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CAPÍTULO 4 MAIS ESCÂNDALOS EM 2006, É O ANO DA REELEIÇÃO

4.9 SEGUNDO TURNO E A CAMPANHA PARA ALCKMIN

A edição de Veja na semana seguinte das eleições, publicada em 11 de outubro, é praticamente comemorativa. O enunciador finalmente conseguiu assistir a uma derrota de Lula e vibra, ao levar Alckmin para a capa em pose de campanha. A matéria principal leva o título de “O fenômeno Alckmin”. No olho, o enunciador comemora que “o tucano dispara na reta final, conquista 40 milhões de votos e chega ao segundo turno com chances de vitória”. Ou seja, seus leitores podem ficar calmos, há boas chances de tirar Lula do poder. A matéria é positiva para o

tucano e tenta passar para o leitor o significado da importante vitória conseguida pelo PSDB.

“Ao acordar no domingo da votação de primeiro turno, o candidato tucano à Presidência da República, Geraldo Alckmin, tinha diante de si uma desvantagem nas pesquisas de 12 pontos em relação ao seu adversário, imensa probabilidade de sofrer uma derrota

acachapante e – em caso de confirmação dessa hipótese – a ameaça de ter o futuro político reduzido a pouco mais do que pó dentro do seu partido, o PSDB. Ao deitar-se naquela noite, porém, o tucano viu no espelho uma imagem que era bem diferente. Alckmin terminou o dia refestelado sobre uma montanha de 40 milhões de votos, com vaga garantida no segundo turno e status de fenômeno eleitoral: passou a ocupar o segundo lugar no ranking dos candidatos mais bem votados, em números absolutos, no primeiro turno de uma eleição presidencial O tucano não só superou em 20 milhões o número de votos obtidos em 2002 por seu colega de partido José Serra, como derrotou Lula em nada menos do que dez estados brasileiros, além do Distrito Federal. Em 2002, Serra venceu o petista apenas em Alagoas (...) Uma confluência de fatores explica o vôo alto do tucano. Sua candidatura vinha experimentando um crescimento lento, mas robusto, havia alguns meses, graças a uma campanha que, se não primou pela empatia, enfatizou a necessidade de uma agenda positiva para o Brasil. Com a eclosão do dossiêgate e, em grau menor, as demonstrações de arrogância de Lula, cuja condição de favorito o fez fugir dos debates televisivos, esse crescimento ganhou, pouco antes da votação, uma velocidade vertiginosa, não captada pelas pesquisas. No entanto, é consenso entre os especialistas que, no caso do escândalo do dossiê, ele só adquiriu alta combustão porque o PT e Lula já haviam levado a proporções épicas a corrupção governamental. Se não fossem o mensalão, os dólares na cueca, o caixa dois, o valerioduto e o escândalo do caseiro, para ficar apenas nas histórias mais marcantes, a tentativa de compra de documentos anti-PSDB por parte de petistas certamente teria tido menos impacto”. (Veja, 11/10/2006).

O enunciador novamente não aponta os especialistas que fazem a análise em sua matéria. Também tenta impingir a derrota de Lula aos desmandos do PT e não à cobertura da mídia. Ele mostra que o resultado nas urnas também é fruto da ação de pessoas que, como seus eleitores, são bem informadas. Veja destaca que “o ótimo desempenho de Alckmin no primeiro turno mudou os ânimos de seus pares no PSDB”. E talvez o seu próprio ânimo, pois agora consegue ver os resultados do seu trabalho. Por isso pode continuar no mesmo caminho. É o que faz na mesma edição. Enquanto leva Alckmin para a capa com uma matéria positiva, Veja escreve sobre Lula a reportagem “Agora é com a máquina”, em que diz no olho: “atordoado com o segundo turno, o candidato Lula engoliu o presidente Lula – e a campanha engoliu o governo”.

