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CAPÍTULO I – DESIGN E LUTA DE CLASSES: TEORIA E

3. DESIGN, VANGUARDAS E REVOLUÇÕES SOCIAIS

3.5 A HFG Ulm e o reformismo do design racionalista

3.5.2 O anti-styling ulmeano

O funcionalismo ulmeano é constituído também através da negação das correntes que considera estetizantes. No âmbito daquilo que se denomina de forma imprecisa como “design mercadológico”, o foco das críticas funcionalistas foi o chamado styling, também conhecido como streamlining. Surgida na década de 1930, principalmente nos Estados Unidos, essa corrente era a expressão estético-projetual de uma fixação ideológica pelo desenvolvimento tecnológico no campo da indústria dos transportes (automóveis, trens, aviões), que se encontrava em franco crescimento

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naquele país. Surge “a admiração da velocidade como elemento estético” (CARDOSO, 2000, p.132). De acordo com este historiador do design, essa definição surgiu

(...) em referência à palavra inglesa streamline, que denota a linha de fluxo de uma corrente de ar – marcou de forma extraordinária a configuração de muitos produtos, inclusive alguns que dificilmente teriam a necessidade de qualidades aerodinâmicas, como canetas e rádios. (...) um grande número de objetos industrializados passou a sofrer um arredondamento e/ou o alongamento assimétrico das formas, às vezes com aplicação de nervuras estruturadas na horizontal (...) (id. ibid.).

Tratava-se, portanto, de um esteticismo que queria imprimir às mercadorias um caráter de “modernidade”, marcado pela velocidade, pela aerodinâmica e pela eficiência. Alguns designers conhecidos deste período são Raymond Loewy, Henry Dreyfuss, Walter Teague, entre outros. Autores como Maldonado (1977a) atribuem o surgimento do styling como uma resposta à crise econômica de 1929, nos EUA, dentro de uma estratégia competitiva de passagem do capitalismo concorrencial, ao capitalismo monopolista, definida pelo autor a partir de Sweezy e Baran. De acordo com Maldonado (1977a, p.48), demonstrando um certo saudosismo em relação ao fordismo, isto levou a uma inversão qualitativa no caráter da produção industrial, passando de uma “política de poucos modelos de larga duração” para uma “política de muitos modelos de pouca duração”. Assim surge uma característica do processo de produção capitalista tão caro ao design: a obsolescência programada.106

É isto que vai levar os funcionalistas a definir o styling, enquanto modalidade projetual, enquanto fomento da obsolescência, em detrimento da qualidade de fruição e utilização de produtos configurados para serem “superficialmente atrativos”, orientados pelo marketing e pela propaganda para a promoção de vendas, transformando-se em um “(...) ‘gigantesco sistema de engano e de especulação’ que é o capitalismo monopolista” (MALDONADO, 1977a, p.49). Bonsiepe (1983, p.62) reforça esta noção, ao afirmar que o styling é a corrente do design “que enfatiza, com exclusividade, os aspectos epidérmicos, as variantes formais, o grande carnaval visual para o consumo eufórico”.

O próprio Max Bill criticava o styling enquanto mera moda voltada ao incremento de vendas, contra a qual apresentava o gute Form como alternativa.

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Maldonado (1977a) admite que, num determinado momento, a gute Form foi única atitude de dissenso em relação ao domínio do streamlining. No entanto, o formalismo máximo levado a cabo pelo “estilo Braun” enfraquece a posição de Bill na medida em que, a própria gute Form torna-se também um estilo, conhecido posteriormente como “estilo Ulm”.

Por outro lado, Cardoso (2000, p.133-134) apesar de aceitar parcialmente as críticas funcionalistas ao styling, defende que seu esteticismo não era gratuito, mas em parte decorrente de necessidades técnico-produtivas, pois

a eliminação de arestas e formas angulares é extremamente adequada, por exemplo, à moldagem de plásticos característicos da época como a baquelita e a melamina que, por serem termorrígidos, são quebradiços e de delicada extração do molde.

Além disto, o autor cita exemplos de projetos realizados por designers dessa corrente onde o foco era o aumento da qualidade e da durabilidade dos “produtos”, além de reduzir custos de produção107, sendo todas estas metas do design funcionalista, “não apenas por considerações estéticas ou de moda” (idem, p.134). Outro ponto de confluência entre styling e funcionalismo é o pioneirismo no uso projetual da Ergonomia, outra característica do design ulmeano. Isto ocorre principalmente a partir do lançamento de Designing for People, em 1955, por Henry Dreyfuss, onde os chamados “fatores humanos” foram introduzidos ao universo projetual.

Cardoso (2000, p.136), ainda em sua defesa do styling, se utiliza da clássica acusação ao funcionalismo de desprezar os aspectos “simbólicos” dos produtos. Mesmo admitindo que o styling ocupou um papel central, durante a Crise de 1929, no sentido de “(...) estimular o consumidor a comprar novos artigos para substituir outros similares ainda servíveis mas já fora de moda”, defende que o papel de qualquer projeto de “produto” deve atuar na esfera psicológica dos consumidores. O autor acaba por dar razão à crítica funcionalista de Bonsiepe (2011a) à identidade entre o velho styling e as tendências pós-modernas em design, onde o esteticismo surge de mãos atadas ao

107 “(...) as formas arredondadas utilizadas em 1935 pelo designer Raymond Loewy, no celebre projeto da

geladeira Coldspot, reduziram o gasto de materiais e baratearam consideravelmente o custo de produção do aparelho, fazendo o uso mais eficiente possível das tecnologias então diponíveis para a prensagem de chapas metálicas. Além do mais, tanto para plásticos quanto para chapas de metal, a aplicação de nervuras laterais funcionava ainda como um elemento de reforço estrutural” (CARDOSO, 2000, p.134).

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marketing e ao branding, práticas comerciais definidas por certos apologetas como

meros fatores de “comunicação”.

Uma vez entendidas as contradições no discurso anti-styling do funcionalismo ulmeano, surge, então, a necessidade de apresentar o chamado “conceito Ulm” em contraposição à sua estetização no “estilo Ulm”, que exerceu influência nas escolas de design nas décadas posteriores por todo o mundo, inclusive na América Latina.