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OS EDUCADORES E O TRABALHO PEDAGÓGICO

No documento A Escola da luta pela terra (páginas 65-68)

O Setor de Educação do MST em SC tem por princípio que os educadores que trabalham na Escola Itinerante sejam escolhidos entre as famílias acampadas, a partir da discussão na coordenação e nos Núcleos de Base. Para o processo de escolha, respeitam-se alguns critérios como: fazer parte da

comunidade acampada, ter o reconhecimento do acampamento, compromisso com a luta e pertença ao Movimento, ter gosto pelo magistério, ter concluído pelo menos o ensino fundamental, gostar de estudar e ter a disponibilidade de continuar estudando. A partir do levantamento dos nomes, faz-se uma discussão na coordenação junto com o Setor de Educação do acampamento e escolhe-se aquele que melhor preencher os critérios acima citados. Porém, em muitos acampamentos, devido ao processo escolar brasileiro historicamente ter excluído as famílias pobres da escola, tem-se dificuldade em encontrar pessoas que atendam a todos os critérios expostos. Nesse sentido, nesses acampamentos torna-se educador aquele que tiver completado o Ensino Fundamental. Observamos que a baixa escolaridade e a ausência de formação pedagógica são limites para maior qualidade do trabalho educacional. Dessa forma, é preciso que o MST e o Setor de Educação tenham maior preocupação em formar seus educadores, e que estes tenham a disponibilidade de morar nos acampamentos, qualificar sua atuação política e pedagógica, ao passo que o Estado deve garantir as condições para a formação continuada destes educadores.

Se de um lado, para uma parte dos educadores, falta formação pedagógica inicial, por outro, nos acampamentos do MST de SC, outra parte dos educadores tem clareza política ideológica de onde quer chegar. Isto quer dizer que buscam rever o papel do educador e da educação numa sociedade dividida em classes sociais. Nesse sentido, compreendem que a escola não pode ficar no conhecimento fracionado e que é preciso trabalhar o processo de organização dos educandos, ensinando além de ler e escrever, mas partindo da realidade vivida dos educandos. A formação dos educadores e educadoras é fundamental para qualificar os processos pedagógicos e sintonizá-los com a educação emancipatória. Esta formação também precisa levar em conta a especificidade das Escolas Itinerantes.

Segundo o projeto aprovado pelo Conselho Estadual de Educação, a formação dos educadores deveria ser feita em parceria entre a Secretaria de Estado da Educação, o Setor de Educação do MST e Escola Base, porém, nesses quase cinco anos de funcionamento da Escola Itinerante, a formação dos educadores vem sendo trabalhada sem a participação da Secretaria Estadual de Educação. A formação dos educadores itinerantes vem sendo realizada apenas com o esforço do Movimento e da Escola Base, entretanto não temos condições para garantir maior regularidade nos encontros de formação. As frequentes requisições de formação encaminhadas pelo Setor de Educação do MST à Secretaria de Estado de Educação recebem como resposta a indicação dos cursos realizados pelas Gerências Regionais de educação, as quais não contemplam a especificidade antes apontada e seu projeto educacional. Como veremos no item da relação com o Estado, a posição deste tem sido de omissão em relação à Escola Itinerante e de negação das condições que asseguram a especificidade desta experiência.

Há a compreensão de que a formação dos educadores, além de um direito, é fundamental para que a experiência se firme enquanto uma proposta pedagógica que atenda às questões específicas da escola e das crianças acampadas. Desta forma, os acampamentos, o Setor de Educação, a Escola Base e os educadores, têm buscado diversas formas de garantir estes espaços/momentos de estudo e reflexão. Normalmente, a cada ano acontecem três momentos de formação com os educadores da Escola Itinerante no período de três a cinco dias. Os primeiros dois acontecem na Escola Base e o terceiro em uma das escolas nos acampamentos. O primeiro momento de formação acontece antes do início das aulas, em que se trabalham os temas referentes à organização e o planejamento das atividades pedagógicas que serão

desenvolvidas durante o ano, além dos trabalhos de preenchimento do diário de classe e o calendário escolar.