“A festa estava pronta. No comitê reeleitoral do presidente Lula em Brasília, os organizadores prepararam a comemoração da vitória – e não esqueceram de encomendar cinco caixas de champanhe. O presidente, depois de votar em São Bernardo do Campo, tomou o avião para Brasília e instalou-se no Palácio da Alvorada, onde recebeu aliados e ocupou-se até mesmo em estudar os principais

pontos que deveria abordar no ‘discurso da vitória’. Ainda que as pesquisas realizadas na véspera e no dia da eleição já não oferecessem segurança sobre o resultado final, Lula estava certo de que venceria a eleição no primeiro turno. Na noite de domingo, quando ficou claro que haveria mesmo uma segunda votação, o presidente recebeu o telefonema de um interlocutor e manifestou sua perplexidade. ‘Por essa eu não esperava. Tinha certeza de que liquidava tudo hoje’, disse o presidente, conforme o relato do autor do telefonema. No dia seguinte, a primeira mudança provocada pelo segundo turno estava materializada: o presidente Lula, que quase ignorou sua agenda presidencial, fora engolido pelo candidato Lula – e o governo, com dezessete ministros arregaçando as mangas, fora engolido pela campanha (...) Sem definir uma estratégia, e ainda atordoado com o susto do segundo turno, Lula resolveu abraçar todas as sugestões: falar aos pobres e agradar à classe média, empunhar a bandeira da ética e criticar os tucanos. Ao seu lado, petistas e aliados tentam se motivar para a campanha. Talvez a melhor idéia para motivá-los tenha partido do ministro Hélio Costa, na reunião com seus colegas. Disse ele: ‘Ninguém aqui é técnico, ninguém passou em concurso público, todos estão no cargo porque são políticos. Vamos trabalhar para não perder os empregos. Se Alckmin ganhar, todos nós estaremos na rua’”. (Veja, 04/10/2006).

Parece que a única motivação do PT e dos aliados para ganhar as eleições é o emprego público, o aparelhamento do estado, uma das estratégias discursivas da revista para tratar do governo Lula. A matéria é bem destoante do tom otimista empregada pelo enunciador para tratar de Alckmin.

Na mesma edição de 11 de outubro, Veja volta a modalizar o PT com o que há de pior na política brasileira e escreve uma matéria sobre os parlamentares petistas eleitos com o título “A turma do mal está de volta”.

Na semana seguinte, em 18 de outubro, a cobertura de Veja parece ter o mesmo ângulo da estratégia eleitoral que Alckmin utilizava no programa gratuito que recomeçara: questionar de onde veio o dinheiro que o PT usou para pagar o dossiê contra os tucanos. A matéria é capa da revista, ou seja, uma semana depois de Alckmin estampar a capa de forma positiva, Lula está na primeira página, mas de forma negativa. A matéria principal é “Um enigma chamado Freud” e diz no olho que “ele e o dossiêgate são

como fogo e dinamite. Por isso, uma operação está em curso para mantê-los afastados. Se ela falhar, será um deus-nos-acuda”.

ONDE ESTÁ O DINHEIRO?

O candidato do PSDB à

Presidência, Geraldo Alckmin, fez da pergunta um bordão que doeu nos ouvidos de Lula

“A apuração dos repórteres de Veja mostra que a operação abafa seguiu um padrão mais ou menos constante na crônica policial do governo petista. Primeiro se comete um ilícito e depois se seguem outros ainda mais demolidores na tentativa de encobrir o primeiro. A operação faxina do dossiêgate contou com a colaboração jurídica do ministro Márcio Thomaz Bastos (sempre ele), da mãozinha financeira do tesoureiro do PT, Paulo Ferreira, e da força bruta de um cidadão até agora distante do caso: José Carlos Espinoza – como Freud, um grandalhão que trabalhou como segurança de Lula e ganhou um emprego no governo (...) Para que Freud Godoy possa retomar sua boa vida de fiel assessor do presidente da República, precisa ser exonerado das suspeitas que pairam sobre ele. Suspeitas que não foram fabricadas pelas ‘elites’, pela ‘nossa querida imprensa’ ou pelo PSDB. Foram lançadas sobre Freud pela própria maneira de ser do PT” (Veja, 18/10/2006).

