• Nenhum resultado encontrado

RELAÇÃO COM O ESTADO

No documento A Escola da luta pela terra (páginas 70-72)

No projeto da criação da Escola Itinerante, apresentado ao Conselho Estadual de Educação e aprovado por este como Experiência Pedagógica, está previsto que o Estado, por meio da Secretaria Estadual de Educação e das Gerencias Regionais de Educação, se responsabiliza pela contratação dos educadores, merendeiros, coordenadores pedagógicos, e pelo fornecimento de material didático e pedagógico, formação dos educadores em parceria com o MST e Escola Base e a estruturação dessa última com telefone e internet. Além disso, é sua responsabilidade garantir os materiais para a estrutura física das escolas como lona especial para construção da sala de aula, lona para cozinha e refeitório, recursos para o deslocamento dos coordenadores pedagógicos e a merenda escolar. Neste sentido, a função do Estado é de ajudar a garantir o funcionamento das Escolas Itinerantes, pois estas escolas fazem parte da rede estadual de educação.

Logo após a aprovação da Escola Itinerante, realizou-se audiência com a Secretaria Estadual de Educação e Inovação para discutir como ocorreria a contratação dos educadores, coordenadores pedagógicos e merendeiros, bem como dos recursos para locomoção dos coordenadores pedagógicos, estrutura física para as escolas, envio de materiais didáticos, desdobramento de turmas e outros. Nesse encontro percebeu- se que o Estado apresentava algumas dificuldades do ponto de vista da operacionalização. Definiu-se de que os materiais seriam enviados às Regionais de Educação (GEREIS) onde estavam localizadas as escolas e que a contratação dos educadores obedeceria ao procedimento legal, encaminhado pela Escola Base. As outras questões precisariam de maior tempo de discussão para buscar alternativas legais.

As alternativas que a Secretaria de Educação se propôs buscar para operacionalizar as questões pendentes, passados cinco anos, continuam sem respostas. Além disso, os materiais e recursos repassados via Gerências Regionais são poucos e em algumas escolas não chegam. Nesses casos, as Gerências argumentam que é a Escola Base que recebe os recursos, ou ainda, que os acampamentos acontecem sem aviso e que as ações governamentais são baseadas em planejamento e orçamentos anteriores. Nas sucessivas audiências com a Secretaria de Educação em que expomos a situação das escolas, o não cumprimento dos acordos anteriores, seus representantes reconhecem a ausência de atendimento, entretanto, na prática, os acordos e encaminhamentos não chegam a se efetivar. Nesse sentido, a atuação do poder público estadual tem sido de conversar, dialogar, mas não encaminhar.

Percebe-se o descompromisso do Estado por meio da Secretaria Estadual de Educação para com as Escolas Itinerantes. Ao olharmos a prática educacional ligada à Educação do Campo em Santa Catarina, compreende-se que este abandono acontece com o conjunto das escolas que atendem os trabalhadores do campo. Muitas são fechadas e algumas ainda persistem devido à luta e resistência dos camponeses, mas continuam carecendo de todo tipo de apoio estatal. Da mesma forma, a Escola Itinerante mantém-se pela luta e organização do MST, sobrevivendo com o mínimo de amparo do então governo estadual.

Avaliamos que num contexto político mais favorável, a Escola Itinerante foi aprovada como experiência pedagógica, porém com a mudança de Secretário de Educação e o fortalecimento de setores mais conservadores no governo do estado, a Escola Itinerante não se viabiliza de forma plena. Percebemos ao longo destes anos que falta vontade política da parte deste governo em viabilizar as condições mínimas de funcionamento desta escola. O Estado se esconde atrás da burocracia e da alegação de impedimentos legais para operacionalizar questões importantes que assegurem o funcionamento e a especificidade desta escola como o envio de materiais, o calendário escolar, os ciclos de formação, o deslocamento dos coordenadores e outras questões já mencionadas anteriormente. Evidencia-se assim o caráter de classe (dominante) a quem o Estado serve e a quem também atende o atual governo estadual. Da parte do MST, avaliamos, que neste momento de pequenos acampamentos e de tentativa de sufocar a luta do MST empreendida pela articulação das forças conservadoras no país, não temos conseguido pressionar o Estado para alterar este quadro que se perpetua desde a criação da Escola Itinerante.

Este quadro evidencia que a aprovação da experiência pedagógica Escolas Itinerantes em Acampamentos do MST de Santa Catarina não foi acompanhada das condições para a sua implementação. O Estado ignora que, sob certos aspectos, questões específicas da Escola Itinerante precisam ser asseguradas. O Estado atua na questão das matrículas realizadas e como todas as crianças da Itinerante se vinculam à Escola Base, desconsideram que efetivamente elas se encontram em diversos outros locais (que correspondem a outras Gerências5), que tais escolas se deslocam entre diferentes regiões do Estado

e que tal dinâmica exige condições específicas para funcionar, o que extrapola o modelo único que atua o sistema estadual de educação.

Em relação aos educadores, estes são contratados como ACTs – Admitidos em Caráter Temporário - a indicação é de responsabilidade do MST nos acampamentos -, e vinculados à Escola Base. Recebem salários diferenciados de acordo com a formação e conforme previsto no plano de carreira do magistério público estadual. Com relação a isso não se enfrenta maiores problemas e os educadores têm recebido seus salários com regularidade. Este procedimento é diferenciado de outros estados que possuem a Escola Itinerante, em que está remuneração dos educadores se efetiva por meio de convênios e apresenta a vantagem de que, em Santa Catarina, o poder público “assume” os educadores itinerantes, contratando- os. De outro lado, este vínculo direto educador-Estado, por vezes, se torna mais forte do que a relação educador-acampamento. Esta forma de contratação também tem favorecido certo isolamento do trabalho do educador, na medida em que um único professor assume a escola e não dois como seria desejável. O Setor de Educação tem buscado criar uma dinâmica em que dois educadores assumam cada turma,

5 Cabe aqui uma explicação a respeito da Descentralização, prática de governo que prevê autonomia orçamentária e de planejamento as 30 secretarias regionais. Nestas secretarias funcionam as Gerências Regionais de Educação, mantenedoras das Escolas Itinerantes dos acampamentos.

entretanto, isso não está resolvido.

Enquanto o Estado não assume suas responsabilidades de assegurar a estrutura física da escola, a formação dos educadores, o deslocamento de coordenadores, entre outros, as Escolas Itinerantes vêm sendo mantidas nos acampamentos com as condições que os próprios acampados e o conjunto do MST criam ou, em alguns casos, com ajuda de algumas Secretarias Municipais de Educação. Manter a escola no acampamento é uma definição do MST de que, apesar das dificuldades, nenhuma criança das séries iniciais do ensino fundamental estude fora do acampamento. Entretanto, a mobilização das famílias para manter a escola nos acampamentos não pode ser uma forma de isentar o Estado de suas responsabilidades. Precisamos ir além da garantia legal da escola, conquistando o direito aos recursos materiais e de formação para que a escola tenha condições de desenvolver todas as potencialidades, sem improviso ou sucateamento.

No documento A Escola da luta pela terra (páginas 70-72)