O segundo momento acontece na metade do ano em que é estudado o Projeto Político Pedagógico e outros temas relacionados à Pedagogia do Movimento e a Educação do Campo. O terceiro momento , que acontece em uma das escolas, é desenvolvido em forma de oficina e denominado de Oficina de Capacitação Pedagógica - OCAP. Nessa OCAP trabalha-se a teoria aliada à prática. Ou seja, um período de estudo teórico relacionado à Pedagogia do Movimento, à educação libertadora de Paulo Freire e o planejamento e, no outro período, desenvolve-se a prática em sala de aula com a avaliação dos trabalhos.

Durante os quase cinco anos de desenvolvimento de atividades pedagógicas nas Escolas Itinerantes, conseguimos ter avanços significativos no que diz respeito à qualidade do ensino. No entanto, a rotatividade dos educadores ainda é um limite. Este é um desafio que deve ser assumido pela Escola Itinerante, Setor de Educação e o conjunto do MST. Neste sentido, é preciso avaliar melhor a vontade e disposição das pessoas indicadas a serem educadores e também as que são selecionadas para participar dos cursos de formação de nível médio e superior oferecidos pelo MST em parceria com o Pronera e com universidades.

É preciso potencializar a formação para criar um corpo docente com qualificação profissional, política e pedagógica. É preciso avançarmos na construção de uma escola capaz de formar os Sem Terrinha com conhecimentos universais, aliados aos conhecimentos do campo, da luta pela terra e do funcionamento da sociedade, para poder intervir nela e transformá-la. Isto implica formar educadores que tenham a capacidade de trabalhar os conhecimentos da realidade próxima como ponto de partida e, ao mesmo tempo, como ponto de chegada, relacionando-os com os conhecimentos científicos universais produzidos pela humanidade, associados à ampla formação humana.

No dia a dia percebe-se que parte dos educadores trabalha com o método tradicional, outros trabalham a partir de temas escolhidos pelo educador. Os que trabalham com o método tradicional não deixam de trabalhar os assuntos do cotidiano do educando, da organização do MST e do acampamento, pois a cada aula discutem junto com os educandos algum assunto da realidade vivida pelo educando. Os educadores que trabalham a partir de temas, em muitos casos não conseguem trabalhar os conteúdos das disciplinas escolares vinculados ao tema e de maneira não fragmentada. Isto quer dizer que as disciplinas escolares são trabalhadas de forma isolada, mesmo que todas tenham relação com o tema. Em pesquisa nas Escolas Itinerantes de Santa Catarina, Puhl (2008, p.76) verificou que “por falta de formação, muitos educadores dão mais ênfase à vida cotidiana do que aos conteúdos oficiais, pois se sentem mais seguros para tratar sobre estas questões”. Em relação ao aprendizado das crianças escreve:

Segundo pais e educadores, o acompanhamento das crianças oriundas da Escola Itinerante no momento em que ingressam na quinta série e são transferidas para outra escola (fora do acampamento) não fica aquém se comparado às crianças que tiveram seus estudos em escolas diferentes da Escola Itinerante. Todos os pais entrevistados demonstraram estarem satisfeitos com a aprendizagem de seus filhos (Puhl, 2008, p.68-69)

Mesmo com todos os limites encontrados em relação aos conteúdos escolares, podemos observar que as crianças da Escola Itinerante estão em condições de igualdade com as crianças que estudam

em outras escolas. Porém, na Itinerante se aprende também sobre a vida do acampamento, os valores humanos que devem ser cultivados, o trabalho no campo, a preservação da natureza, etc. Em nosso ponto de vista, o que falta é desenvolver melhor o vínculo entre os conteúdos das disciplinas escolares e os temas relacionados à vida concreta do educando.

Outra questão que merece atenção é o envolvimento da comunidade acampada na condução dos processos pedagógicos da escola. Porém, esta participação está mais relacionada à construção e manutenção da escola e na preparação da merenda para os educandos do que ao trabalho pedagógico, especialmente na seleção de temas e conteúdos a serem abordados. Isto se deve ao fato de que, historicamente, a educação escolar foi destinada ao educador. Para muitos pais basta que a criança aprenda a ler e escrever. O envolvimento da comunidade acampada na definição dos meios e fins da educação escolar é um dos maiores desafios da Escola Itinerante. É fundamental para avançarmos na construção da Pedagogia do Movimento, pois a escola deve ser orgânica à comunidade e caminhar com ela rumo à emancipação humana, assim como apontam os acampamentos do MST.

No documento A Escola da luta pela terra (páginas 65-68)