A uma semana do segundo turno das eleições, Veja mantém Lula na capa de 25 de outubro, com um dos assuntos que mais incomodou o presidente durante o escândalo do “mensalão”: as acusações de que seu filho fez tráfico de influências para fechar negócio com a Telemar. A matéria, embora fosse o assunto principal da revista, não tem nenhuma novidade, apenas requenta acusações de um ano e três meses atrás. Para deixá- la factual, o enunciador aproveita uma entrevista que Lula dera ao jornal Folha de S. Paulo naquela semana. Ao responder a pergunta de um leitor sobre o caso envolvendo seu filho, o presidente disse que Fábio Luiz teve sorte e que deve haver um milhão de pais reclamando: por que meu filho não é o Ronaldinho? Veja aproveitou a deixa para estampar na capa a manchete: “O ‘Ronaldinho’ de Lula”.

A matéria principal leva o título “Porque não pode todo mundo ser o Ronaldinho”. No olho, o enunciador diz que esta é “a explicação do presidente Lula para o tremendo sucesso de seu filho Fábio Luís, que coincide com o mandato presidencial do pai”.

“Como aconteceria com qualquer pai, o presidente Lula tem demonstrado o orgulho que sente pelo sucesso de seu filho Fábio Luís Lula da Silva. Aos 31 anos, Lulinha, apelido que ele detesta, é um empresário bem-sucedido. É sócio de uma produtora, a Gamecorp, que, com um capital de apenas 100.000 reais, conseguiu fazer um negócio extraordinário: vendeu parte de suas ações à Telemar, a maior empresa de telefonia do país, por 5,2 milhões de reais. Como a Telemar tem capital público e é uma concessionária de serviço público, a sociedade com o filho do presidente sempre causou estranheza (...) Pouco ou nada se sabe dos hábitos dos filhos de Lula antes ou depois de o pai receber a faixa presidencial. Mas a trajetória profissional de Fábio Luís mudou e muito. Foi só depois da posse que seus dons

fenomenais começaram a se expressar – e com tal intensidade a ponto de o pai ver nele um Ronaldinho dos negócios (...) Sabe-se agora que os 15 milhões de reais investidos pela Telemar na empresa de Lulinha não foram um investimento qualquer. As circunstâncias sugerem que o objetivo mais óbvio seria comprar o acesso que o filho do presidente tem a altas figuras da República (...) O Ronaldinho do presidente Lula é mesmo um fenômeno (...) Todo pai tem direito de ver no filho um Ronaldinho e na filha uma Gisele Bündchen.Da mesma forma é vital tentar entender o mistério por trás de certas transformações extraordinárias dos filhos de presidentes, em especial quando elas ocorrem durante o ápice de poder dos pais” (Veja, 25/10/2006).

Veja continua tirando conclusões sobre suspeitas e indícios. Não há qualquer prova que incrimine o filho de Lula. Na mesma edição de 25 de outubro, Veja continua explorando o caso do dossiê, com a matéria “O fracasso da operação abafa”. Tanto o caso do dossiê quanto o escândalo do filho de Lula continuam na edição seguinte, 1° de novembro, que circulou um dia antes do segundo turno. A capa da edição é “dois brasis depois do voto”, com imagem de Lula e Alckmin e o subtítulo: “Os desafios do presidente eleito para unir um país divido e fazer o Brasil funcionar”. País dividido, segundo o enunciador, por pobres sem consciência e as classes média e rica informadas e indignadas.

“O Brasil encerra sua quinta campanha presidencial consecutiva com duas novidades. A primeira é que nunca houve tanto debate televisivo entre dois candidatos ao Palácio do Planalto (...) A segunda é que, lamentavelmente, apesar da sucessão inédita de debates, nunca uma campanha presidencial passou tão ao largo das grandes questões nacionais, rendendo-se de forma inapelável ao marketing. (...) O presidente eleito terá o desafio imediato de unir os dois Brasis revelados na campanha. Mas para fazer o país voltar a funcionar será preciso, mais do que unir, encontrar pontos de consenso que diminuam o atrito entre as diferentes visões de mundo (...) Lula consumiu o tempo esquivando-se de dar explicações sobre os escândalos no governo e no PT e desfilou todas as comparações imagináveis – as corretas e as falsas – com os oito anos do governo de Fernando Henrique para tentar mostrar a superioridade de sua gestão. Alckmin, por sua vez, vacilou sobre os assuntos que a campanha trouxe. Não soube defender as privatizações, nem mesmo na semana em que a Companhia Vale do Rio Doce, evidenciando o sucesso de sua privatização em 1997, virou a segunda maior mineradora do mundo. Alckmin fez a denúncia sistemática da podridão do governo Lula, mas falhou miseravelmente ao não conseguir estabelecer a diferença essencial entre a corrupção que acontece por falhas do sistema (e que pode aparecer em qualquer governo de qualquer país) e a corrupção endêmica (que virou marca registrada do governo petista) (...) São brutais

