• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2 TUDO COMEÇOU EM 2004

2.1 MAIS ESCÂNDALOS EM 2004; É ANO ELEITORAL

No mesmo ano de 2004, outro integrante do primeiro escalão do governo também passou por um escândalo. Foi o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Assim como no caso Waldomiro, as denúncias contra Meirelles partiram de uma concorrente de Veja, neste caso a IstoÉ. A revista, da Editora Três, publicou em sua última edição de julho uma denúncia de que o presidente do Bacen teria contas a acertar com o Fisco. Meirelles foi acusado de ter apresentado declarações de renda conflitantes à Receita e à Justiça Eleitoral. Na mesma semana, Luiz Augusto Candiota, diretor de política monetária do Banco Central, foi acusado pela imprensa de má conduta fiscal e pediu demissão. Os dois fatos, juntos, alimentaram um pequeno escândalo contra Meirelles.

Veja entrou no caso logo na primeira semana, na edição de 4 de agosto. No editorial da Carta ao Leitor, a revista justifica o furo levado. Com o título “Os critérios de Veja”, o enunciador conta que o semanário teve acesso, há mais de um mês, aos extratos bancários de Candiota. Que apurou as denúncias e, ao final, Veja concluiu que, se Candiota cometera mesmo algum deslize, os documentos a que seus repórteres tiveram acesso não constituíam prova irrefutável disso.

“Com base nessa constatação, a revista decidiu não publicar a reportagem sobre o caso. Na semana passada, a mesma notícia foi publicada pela revista IstoÉ. A notícia foi discretamente reproduzida pelos jornais, mas acabou motivando a saída de Candiota do Banco Central – desenlace que, aí sim, provocou ampla divulgação do episódio. Veja mantém sua posição inicial em relação ao caso Candiota. Na tarde de quinta-feira passada, Veja recebeu outra batelada de documentos, desta vez envolvendo Henrique Meirelles, presidente do Banco Central” (...) “Após ouvir especialistas e o próprio Meirelles, Veja considerou que a reportagem atendia aos critérios jornalísticos da revista” (04/08/2004).

A essa altura, o governo do PT já havia passado pelos piores momentos do caso Waldomiro Diniz. O escândalo ainda era comentado pela imprensa, mas de forma muito mais discreta.

A repercussão dos problemas do presidente do Bacen com o Fisco começou a ser trabalhada por Veja com a reportagem intitulada “Meirelles na mira”, que rendeu uma chamada no canto esquerdo superior da capa: “Banco Central: Mais um embaraço para Meirelles”. A matéria de Veja, que alimentou a continuidade deste pequeno escândalo na imprensa no decorrer da semana, não mostra “nenhum ilícito fiscal”, como o próprio enunciador reconhece.

Na quinta-feira da mesma semana, a edição eletrônica de Veja noticiou que Meirelles sacou 50.677,12 dólares de sua conta no Goldman Sachs, nos Estados Unidos, e depositou o dinheiro na conta de doleiros, também em banco americano. Além disso, Veja apurou que Meirelles não informou ao Fisco sobre a existência de sua conta pessoal no Goldman Sachs.

Esta informação bastou para que Meirelles estivesse estampado na capa da edição seguinte, a quarta sobre escândalos do governo Lula, todas em 2004. A capa de 11 de agosto é praticamente uma charge do presidente do Banco Central afundando, com água

até o pescoço. Em cima da chamada, o chapéu explica tratar-se das “denúncias contra Henrique Meirelles”. Em letras garrafais, o enunciador pergunta: “Tem salvação?”. A composição da capa leva o leitor a responder que não e acreditar que a queda de Meirelles e iminente, embora até hoje, cinco anos depois, ele ainda esteja no cargo. Outra aposta errada do enunciador de Veja.

Na Carta ao leitor, chamada de “Promoção a povo”, a revista afirma que a imagem de Meirelles foi atingida e que “o PT no governo tem sido vítima do mesmo carbúnculo que ajudou a inflar no seu passado oposicionista”. Após esta capa, Veja não tratou mais do assunto.

