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ORGANIZAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DAS ESCOLAS

No documento A Escola da luta pela terra (páginas 62-65)

A Escola Itinerante é uma escola de acampamento que tem por base legal a Escola de Ensino Fundamental 30 de Outubro, localizada no assentamento Rio dos Patos, município de Lebom Régis, que atende o ensino fundamental. Esta escola é a chamada Escola Base, cujo projeto político pedagógico se aproxima da Pedagogia do Movimento, embora tenha limitações devido a muitos educadores não possuírem vínculos orgânicos com o assentamento e o MST, se deslocando diariamente da cidade para trabalhar nessa instituição escolar. O assentamento Rio dos Patos, no qual está localizada a escola 30 de Outubro, é fruto da luta dos Sem Terra de Santa Catarina. Esta escola também é uma conquista da luta dos Sem Terra assentados e por isso se tornou a Escola Base.

Consta no projeto de criação da Escola Itinerante que a Escola Base assume as funções de: a) responsabilizar-se pela relação dos alunos nas turmas da Escola Itinerante com o Sistema Estadual de Registro e Informação Escolar/SERIE; b) manter organizada a escrituração e o arquivamento dos dados referentes à vida escolar dos alunos e funcional dos educadores; c) providenciar a documentação para contratação do corpo docente; d) emitir histórico escolar do aluno, quando do pedido de transferência ou no final do curso do Ensino Fundamental.

Além das atribuições descritas acima, tem sido acrescidas outras tarefas para a Escola Base, tais como ajudar na formação dos educadores e no debate acerca do fortalecimento da Escola Itinerante, a partir da qualificação dos educadores e contribuir com a luta pela continuidade da existência da Escola Itinerante.

Desde o início da implementação das Escolas Itinerantes do MST em Santa Catarina, há, no conjunto do Movimento, a decisão de que estas seriam organizadas em todos os acampamentos onde

3 Governador eleito em 2002 e reeleito em 2006, portanto, toda a trajetória da Escola Itinerante em Santa Catarina tem acontecido neste governo.

houvesse demanda por escola e assim tem acontecido em todos esses locais.

As aulas acontecem em barracos de lona construídos pelas famílias acampadas ou em áreas onde há casas ou galpões que são destinados para a organização da escola do acampamento. As condições para a construção da escola e sua manutenção são pensadas e executadas pela comunidade acampada. Percebe-se a prioridade que as famílias dão ao espaço da escola, destinando para esta a melhor localização do acampamento, a melhor lona ou a melhor construção da área ocupada.

O MST no estado de Santa Catarina caracteriza-se por acampamentos menos numerosos, o que resulta em escolas com um número pequeno de educandos e educandas, fazendo com que boa parte das escolas sejam formadas por uma única turma. Das oito escolas, somente duas têm mais de trinta educandos, possibilitando fazer duas turmas, considerando as normas da rede estadual de ensino, que permite o desdobramento das turmas a partir de trinta alunos.

As avaliações feitas no coletivo de educadores e a prática das escolas apontam para duas constatações no que se refere à multisseriação: a) existe a possibilidade da troca de conhecimentos e experiências entre as crianças e o agrupamento por dificuldades, independentes das séries que antes frequentavam; b) tem-se a dificuldade de um acompanhamento individual das crianças devido à diversidade de níveis de aprendizado, idade e séries. A partir das avaliações e constatações decorrem ações concretas que contribuem, principalmente, no acompanhamento individual às crianças que é de trabalhar em contraturno, agrupando as crianças segundo as dificuldades encontradas, independente de série.

O Setor de Educação construiu uma proposta, no percurso de sua existência, de que o trabalho pedagógico precisa ser pensado e executado de forma coletiva. Pelo fato de a maioria das escolas ser formada por uma turma e apenas um educador ser contratado pelo estado, há dificuldade da efetivação desse princípio. Para a superação desta limitação tem-se buscado organizar nos acampamentos formas variadas de organização para que o trabalho coletivo se efetive como a constituição de coletivos de educação nos acampamentos, coletivo de pais e mães e trabalho voluntário de acampados e acampadas. Estes grupos permitem dar maior qualidade ao planejamento e à execução das atividades, e também permitem uma avaliação mais consistente de todo o processo ensino-aprendizagem e de organização e gestão da escola.