as diferenças entre o Lula de 2002 e o Lula de agora, sobretudo no que se refere à espetacular erosão de seu patrimônio ético. Com seu Bolsa Família tão bem-sucedido eleitoralmente, Lula acabou trazendo para o centro da cena política as classes menos favorecidas – e isso é um ótimo sinal. O desafio, até agora silenciado, seja na campanha eleitoral, seja no Congresso Nacional, onde deveriam ser produzidos os consensos nacionais, é como manter esses novos atores no palco e agregá-los ao país, tarefa que, naturalmente, não se cumpre com assistencialismo”. (Veja, 01/11/2006).

O enunciador de Veja continua sua estratégia de denegrir a imagem do PT e poupar o PSDB. Na mesma edição que circula a poucas horas das eleições, o semanário mantém praticamente todas as modalizações discursivas que usou contra Lula nos últimos quatro anos: o preconceito, o autoritarismo do PT, a corrupção, o aparelhamento do Estado, o banditismo. Além da matéria sobre o filho de Lula, Veja veicula na mesma edição uma reportagem sobre o irmão do presidente, que também teve seu nome envolvido em escândalos, acusado de ser lobista, em outubro de 2005.

A matéria de 1º de novembro leva o título “Deu chabu, Vavá”. Deu chabu é uma expressão popularesca para dizer que algo deu errado. Ao usar essa expressão, o enunciador quer demonstrar que este é o linguajar dos familiares de Lula, que devem ser um bando de analfabetos e ávidos pelo poder. No olho o enunciador diz que o “irmão de Lula está ligado a acusado de corrupção”. A legenda da foto principal faz uma alusão a sucessivas negativas de Lula sobre ter conhecimento dos escândalos.

Vavá: é claro que ele não sabia...

“Em outubro de 2005, Veja revelou que o irmão do presidente Lula, Genival Inácio da Silva, conhecido como Vavá, atuava como lobista em órgãos do governo federal (pois é, parece uma tendência genética). Na semana passada, um dos clientes de Vavá citados na reportagem, o empresário português Emídio Mendes, voltou ao noticiário. Dono do Riviera Group, um conglomerado que atua nos setores

imobiliário, turístico e energético, Mendes está sendo investigado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo e pela Polícia Federal. O empresário, apontado como pivô de um esquema de corrupção na prefeitura de São Sebastião, no Litoral Norte de São Paulo, é suspeito de ter pago propina ao prefeito Juan Pons Garcia (PPS), em troca de mudanças escusas na legislação que regulamenta o mercado imobiliário na região. Além dos interesses nesse setor, Mendes também tentou montar uma base de exportação de álcool combustível em São Sebastião. Foi para essa empreitada que solicitou os serviços de Vavá (...) Acompanhado pelo irmão do presidente, Mendes conseguiu ser recebido para discutir o projeto na Petrobras e no Palácio do Planalto, em audiências com o assessor especial de Lula, César Alvarez, e com o secretário particular da Presidência, Gilberto Carvalho. Sabe-se agora que Mendes também é alvo de investigação da polícia em Portugal. As autoridades daquele país suspeitam que ele andou subornando meio mundo para viabilizar seus empreendimentos. Mas é claro que Vavá não sabia de nada...” (Veja, 01/11/2006).

Mas a grande maioria dos eleitores brasileiros não deu bola para os escândalos do governo muito bem explorados pela grande imprensa e reelegeu Lula para mais um mandato. O presidente teve praticamente a mesma proporção de votos (58.295.042) que tivera em 2002, provando que seu primeiro governo não desgastou sua imagem.