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NA LUTA DOS SEM TERRA

No documento A Escola da luta pela terra (páginas 41-45)

lutas com o poder público para conquistar esta escola2.

No entanto, a necessidade de regularizar a vida escolar de crianças que frequentavam escolas não reconhecidas pelos órgãos municipais, a falta de vagas e em alguns casos o forte preconceito sofrido pelos Sem Terrinha3, são determinantes na tomada de decisão do Setor de Educação em lutar por escolas

nos acampamentos do Movimento.

No período anterior (1994-2002), no governo Jaime Lerner (PFL), a conjuntura política era distinta, pois o atual governo se recusava a dialogar com o MST e, nos oito anos de sua gestão, aplicou estratégias de aniquilação do Movimento, deflagrando despejos, prisões de lideranças, incluindo mortes. Segundo Maria Izabel Grein, “no governo Lerner nem sequer alfabetização nós [MST] podíamos discutir com o governo. Nós não podíamos nem entrar na secretaria de educação, pois nós não éramos reconhecidos como movimento social.” (MARIANO, 2008 p.13)

Todavia, é importante ressaltar que anterior à luta pelo reconhecimento da Itinerante neste estado, já havíamos experimentado fazer escolas em acampamentos. Como por exemplo, a organização da Escola “Terra e Vida” em frente ao Palácio Iguaçu, sede do Governo Estadual, em Curitiba, em julho de 1999. Sendo realizada em um prédio abandonado, a escola atendeu a Educação Infantil, os anos iniciais do Ensino Fundamental e a Educação de Jovens e Adultos. Teve duração de quatorze dias e foi um marco importante na luta para garantir o reconhecimento da Escola Itinerante.

Em 2003, no início do governo Roberto Requião (PMDB), conseguimos abrir o diálogo entre MST e governo, o que contribuiu para avançarmos na luta pela efetivação deste tipo de política social4, em particular a Escola Itinerante. Considerando ainda que, neste momento, o MST no Paraná

tinha aproximadamente quatorze mil famílias acampadas, dentre elas muitas crianças que estavam fora da escola.

Com o intuito de afirmar as demandas dos trabalhadores, uma das maiores ações que realizamos foi a Jornada de Lutas, em abril de 2003, que reuniu aproximadamente cinco mil integrantes do MST. Acampados em Curitiba, estes militantes também reivindicavam, entre outras pautas, escola para os acampamentos, impulsionando assim a discussão da Escola Itinerante como direito para as famílias Sem Terra.

Nesta conjuntura, os movimentos sociais conquistaram a Coordenação da Educação do Campo na Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED), possibilitando que o Setor de Educação do MST pudesse apresentar suas demandas e, por conseguinte, ter algumas delas atendidas.

A proposta da Escola Itinerante foi enviada em agosto de 2003 para o Conselho Estadual de Educação, referendada na Lei de Diretrizes e Bases, nas Diretrizes Operacionais para Educação Básica nas escolas do Campo e na Constituição Federal, visando assegurar o direito do povo à educação, respeitando o lugar onde vive e garantindo sua participação. Uma educação vinculada à sua cultura e suas necessidades,

2 Segundo Mariano (2008, p.33) na medida em que o MST pressiona os governos pela legalização da Escola Itinerante, obriga o Estado a reconhecer, bem como a deliberar, uma política social, passando a fazer parte de suas ações governamentais. Ou seja, ela é fruto da pressão que os trabalhadores fazem ao governo do estado.

3 Sem Terrinha são as crianças filhas dos Sem Terra que se encontram em luta.

4 Para VIEIRA (1992) na composição do termo política social – “política” não assume no sentido estrito de atividade ou práxis humana ligada ao exercício de poder, mas relaciona-se à estratégia de governo que se compõem de plano, projetos, programas e documentos, onde é possível identificar diretrizes relativas às áreas em questão.

direito explicitado na LDB de 1996.

O Conselho Estadual de Educação do Paraná, após analisar cuidadosamente o Projeto Político- Pedagógico da Escola Itinerante, aprovou-o, por unanimidade, em 08 de dezembro de 20035, como escola

pública estadual. Com a observação de que a Escola deveria ser acompanhada e avaliada durante seus dois primeiros anos, e os educadores dos anos iniciais deveriam participar de um processo de formação continuada promovido pela SEED.

No entanto, somente em março de 2004 se legitimou, de fato, a parceria entre o Setor de Educação do MST e a Secretaria de Estado da Educação (SEED), com a realização de um convênio que envolveu a Associação de Cooperação Agrícola e Reforma Agrária do Paraná (ACAP), por meio do qual se efetiva o remuneração dos educadores que atuam nos anos iniciais do Ensino Fundamental da referida escola.

O Setor de Educação do MST, junto com a Coordenação de Educação do Campo (SEED), indicou o Colégio Estadual Iraci Salete Strozak, localizado no assentamento Marcos Freire, em Rio Bonito do Iguaçu, para assumir a função de Escola Base. Esta escola assume a responsabilidade legal das Escolas Itinerantes, tais como: a documentação escolar, as matrículas, as transferências, a certificação e registro da vida escolar dos educandos, além do suprimento de merenda e materiais pedagógicos, entre outros. Em 2006, pela expansão territorial das Escolas Itinerantes no Paraná, foi oficializada a segunda Escola Base, o Colégio Estadual Centrão, localizado no Assentamento Pontal do Tigre, em Querência do Norte, que passou a responder legalmente pelas Itinerantes da região noroeste e norte do estado.

