• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 4 MAIS ESCÂNDALOS EM 2006, É O ANO DA REELEIÇÃO

4.6 MAIS ATAQUES A QUATRO MESES DA ELEIÇÃO

Faltam menos de quatro meses para a eleição presidencial de 2006 e Lula segue como franco favorito para se reeleger, como apontam todas as pesquisas de opinião. Diante desse quadro, o enunciador de Veja começa a perceber que a única saída é que oposição haja para tirar os petistas do poder usando os meios legais. Na edição de 7 de junho, Veja faz essa crítica na matéria “Oposição de faz-de-conta”. No olho, o enunciador diz que “enquanto o governo finge que não sabia do mensalão e de outras maracutaias, seus adversários fingem que investigam”. Veja abre a matéria enumerando a série de crimes cometida pelo PT no último período:

“A crise do mensalão, que já dura um ano, trouxe à tona cenas inesquecíveis: petistas flagrados com dólares na cueca e com Land Rover na garagem, muitas mãos na cumbuca do valerioduto, marqueteiro com depósitos do PT em paraísos fiscais, ex-ministro qualificado em documento da Justiça como ‘chefe da quadrilha’, filho de presidente da República beneficiado com milhões de reais de uma empresa de telefonia e por aí vai. O Brasil nunca viu uma seqüência tão grande de escândalos – nem uma oposição com tão pouco apetite para investigá-los. Mesmo entre líderes dos dois principais partidos adversários do governo – PSDB e PFL – é consenso que a oposição, em momentos decisivos da crise, não esteve à altura do seu papel. Pior: em algumas oportunidades, a força antagônica que deveria ser responsável por fiscalizar o governo optou por poupá-lo e a seus dirigentes. Incluídos, aí, o próprio presidente Lula e seus parentes enrolados em negócios mal explicados (...) A falta de traquejo do PSDB e do PFL na arte de não ser governo contribuiu para essa inércia. Enquanto o PT passou os últimos vinte anos na oposição, PSDB e PFL viveram com muito mais intensidade a experiência de ser situação – como titulares ou sócios do poder (...) Outra razão para a inércia da oposição reside numa mistura de oportunismo e medo. Ao preferir delegar à imprensa e ao Ministério Público a tarefa de investigar as denúncias, a oposição pretendia surfar na onda dos escândalos, sem, no entanto, se submeter ao risco de aproximar-se demais do centro da crise (...) A equivocadíssima convicção de que àquela altura o candidato Lula já estava morto para a reeleição e o medo de que a história respingasse também neles próprios (...) enfraquecem e desautorizam a oposição. Acima dos interesses pessoais, partidários e eleitorais, existe uma fronteira que separa o legítimo do imoral. Por mais de uma vez, o governo ultrapassou essa linha divisória – e acabou impune graças a um pacto de não-agressão que a oposição se achou no direito de firmar com ele, sem a chancela da sociedade

(...) Pensando bem, um país assim só poderia mesmo ter a oposição que tem. Uma oposição de faz-de-conta que está ajudando Lula a rir por último (Veja, 07/06/2006).

Se a oposição não faz a sua parte, o enunciador de Veja continua seu trabalho para impedir a reeleição de Lula. Não há uma única edição em que a revista não gaste páginas e mais páginas para denegrir a imagem do PT. Em 14 de junho o partido está novamente na capa, na modalização discursiva que liga a legenda a bandidos e baderneiros. A capa leva a manchete de “PT Bulls” e trata do protesto realizado aquela semana pelo Movimento de Libertação dos Sem-Terra, que acabou com a depredação do Congresso Nacional. Veja também continua a estratégia de mostrar o autoritarismo do partido já no título da matéria, “Insulto à democracia”, e no olho: “No mais violento ataque ao congresso nacional desde a ditadura militar, 500 sem-terra mostram todo o seu desprezo pelo símbolo da democracia - e colhem uma crítica pífia, apenas protocolar, do PT e do presidente Lula”.

Embora o enunciador critique sempre a famosa frase de Lula sobre o “nunca antes na história desse país”, para falar das melhorias do seu governo, ele usa do mesmo artifício retórico para falar sobre os ataques do PT à democracia, os maiores desde a ditadura militar. Sempre que vai falar em autoritarismo do partido do presidente, o enunciador destaca que aquilo nunca ocorreu na democracia brasileira pós-64.

Na matéria, o enunciador diz que o ataque ao congresso é feito por “vândalos”. E que as cenas “não se limitam à barbárie. Elas são ao mesmo tempo um insulto e um teste do grau de tolerância da democracia brasileira”.

