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Reestruturação produtiva e toyotização da sociedade

CAPÍTULO I – DESIGN E LUTA DE CLASSES: TEORIA E

2. FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA PRODUÇÃO E CONTROLE SOBRE O

2.2 Reestruturação produtiva e toyotização da sociedade

Antunes (2001) mostra como a reestruturação produtiva surgiu em resposta à crise de acumulação taylorista/fordista, derivada da concorrência intercapitalista e da necessidade, por parte do capital, de controlar as lutas sociais no interior do mundo do trabalho. De acordo com Bernardo (2005, p.03),

O capitalismo entrou então numa crise de produtividade cada vez mais profunda, que finalmente o impediu de responder a dificuldades que noutras circunstâncias não teriam constituído obstáculos significativos. Esta esclerose

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manifestou-se de maneira flagrante em 1974, com a crise desencadeada pelo aumento dos preços do petróleo.

A reação do capital se deu não apenas na esfera produtiva, mas nas mais diferentes esferas sociais, como “no plano ideológico, por meio do culto de um

subjetivismo e de um ideário fragmentador que faz apologia ao individualismo

exacerbado contra as formas de solidariedade e de atuação coletiva e social” (ANTUNES, 2001, p.48). Muitos autores definem este novo padrão de acumulação como “pós-fordista”, partindo de um critério cronológico que diz muito pouco sobre a natureza deste novo sistema. Mas, assim como o período anterior levou o nome da Ford, empresa que primeiro aplicou e desenvolveu seus princípios, é legítimo que o atual sistema de organização e controle do processo de produção e do trabalho seja batizado pela empresa que se tornou o laboratório destas novas concepções: a Toyota (BERNARDO, 2005).

Conforme demonstra Antunes (2001, p.36), “gestou-se a transição do padrão taylorista e fordista anterior para as novas formas de acumulação flexibilizada”. O autor apresenta estudos que comprovam uma intensificação do trabalho e da exploração, não o contrário, justamente nas indústrias que vêm realizando as inovações tecnológicas voltadas à “acumulação flexível”. Segundo Antunes (2001), trata-se de uma organização produtiva e gestão da força de trabalho controlada por tecnologia avançada, computadorizada; uma estrutura produtiva mais flexível, baseada numa especialização e desconcentração produtiva, em terceirizações, aumento da contratação de trabalhadores temporários; uma organização do processo de trabalho em “células de produção”, através de “equipes de trabalho”, de grupos “semi-autônomos”; os círculos de controle de qualidade (CCQ’s), “que constituem o mais antigo dos instrumentos popularizados no ocidente” (BOLTANSKI & CHIAPELLO, 2009, p.102); além do conceito produtivo de just in time, enquanto redução dos tempos de produção e distribuição, e o sistema kanban, que representa uma minimização e estoques por controle de reposição.

Sobre a redução de estoques, sabe-se que,

Nas fábricas, a supressão dos estoques, dispositivo central do toyotismo, além de reduzir as despesas de estocagem, tem o efeito importante de fazer a pressão da demanda incidir diretamente sobre o setor da produção. A produção deve ser realizada no momento em que o cliente pede, na

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quantidade e na qualidade que ele espera. Torna-se impossível dissimular erros, falhas e avarias, pois tais coisas não podem ser medidas recorrendo-se às reservas (ibidem, p.113).

Muitos dos citados instrumentos de organização da produção correspondem a novas formas de controle, onde “numerosas tarefas antes executadas pelos chefes foram transferidas para equipe, que assim exerce um controle permanente sobre seus membros” (BOLTANSKI & CHIAPELLO, 2009, p.432). Ainda sobre a “flexibilidade”, do ponto de vista organizacional afirmam os autores que se trata da

(...) possibilidade de as empresas adaptarem sem demora seu aparato produtivo (em especial o nível do emprego) às evoluções da demanda, também será associada ao movimento rumo à maior autonomia no trabalho, sinônimo de adaptação mais rápida do terreno às circustâncias locais, sem que fossem esperadas as ordens de uma burocracia ineficiente (idem, p.229).