Ainda em 2004, pouco antes, na edição de 26 de maio, quando o caso Waldomiro começou a se esfriar, a revista Veja publicou uma denúncia, que mereceu a seguinte chamada na parte superior da capa: “O escândalo da ONG petista”. Em letras menores: “empresário íntimo de Lula e auxiliar de José Dirceu se enroscam em notas frias”. O enunciador também parece íntimo do presidente e, fiscalizador como sempre, descobre que a organização não-governamental Ágora desviou pelo menos 1 milhão de reais de dinheiro público, usou notas frias, empresas-fantasmas e “outras aberrações financeiras típicas de negócios que não podem ser conduzidos à luz do dia”, enfatiza o enunciador, condenando de imediato o caso.

O responsável pela ONG é o empresário Mauro Farias Dutra, 43 anos, que Veja descreve como “um companheiro de pescarias e íntimo de Lula”. No destaque, o enunciador conta que ele “foi flagrado com uma pilha de notas frias para amparar gastos de dinheiro público destinado a treinar trabalhadores – um negócio no qual tinha como sócio o hoje braço direito do ministro da Casa Civil, José Dirceu”. Segundo a reportagem, “Maurinho, como é chamado por Lula, foi arrecadador de recursos nas campanhas eleitorais. Na presidencial de 2002, abordava empresários, e os que concordavam em pôr a mão no bolso eram encaminhados ao tesoureiro oficial, Delúbio Soares”.

A revista tenta mostrar intimidade entre Lula e o dono da ONG. Segundo o enunciador, e o “endinheirado e arrecadador de campanha, Mauro Dutra também faz negócios com dinheiro público. Dono da Novadata, empresa que fabrica computadores, ele é um grande fornecedor do governo federal. No último ano do governo tucano,

recebeu 170 milhões em transações com a administração pública. Agora, na administração petista, já bateu na casa dos 200 milhões”.

Para o enunciador, parece não ter a menor importância que Dutra já fosse fornecedor do governo do PSDB e que seus ganhos não tivessem crescido tanto com o PT. A informação está na matéria, mas não há comentários ou qualquer investigação sobre a relação do empresário com os tucanos.

O jornalismo investigativo de Veja parece só funcionar para um lado. A reportagem revela que há “outro petista estrelado envolvido", é o dentista Swedenberger Barbosa, ligado a Cristovam Buarque. Segundo apurou a reportagem, ele associou-se à ONG em abril de 2001, “de onde só saiu em janeiro do ano passado, para assumir o cargo de braço direito do ministro José Dirceu, no Palácio do Planalto”. Barbosa era secretário executivo da Casa Civil. O curioso é que o enunciador dizia menos de um mês atrás que o Waldomiro Diniz era o “braço direito” de Dirceu. E, mais tarde, dirá que o petista Marcelo Sereno, envolvido no escândalo do "mensalão", em 2005, também era seu "braço direito".

Na edição da semana seguinte, de 2 de junho, Veja continua repercutindo o assunto. Com a retranca “Corrupção”, a reportagem “Na mira de todos”, revela que a “ONG petista enfrenta batelada de investigações e pode até fechar”. Está aí consolidada outra modalização discursiva da revista, em que associa o PT à corrupção nos títulos e destaques.

Após essas duas matérias, o escândalo da "ONG petista" só é tratado por Veja dois meses depois, na edição de 4 de agosto. A revista publica o tema pela última vez, agora com a retranca “política” e não “corrupção”. A reportagem, “Estava tudo errado”, diz que o Tribunal de Contas da União divulgou o resultado de dois meses de investigações sobre a Ágora. Segundo o enunciador, o relatório de 33 páginas “faz uma minuciosa radiografia do convênio entre a Ágora e o programa Primeiro Emprego”, e pede duas providências “constrangedoras”: a suspensão temporária do convênio e a devolução pela ONG de parte do dinheiro.

Ainda em 2004, houve o caso da “máfia dos vampiros”, que atuava há vários governos no Ministério da Saúde. Veja publicou três matérias sobre o assunto. A Polícia

Federal descobriu uma gangue que agia há catorze anos no setor de compra e sugou 2 bilhões de reais do Ministério da Saúde. Sobreviveu a doze ministros e foi desmantelada na ação batizada de Operação Vampiro, da PF, que prendeu catorze pessoas entre empresários, lobistas e funcionários do ministério.

Embora o caso tenha passado por diversos governos, o foco das críticas da revista é o PT, apesar de a quadrilha ter sido desmantelada pela Polícia Federal comandada por Lula. Isso não merece qualquer elogio de nosso enunciador.