Estas duas escolas, localizadas em assentamentos da Reforma Agrária, assumem o projeto educativo do Movimento e afirmam em seu trabalho pedagógico o desafio de ser uma escola do campo, comprometida com a formação dos trabalhadores rurais Sem Terra. No decorrer desta trajetória, estas escolas, em conjunto com as Itinerantes, tem tentado questionar a forma escolar convencional e capitalista ao buscar formas alternativas de escola com uma proposta pedagógica que contemple as diferentes dimensões do ser humano, dentre essas, a apropriação do conhecimento - que é tarefa fundamental da escola -, com tempos e espaços educativos que ajudem a desenvolver todas as dimensões.

Em relação à oficialização da Escola Itinerante, vale ressaltar que mesmo antes da sua aprovação, existiram experiências de escolas nos acampamentos. Em 2003, já haviam escolas com um ano de funcionamento, porém sem o reconhecimento do poder público e mantidas pelo MST. Estas envolviam cerca de 70 educadores voluntários que participaram do primeiro curso de formação de educadores da Escola Itinerante, realizado no acampamento 10 de Maio, no período de 29 de setembro a 03 de outubro de 2003.

Como uma das estratégias para agilizar a legalização desta proposta de escola, realizamos a inauguração da Escola Itinerante Chico Mendes, no acampamento José Abílio dos Santos, em Quedas do Iguaçu, no dia 30 de agosto de 2003. Além desta, nesta ocasião, também haviam outras escolas em funcionamento, no Acampamento Segunda Conquista que se localiza no município de Espigão Alto do

5 A Escola Itinerante no Paraná foi reconhecida em dezembro de 2003 pelo Conselho Estadual de Educação através do parecer n° 1012/2003 e autorizado seu funcionamento pela Secretaria de Estado da Educação resolução nº614/2004 de 17/02/2004.

Iguaçu, e no Acampamento Dorcelina Folador6, no município Cascavel e no acampamento 1º de Maio, em

General Carneiro.

O ano de 2004 foi o período de implantação das Itinerantes nos acampamentos, o que provocou um estranhamento na Secretaria de Estado da Educação, pois este formato de escola não era comum ao sistema oficial de ensino. Essa situação gerou diversos transtornos, como por exemplo, na distribuição da merenda, nas matrículas dos estudantes, na licitação de material para construção destas escolas, tais como: lona, madeira, quadro de tamanho especial, entre outros. Tudo isso exigiu pressão por parte do MST e das escolas, dada a lentidão na resolução desses problemas.

Ao final do ano de 2005, as Itinerantes já estavam presentes em nove locais, atendendo a 2.400 educandos. Neste período, o Movimento conquista o Assentamento Celso Furtado, no município de Quedas do Iguaçu, onde se localizavam duas Escolas Itinerantes: Chico Mendes e Olga Benário.

Em 2006, mesmo com a conquista do assentamento Celso Furtado, estas escolas permaneceram Itinerantes em função do município não se dispor, naquele momento, a se responsabilizar pelas mesmas nos anos iniciais. Somente em 2007, por meio da luta, estas escolas deixam de ser Itinerantes e passam a ser escolas de assentamento. Além dos próprios nomes, estas escolas levaram consigo os princípios de uma escola do campo vinculada a um movimento social que busca construir um novo projeto social de emancipação dos trabalhadores7.

Neste período, o esforço também se centrava na tentativa de avançar no Projeto Político e Pedagógico, a partir da organização curricular em Ciclos de Formação Humana8 experimentados nos

espaços de acampamentos -Escolas Itinerantes - e assentamento - Colégio Estadual Iraci Salete Strozak. Nessa trajetória, outras duas questões também foram priorizadas: a formação de educadores e o processo de sistematização das Escolas Itinerantes. Dada a sua emergência, este último foi desencadeado no Seminário Estadual de Avaliação dos três anos da Escola Itinerante no Paraná, em maio de 2006, em que organizamos o trabalho de registro e escrita da história de cada escola, envolvendo os coletivos de educadores na reflexão e escrita. A partir desse registro, decidimos sistematizar as experiências que culminaram na abertura da Coleção de Cadernos da Escola Itinerante, em novembro de 20079 .

Em fevereiro de 2010, existem Escolas Itinerantes em 10 acampamentos no Paraná, que atendem aproximadamente 1.000 educandos em 77 turmas, com 180 educadores.

6 Em 2005, esta escola recebeu o nome de Escola Itinerante Zumbi dos Palmares com o deslocamento das famílias para a ocupação de outra parte da fazenda Complexo Cajati, em Cascavel, passando a estar no acampamento 1ª de Agosto. A experiência desta escola está sistematizada no Caderno nº1 da Coleção Escola Itinerante, denominado de Escola Itinerante: Trajetória, Projetos e Experiências, 2008a.

7 Os Colégios Chico Mendes e Olga Benário continuam sob a responsabilidade do Estado do Paraná, porém atendendo os anos finais e Ensino Médio. Atualmente, existem oito escolas municipais que ofertam os anos iniciais e que estão espalhadas pelas comunidades do assentamento.

8 Esta reflexão será retomada mais adiante nesse texto.

9 Atualmente, a Coleção compreende os seguintes Cadernos: Escola Itinerante do MST: 1) História, Projetos e experiências, 2008a, 2) Itinerante: A Escola dos Sem Terra -Trajetórias e Significados, 2008b, 3) Pesquisa Sobre Escola Itinerante: Refletindo o Movimento da Escola, 2009a; 4) Pedagogia que se constrói na Itinerância: orientação aos Educadores 2009b. Ainda existem mais dois volumes que se encontram em elaboração.

1-Tabela: Dados Escolas Itinerantes no Paraná

ESCOLA QUE APRENDE E ENSINA EM LUTA:

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