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A HISTÓRIA DA LUTA PELA ESCOLA ITINERANTE NO PIAUÍ

No documento A Escola da luta pela terra (páginas 96-99)

O projeto pedagógico da Escola Itinerante foi apresentado à Secretaria de Educação e Cultura (Seduc) do estado do Piauí como alternativa de educação aos acampamentos da Reforma Agrária organizados pelo MST. Tal projeto tomou como base as experiências de mesma natureza de outros estados brasileiros e a Legislação do Sistema Público de Ensino, como as Diretrizes Operacionais para a Educação

Básica das Escolas do Campo, que possibilita entre outras coisas, a educação ao povo Sem Terra em situação de itinerância.

A Escola Itinerante nasce da necessidade do acesso à escola, especialmente das crianças em áreas de acampamentos. Na elaboração da proposta pedagógica compreendemos que é possível construir uma escola vinculada à vida política, social e cultural das famílias em movimento, vinculando-se ao tempo e ao espaço dos educandos como sujeitos. Ou seja, nas organizações populares toda a população participa e assume a responsabilidade de construir os princípios, objetivos e valores que orientam a ação pedagógica no cotidiano da escola. Notadamente, este projeto político-pedagógico não nasce fora da realidade de seu povo, isto é, inicia-se a partir de um conjunto de elaborações coletivas e nos debates nos quais a comunidade acampada se insere.

Esse percurso de elaboração da proposta de escola durou cinco anos, entre 2003 e 2008, com uma intensiva luta pela legalização, tendo a aprovação como experiência educacional reconhecida pelo Estado somente no dia 04 de agosto de 2008. Neste ano, o Conselho Estadual de Educação do estado do Piauí aprovou a Escola Itinerante por meio do Processo CEE/PI, n.º 306/20083, que regulariza a oferta de

escolarização aos acampados. Esse momento de construção da Escola Itinerante representou uma longa história de idas e vindas, avanços e retrocessos, até a apreciação e aprovação pelo Conselho Estadual de Educação.

Alguns dos pontos principais desta caminhada serão delineados neste trabalho e, cada um deles, significa a síntese de uma luta que não tem tréguas. Afinal, não basta ter a Escola Itinerante regularizada. A cada dia ela se cria e recria entre educandos, educadores e comunidade na prática social e, por isso, deve ser refletida. A Itinerante representa um novo ideário de escola, sociedade, mundo e, junto com a comunidade, busca alterar o contexto social que se insere.

Desta forma, em 2003, foi apresentada a primeira proposta à Secretaria Estadual de Educação, juntamente com os responsáveis pela Supervisão de Educação do Campo (SEC) um departamento recentemente criado, resultado da mobilização do MST e dos demais movimentos sociais do campo. Esta supervisão tem o papel de acompanhar a educação do campo, em especial nas áreas de Reforma Agrária.

Neste período, haviam cinco acampamentos no Estado: 1º de Maio, no Município de José de Freitas; Francisca Trindade, Resistência Camponesa e 17 de Abril, em Teresina, e o acampamento tt, no município de Luzilândia, com aproximadamente quatrocentos educandos em período escolar nas séries iniciais. Nesses acampamentos, desde a origem do MST e no decorrer dos seus 20 anos de história no estado, há uma ‘escola de fato’, ainda que não de direito, mas com um trabalho pedagógico realizado pela própria militância do Movimento.

Em 1989, o ano em que o MST começa a ser implantado no Piauí, as escolas nos acampamentos eram vinculadas administrativamente às prefeituras municipais. A demanda por escola, entretanto, nem sempre era atendida pelos gestores municipais e a possibilidade iminente de mudança espacial do

3 Este parecer tem por objeto o Ofício SUPEN nº 51/08 no qual a Superintendente de Ensino da Secretaria Estadual de Educação e Cultura (Seduc) solicita autorização deste Conselho para a implementação do Projeto Escola Itinerante a ser assumido institucionalmente pela Escola Paulo Freire, localizada em São João do Piauí, no assentamento Marrecas. Os autos do processo protocolado sob o nº 306/2008, após diligências promovidas pela relatoria, encontram-se instruídos satisfatoriamente para os fins a que se destinam.

acampamento para outro município impedia a permanência das crianças nas escolas. À medida que a escola muda de município, esta deixava de ser uma responsabilidade do seu gestor e passa a ser do prefeito no município em que se encontra a nova sede do acampamento. Estas situações fizeram da educação escolar nos acampamentos o “calcanhar de Aquiles” dos acampados.

Entre os anos de 1989 e 2003, geralmente, as aulas aconteciam de forma localizada nos acampamentos e, muitas vezes, sob a coordenação da Secretaria Municipal de Educação, o que acarretava a subordinação da atividade pedagógica aos interesses políticos dos gestores locais, gerando divergências e desgastes políticos na luta pela terra. Isto acabava por tirar a autonomia do Movimento de realizar o método de ensino já construído em sua pedagogia.