A Máfia dos Vampiros começa a ser divulgada por Veja em 26 de maio. Uma semana depois, em 2 de julho, o semanário publica a reportagem “Vampiros no gabinete”, revelando em destaque na linha fina que, “com dois homens de confiança acusados de corrupção, o ministro da Saúde, Humberto Costa, fica em situação delicada".

Nessas duas edições, Veja publicava também a história da "ONG petista". Um mês atrás, o caso Waldomiro Diniz estava no auge. Do início da primeira crise até a descoberta da Máfia dos Vampiros passaram-se pouco mais de três meses e o PT já figurava em três escândalos políticos nas páginas de Veja.

No escândalo de agora, o enunciador de Veja envolvia o ministro da Saúde, Humberto Costa, mesmo admitindo não haver "sinais de que ele tenha ligação direta com as ilegalidades. Mas as investigações da Polícia Federal apontam o envolvimento de dois de seus homens de confiança nas falcatruas”. A reportagem traz uma foto de Humberto Costa um tanto ridícula, com as mãos no joelho como se estivesse rebolando. Sem citar qualquer outro partido, qualquer outro governo ou qualquer outro envolvido, o enunciador centra fogo no PT, sem temer uma acusação de que estaria sendo parcial.

Todos esses escândalos que Lula e seu partido se viram envolvidos em 2004 foram explorados pela imprensa num ano eleitoral. Após a massiva vitória nas urnas em 2002, o PT figurava como favorito nas eleições municipais que ocorreria em outubro.

Veja não só explorou os escândalos do governo petista e poupou críticas aos opositores, num jogo de revelação e omissão, como também maquiou a realidade para denegrir a imagem dos petistas.

Na edição de 1º de setembro, um mês antes do primeiro turno das eleições municipais para prefeito e vereador, a revista publicou uma reportagem intitulada “A gorda campanha do PT”. A chamada abaixo do título diz que “com cofre de novo-rico, o partido faz a campanha mais cara da história eleitoral do Brasil”. A reportagem abre com uma foto de Duda Mendonça, marqueteiro do PT. Uma arte traz um pão em forma de baguete fatiado. Mais da metade está com o PT, que segundo a revista planeja gastar 100 milhões de reais. Outra parte, equivalente a 40 milhões de reais, está para o PSDB, depois o PFL (30 milhões) e PMDB (20 milhões).

O enunciador reforça a estratégia narrativa e o agendamento temático que acompanharam a cobertura da revista sobre os escândalos, em 2004: “A fortuna do PT é tão expressiva que supera até a soma do que os outros três grandes partidos devem gastar nesta eleição”, e isto “conforme as estimativas mais otimistas” dos outros partidos, assinala o enunciador, que aparentemente começa a ficar irritado com os "desmandos" do PT. Veja sabe o que ocorre nas entranhas do mercado publicitário e conta que o PT está inflacionando o meio. “Especula-se que o pacote musical custará ao PT entre 15 e 20 milhões de reais, luxo que nenhuma outra sigla pode ter”.

Eram ainda as primeiras semanas do horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão, mas o enunciador já percebeu “com clareza a superioridade financeira dos programas petistas”. Bem informado sobre as contas do partido, o enunciador revela que parte do dinheiro vem das sobras da campanha presidencial de 2002, “quando o PT arrecadou muito mais dinheiro do que imaginava”.

O enunciador não conta que em 2002 a campanha de Lula fechou com um déficit de R$ 10 milhões. A "superioridade financeiras dos programas petistas" também não foi tão grande assim em 2004. Os gastos com a campanha de prefeitos e vereadores naquele ano foram bem próximos entre o PT e o PSDB, os dois partidos que polarizaram a maior parte das disputas. Em São Paulo, por exemplo, os petistas gastaram R$ 17.391.219,01 para as campanhas do Executivo e do Legislativo da capital. O PSDB gastou R$ 14.837.614,78, uma diferença de 14,7% segundo dados oficiais.

Com as eleições consolidadas, o PSDB desbancou o PT nos grandes centros urbanos e passou a governar mais eleitores também em todo o país. Os tucanos venceram em 871 cidades que abrigam 25,617 milhões de eleitores, o equivalente a 21,4% do país. Os petistas conquistaram 411 prefeituras, com 17,055 milhões de eleitores, ou 14,2% do total. A grande diferença entre os dois partidos foi garantida pela capital paulista. A cidade de São Paulo, que até então era governada por Marta Suplicy, do PT, passou para as mãos do PSDB, com José Serra.