Tem-se buscado construir em todos os acampamentos um coletivo de educação que recebe nomes variados: equipe de educação, coletivo de educação, APP (Associação de Pais e Professores), Setor de Educação. Estes coletivos têm a função de acompanhar as audiências e propor pautas para as Gerências Regionais, contribuir em tarefas práticas na escola, como reparos na estrutura física e na horta, participar de reuniões e garantir que as discussões referentes à escola cheguem até os núcleos de base, participar das avaliações e planejamentos das atividades das escolas, inclusive propondo temas de estudo e de acompanhamento aos estudantes dos anos finais do ensino fundamental e ensino médio que estudam fora do acampamento.

A Escola Itinerante tem uma equipe de coordenação pedagógica formada por três pessoas4,

cujas funções são: manter relação com o Estado, com as Gerências Regionais de educação e com a Escola

4 A coordenação pedagógica é formada por três pessoas. Segundo o projeto de criação da Escola Itinerante, um dos coordenadores tem por função estabelecer relação com o Estado, com as Gerências Regionais de educação e com a Escola Base e os outros dois de fazer o acompanhamento pedagógico aos educadores e educadoras.

Base; acompanhar os educadores e educadoras no trabalho pedagógico; contribuir com o educador nas questões legais das escolas; trabalhar a formação dos educadores; ajudar a organizar a escola no acampamento e contribuir na discussão acerca do papel da escola e da educação nos acampamentos. Nesse sentido, o trabalho dos coordenadores pedagógicos é fundamental, auxiliando tanto o trabalho do educador quanto contribuindo no fortalecimento do Setor de Educação e na organização do acampamento. Esta coordenação pedagógica tem ido aos acampamentos algumas vezes ao ano e acompanhado algumas aulas para observar seu desenvolvimento, com vistas a auxiliar os educadores na organização e no planejamento das atividades pedagógicas e nas reuniões com o coletivo de educação e pais, ajudando na compreensão de que escola queremos construir. Apesar de ter-se definido, no Setor Educação do MST, a orientação de que cada coordenador pudesse fazer uma visita por mês a cada escola, a condição financeira não tem possibilitado esta frequência, pois o Estado não repassa os recursos para que isso possa se efetivar, apesar de ser de sua responsabilidade esta atribuição.

Durante os cinco anos de atividade da Escola Itinerante, é possível perceber algumas limitações: a dificuldade em constituírem-se os coletivos e garantir a participação da comunidade acampada na escola; a falta de recursos pedagógicos e didáticos e a ausência de uma política de formação continuada e consistente dos educadores, aliada à grande itinerância de educandos, famílias e educadores. Observamos que o fato das escolas serem muito pequenas e com apenas um educador tem gerado dificuldades e isolamento, o que também se deve à distância entre elas. Todos esses aspectos, somados ao abandono por parte do Estado, são limites à construção e implementação da proposta pedagógica da Escola Itinerante. Para avançarmos no trabalho destas escolas, é necessário desenvolver maior formação com os educadores, mas também com o Setor de Educação e o acampamento. Dentre outras questões, é preciso debater sobre o trabalho pedagógico acerca dos conteúdos escolares, identificando quais conteúdos trabalhar e como é possível desenvolver a interdisciplinaridade a partir de temas do cotidiano. Estas questões precisam ser refletidas no Setor de Educação do acampamento, avançando para um trabalho educacional refletido e realizado coletivamente.

É importante indicar que a vivência no acampamento e a participação nas lutas são pedagógicas e contribuem na educação das crianças. Desta maneira, é necessário construir com as famílias a compreensão de que o ambiente educativo não é apenas a escola, portanto, muitas atitudes dos adultos na vida comunitária dos acampamentos devem ser repensadas. A escola, neste contexto, assume o papel de questionar as atitudes e valores expressos e contribui para que, além da compreensão da luta pela terra, as crianças possam questionar e participar da vida do acampamento.

