do estético. Mesmo as formas utilitárias mais puras se alimentam de representações como transparência e simplicidade formais, oriundas da

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experiência artística; nenhuma forma é inteiramente extraída de sua função (2011, p.03).

Logo, todas essas questões se fariam presentes numa nova experiência que surgia. Em seu projeto para uma nova escola de artes e ofícios, Gropius reuniu importantes nomes da vanguarda artística européia num projeto pedagógico inovador, que deveria formar um projetista de tipo novo, que fosse a síntese entre o Mestre da

Forma (o artista) e o Mestre da Técnica (o artesão), unindo a estética e a técnica no

processo produtivo. Pois, acreditavam que o artista possuía “a capacidade de insuflar uma alma ao produto inanimado da máquina” (idem, p.33). Nas palavras do próprio Gropius (2009, p.30),

Isso só seria alcançado com o preparo e a formação de uma nova geração de arquitetos em contato íntimo com os modernos meios de produção, em uma escola pioneira, que deveria conquistar uma significação de autoridade. (...) Nosso alvo era o de eliminar as desvantagens da máquina, sem sacrificar nenhuma de suas vantagens.

Na literatura específica, o desenvolvimento da Bauhaus é apresentando por diferentes critérios de periodização, resumido por Wick (1989) da seguinte forma: por diretores: Gropius (1919 – 1928); Hannes Meyer (1928-1930); e Mies Van der Rohe (1930-1933). Por cidades: Weimar (1919-1925); Dessau (1925-1932); Berlim (1932- 1933). Ou em cinco fases estético-pedagógicas: 1) a expressionista, individual, que tinha por objetivo o artesanato (1919-1921); 2) a formal (1922-1924), que enfatiza as formas e as cores básicas (influência de Wassily Kandinsky e de Theo Van Doesburg, entre outros); 3) a funcional, a primeira fase do trabalho conjunto com a indústria (1924-1928); 4) a analítica-marxista, com Hannes Meyer (1928-1930); e, 5) a fase da

consciência do material, estética, sob a direção de Mies Van der Rohe (1930-1933).

Maldonado (1977a, p.53) adota fases estéticas relacionais como critério: o tardo-expressionismo (Weimar, 1919-1924), em conflito com o racionalismo nascente; o racionalismo (Dessau, 1925-1930), em conflito com o expressionismo remanescente; e, novamente o racionalismo (Berlim, 1930-1932), mas agora em conflito com o novo irracionalismo que se estabelecia. Enquanto Rodrigues (1989) entende que a Bauhaus expressionista, de 1919-1922, foi historicamente obscurecida pelo mito do

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funcionalismo. Entendendo que para o autor, naquele período, “(...) a transgressão, rondando o Dadaísmo, se insurge contra uma visão acadêmica” (1989, p.19).

Wick (1989), por outro lado, adota uma periodização própria, que reúne alguns aspectos das anteriores, olhando cada momento como uma totalidade não reduzível simplesmente a uma cidade-sede, ao papel de um diretor ou a uma predominância estética. São elas: 1) Fase de Fundação (1919-1923), ainda expressionista, marcada por um método ainda subjetivo-intuitivo no curso básico de Johannes Itten (1888-1967); 2) Fase de Consolidação (1923-1928), assumindo um funcionalismo influenciado pelo construtivista húngaro László Moholy-Nagy (1895- 1946), que substitui Itten; e, 3) Fase de Desintegração (1928-1933), apesar do relevante trabalho de Meyer à frente da escola, até 1930. Banham (2003) entende que a Bauhaus só pode ser verdadeiramente considerada funcionalista nesse período, em Dessau. Maldonado (1977a, 1977b) considera que o último período, com Mies van der Rohe na direção, foi escasso de contribuições teóricas e práticas.