Deste modo, o MST se contrapôs à forma de educar do município e elaborou uma nova forma de perceber e realizar a educação no acampamento. Ou seja, a dimensão educativa do Movimento está presente no cotidiano do próprio movimento social e na dinâmica de organização e mobilidade do acampamento. Na avaliação do Movimento, a relação com os municípios, acima descrita, acarretou diversos prejuízos para o avanço da proposta de educação do MST, o que levou a uma reivindicação política do Movimento por uma escola pública estadual em áreas de acampamento da Reforma Agrária. Assim, em 2003, foi elaborado a proposta pedagógica da Escola Itinerante, com o objetivo de fazer valer a obrigatoriedade e responsabilidade da Secretaria Estadual de Educação. Então, em 2008, tem início a consolidação dessa proposta.

Assim, no período de 2003 a 2007, a luta pela escola não obteve resultado prático, concreto e legal. Porém, foi um período de maturação, elaboração teórica, reflexão e mobilização para pressionar a Secretaria de Educação Estadual a cumprir seu compromisso com a população acampada.

Paralelamente, o Movimento iniciava a formação e capacitação dos educadores juntamente com a Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais da Agricultura Familiar (Fetraf) e o Incra. Nesse período, formamos duas turmas de Magistério pelo Programa Nacional de Educação da Reforma Agrária (Pronera), somando 84 educadores para atuar nas séries iniciais e na escolarização de jovens e adultos, de forma a atender a demanda de educadores em áreas de assentamento.

No início de 2007, a demanda da Escola Itinerante foi apresentada ao governo do Piauí, por meio da Escola Estadual de Ensino Médio Paulo Freire, para o cumprimento da infra-estrutura e consolidação das metas a seguir: a) organizar três Escolas Itinerantes no estado, como projetos de experiências-piloto durante dois anos; b) contratar o quadro pessoal para estas escolas; c) realizar encontros de capacitação e formação permanente dos educadores; d) garantir infra-estrutura da escola, materiais pedagógico, didático e permanente.

Somente em 2008 saiu o parecer do Secretário de Educação e Cultura do Estado do Piauí, Antonio José Castelo Branco Medeiros e do Conselho de Educação do Estado, em nome de Diogo José Ayrimoraes Soares4, aprovando a Escola Itinerante como experiência pedagógica. Esse documento

4 Parecer CEE/PI nº 142/2008. Opina favoravelmente pela autorização da Escola Paulo Freire da rede estadual de ensino, localizada em São João do Piauí, para funcionar como suporte institucional do Projeto Escola Itinerante nos acampamentos dos Sem Terra, na região sul do estado. PROCESSO CEE/PI Nº: 306/2008. INTERESSADO: Secretaria Estadual de Educação e Cultura. ASSUNTO: Autorização de curso em regime experimental. RELATOR: Cons. Diogo José Ayrimoraes Soares. APROVADO: 04/08/2008. Estado do Piauí, Conselho Estadual de Educação, 2008.

reconhece e aprova a realização das primeiras experiências educacionais nos acampamentos da regional sul, no município de São João do Piauí, acompanhada pela 12ª Gerência Regional de Ensino (GRE).

O referido Secretário de Educação do Estado, em audiência com representantes do MST, se comprometeu com a efetivação da Escola Itinerante, em especial em garantir: a remuneração e capacitação dos educadores e a liberação de materiais permanentes e didáticos para a demanda apresentada. Fora previsto que a cada dois meses de trabalho nas escolas, os educadores fariam uma atividade de formação, com 40 horas de duração, para refletir, estudar e aprofundar a prática pedagógica.

Houve também a proposta de liberação de um coordenador pedagógico para acompanhar a experiência, mas o governo não autorizou. Assim, a Escola Paulo Freire permaneceu sobrecarregada com uma coordenadora pedagógica para acompanhar o Ensino Médio no assentamento e também as três Escolas Itinerantes nos três acampamentos5. Mesmo assim, os educandos dos três acampamentos

foram matriculados na Escola Paulo Freire, no começo de 2008. A demanda realizada cumpre o intuito de exigir o compromisso do Estado na contratação de 10 educadores para compor o quadro docente, sendo três educadores do acampamento e sete educadores de assentamentos, e também três trabalhadores para serviços gerais. Compondo, desta forma, o quadro pessoal de 13 trabalhadores com contrato temporário e remuneração de 20 horas cada.

Portanto, o projeto da Escola Itinerante é uma construção social e pedagógica que contempla as pessoas dos acampamentos do MST que lutam pela posse da terra, e tem como objetivo a conquista de uma educação digna, como garantia de seus direitos constitucionais. A seguir, apresentamos os primeiros e importantes passos desta experiência em curso no estado do Piauí.

ESCOLAS ITINERANTES: UMA EXPERIÊNCIA

No documento A Escola da luta pela terra (páginas 96-99)