Na elaboração dos planejamentos das aulas tem-se orientado buscar a integração entre aspectos da realidade com a organização do conhecimento e atividades práticas. As atividades escolares, quando da organização de um novo acampamento, têm potencializado a interação e socialização entre as crianças, a maior compreensão de o porquê lutar e do que se pretende conquistar, transformando essas vivências em reflexões sistematizadas. Para avançar na prática do planejamento acima descrito, trabalhou- se na construção de metodologias que possibilitem traduzir a realidade vivida em conhecimentos, cultura e valores. Com o tempo, a escola incorpora a organicidade do acampamento, organizando os núcleos de crianças e dividindo tarefas. As crianças vão construindo a compreensão do que é planejar e avaliar, dividem

tarefas e participam da execução e da avaliação sobre elas. A escola também participa das atividades comuns do acampamento como mutirões, assembleias, trabalho na horta, celebrações e místicas.

No que se refere ao calendário escolar, as Escolas Itinerantes se organizam de acordo com o calendário da Escola Base das Itinerantes, no entanto, cada escola tem autonomia para readequá-lo, desde que garanta às crianças a carga horária de 200 dias letivos e o mínimo de quatro horas de aula diárias. As aulas que eventualmente deixarem de ser dadas no período de organização da escola são repostas, ou no contra turno, ou em sábados, sendo esta uma decisão do educador/educadora juntamente com o coletivo de educação.

A organização curricular exposta no Projeto Político Pedagógico da Escola Itinerante prevê a organização por ciclos, porém, como o registro é feito em sistema SERIE, este oficialmente não poderá ser feito por ciclos. Mesmo que a organização escolar oficial do Estado impeça de organizar o processo educativo por ciclo, se houvesse uma boa formação política pedagógica, seria possível uma maior aproximação ao trabalho por ciclos. O que acontece na prática das Escolas Itinerantes é uma organização que extrapola o sistema série, mas ainda não é ciclo. Os educadores organizam os educandos a cada duas séries, ou seja, trabalham alguns conteúdos conjuntos com a primeira e segunda série e, da mesma forma, de terceira e quarta série. Há três anos, iniciou-se a organização do Ensino Fundamental de 9 anos, então, como as turmas são multisseriadas, as atividades são organizadas por idade e/ou tempo de aprendizagem, conforme a realidade de cada espaço, levando-se em conta as especificidades e necessidades das crianças. No que se refere a avaliação, até o ano de 2008, o Sistema Estadual de Ensino organizava-se por meio de notas. Em 2009, adotou-se a avaliação descritiva dos educandos nos três anos iniciais do Ensino Fundamental. As Escolas Itinerantes, além dos registros de avaliação exigidos pelo estado, organizam formas complementares e participativas de avaliação utilizando-se de instrumentos como cadernos de acompanhamento individual dos educandos, avaliações orais ao final de aulas ou atividades, reunião de pais e pareceres descritivos de cada criança, elaborados em processos participativos e socializados com os pais e comunidade. Independente da forma de registro adotada, a avaliação inclui aspectos como o aprendizado das crianças, o ensino, a organização da escola e a participação da comunidade acampada.

O Projeto Político Pedagógico das Escolas Itinerantes está em contínuo processo de construção desde a sua legalização e tem como base a construção que vem sendo feita ao longo dos anos da Pedagogia do Movimento. A metodologia de construção envolveu, e envolve, reuniões de um grupo de trabalho, estudo e construção no coletivo de educadores e estudo nos acampamentos. Nos cursos de formação de educadores, este projeto é estudado e são anotadas as sugestões, buscando assim a participação e o conhecimento deste por parte dos educadores que, juntamente com o Setor de Educação e coletivo de acompanhamento, têm a tarefa de realizar as discussões com as famílias acampadas.

No documento A Escola da luta pela terra (páginas 62-65)