No entanto, provavelmente uma das mais importantes características do toyotismo seja a exploração da componente intelectual do trabalho (ANTUNES, 2001; BERNARDO, 2004). Além dos aspectos diretamente ligados à luta de classes, do ponto de vista tecnológico este fenômeno está diretamente ligado ao veloz desenvolvimento da informática. Através das novas tecnologias computacionais os gestores tornaram-se

capazes de captar e centralizar informações, tomar decisões e disseminar ordens, “(...) independentemente de qualquer contacto físico com os trabalhadores e de qualquer

relação física dos trabalhadores entre si”. Alcançando ainda “um feito inédito na história da humanidade, a fusão entre o sistema de fiscalização e o processo de trabalho” (BERNARDO, 2005, p.04). Em outras palavras, amplia-se a capacidade de fiscalização, controle e centralização dos processos por parte dos capitalistas, ao mesmo tempo em que se fragmenta e dispersa o trabalho no tempo e no espaço, solapando as formas de organização e solidariedade proletárias desenvolvidas até então.

Neste novo patamar de expropriação do savoir-faire proletário – que engendrou todo um conjunto de novas qualificações laborais –, o capital conseguiu, dentro dos limites dos seus próprios interesses, quebrar a rigidez entre trabalho manual e intelectual, entre concepção/gestão e execução, que era própria do período anterior. As capacidades cognitivas do trabalho foram sistematicamente integradas no processo de valorização, tendo drásticas consequências sobre as condições objetivas e subjetivas para trabalhadoras e trabalhadores. De acordo com Boltanski e Chiapello (2009, p.278),

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“à tendência à exploração cada vez mais profunda dos filões de capacidades dos trabalhadores como pessoas corresponde, paradoxalmente, a tendência a diminuir os custos salariais”. Além disto,

O processo que, em termos sociais, consiste no agravamento da exploração através do aproveitamento de algumas das capacidades de gestão dos trabalhadores realiza-se, em termos tecnológicos, pela transferência da sabedoria dos trabalhadores para os bancos de dados das empresas e para o

software das novas máquinas (BERNARDO, 2004, p.88).

Em decorrência de todo este processo surgem as modalidades de “participação”, “coparticipação”, “colaboração” dos trabalhadores nos sistemas de gestão das empresas. Isto é, “(...) ao menos no plano discursivo, o ‘envolvimento participativo’ dos trabalhadores, em verdade uma participação manipuladora e que preserva, na essência, as condições do trabalho alienado e estranhado” (ANTUNES, 2001, p.52). Braverman (1987, p.43) já em 1974 precocemente alertava para este problema, afirmando que estas estratégias empresariais,

São caracterizadas por uma estudada pretensão de “participação” do trabalhador, uma graciosa liberalidade ao permitir ao trabalhador um ajustamento da máquina, a troca de uma lâmpada, mudar de uma função fracionada a outra e ter a ilusão de tomar decisões ao escolher entre alternativas fixas e limitadas, projetadas pela administração, que deliberadamente deixa coisas insignificantes para escolha.

Acerca das formas de participação enquanto mecanismos de controle do capital sobre o trabalho são de grande importância, também, os estudos de Tragtemberg (2005). A reestruturação produtiva, em toda sua complexidade, vai gerar desdobramentos diretos e indiretos sobre a atividade projetual, que serão tratadas ao longo deste trabalho. Surgiu uma série de novos campos de atuação do designer, aspecto desenvolvido no terceiro capítulo desta Tese, baseadas na teoria do design contemporânea que considera que a atividade projetual estaria inserida ora numa “sociedade da informação”, ora numa “sociedade do consumo”; ou que a economia esteja passando por um processo de “desmaterialização” com ênfase nos serviços (THAKARA, 2008; KAZAZIAN, 2005) levando à necessidade de criação de “sistemas produto-serviço”; ou que a produção agora é voltada ao “valor-experiência” (FONTENELLE, 2005); entre tantos outros modismos.

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Além das teorias gestoriais terem assumido o primeiro plano no campo do

design, em processo que denominei de virada gestorial; tudo isso demonstra uma forte

relação com o padrão toyotista de acumulação, tal como exposto até aqui. Mas, vai ser numa área central para a atividade projetual, a Ergonomia, que muito desses aspectos vão se manifestar de forma mais clara e explícita.