“Por serem contra o Congresso Nacional, contra a casa das leis, a casa do povo, contra o poder que simboliza a democracia e a liberdade, os sem-terra do MLST fizeram um ataque frontal à consciência democrática. Talvez seja a mais violenta e acintosa agressão à democracia desde que a ditadura militar fechou as portas do Congresso Nacional, em abril de 1977 (...) Os líderes dos sem-terra e seus protetores no governo são acometidos do ‘mal de Marxzheimer’, doença social que produz miséria física e mental. Ele envenenou todo o século passado. A doença foi debelada na Europa quando, minada pelo espírito libertário dos cidadãos, a União Soviética se derreteu. O mal sobrevive apenas em sua forma tropical. Seus sintomas são a hipocrisia, a estupidez, a preguiça e a violência. Ele se alimenta de verbas públicas e de inocentes úteis. No governo Lula transformou-se em uma verdadeira epidemia. O remédio? Não existe cura definitiva para o mal de Marxzheimer. Sem verbas públicas, ele definha mas não morre. Exposição à luz diminui a virulência dos efeitos. Mas o máximo que a profilaxia consegue é fazê-lo cristalizar-se como certos

vírus, estado dormente em que aguarda até atacar outra vez a democracia representativa, os laboratórios de pesquisa, as empresas, enfim, tudo o que signifique progresso, prosperidade e melhoria de vida para a maioria. Eta doença!” (Veja, 14/06/2006).

Segundo Renato Rovai (in Lima, 2007, p 129), há uma autorização que não está escrita em nenhum manual de redação do Brasil, mas que pode ser utilizada por qualquer “jornalista mal-intencionado” em muitos veículos de comunicação: movimentos sociais e partidos de esquerda podem ser acusados sem provas, como seus protestos e mobilizações, e sempre que possível devem ser criminalizados.

Na edição da semana seguinte, de 5 de julho, mais uma matéria se destaca, entre tantas outras negativas para o partido de Lula. Intitulada “O vampiroduto do PT”, diz o olho que “surgem indícios de que Delúbio Soares, o ex-tesoureiro, tinha ligações com a máfia dos vampiros. Os outros partidos, que estão até mais envolvidos que o PT no esquema, não são os alvos das críticas do enunciador, que prefere atacar o governo, mesmo admitindo que só há “indícios”.

O escândalo dos vampiros ou sanguessugas, conforme acabou batizado o bilionário esquema de fraudes em licitações do Ministério da Saúde, começou no governo Collor, em 1990, e passou por todos os demais até ser desbaratado pela Polícia Federal sob o comando de Lula. A revista só lembra de fraudes que ocorreram no período de Collor e Lula, poupando Fernando Henrique de qualquer crítica. Aliás, o esquema, mesmo tendo acabado no governo Lula, piorou com os petistas, segundo o enunciador de Veja. Note que só há indícios, conforme admite a própria revista, nenhum fato.

“Apesar de sua dimensão e sua longevidade, o esquema nunca ultrapassou as fronteiras da criminalidade comum – era mais um caso de assalto aos cofres públicos envolvendo personagens desconhecidos e funcionários subalternos. Agora, dois anos depois, surgem indícios sólidos de que o esquema tinha uma face oculta: uma conexão com o caixa dois do PT (...) Veja conseguiu acesso aos 25 volumes do inquérito do caso, guardados na Polícia Federal em Brasília. Com cerca de 7.000 páginas, o inquérito traz depoimentos e transcrições de escutas telefônicas cujo conteúdo nunca veio a público – e mostra que havia ligações entre a máfia dos vampiros e o então tesoureiro do PT, Delúbio Soares” (Veja, 05/07/2006).

A máfia dos vampiros, ou sanguessugas, voltou para a capa da Veja no final do mês, na edição de 26 de julho. Faltam pouco mais de dois meses para

as eleições e o PT, um dos menos envolvidos com o crime (quadro ao lado), é o principal acusado pelo enunciador de Veja, na matéria “Era pior do que se pensava”. Já no olho, o enunciador fala de um petista: “O chefe da máfia dos sanguessugas revela que seu esquema corrompeu sessenta prefeitos e 20% do Congresso e adentrou o gabinete de Humberto Costa”.

Ao todo, são 112 parlamentares acusados de envolvimento no escândalo, só dois do PT, mas na abertura da matéria Veja diz que “o Legislativo não é o único poder atingido por ela. O rastro do suborno e do tráfico de influência alcança também o Executivo federal – mais precisamente a porta do gabinete do ex-ministro da Saúde Humberto Costa, hoje candidato ao governo de Pernambuco pelo PT. As revelações foram feitas pelo empresário Luiz Antônio Vedoin, um dos sócios da Planam, ao longo de uma série de depoimentos sigilosos prestados à Justiça Federal nas duas últimas semanas”.

O mesmo Vedoim que Veja agora dá todo o crédito para acusar o ministro, daqui a um mês é um desqualificado para o enunciador que, mesmo sem qualquer apuração, diz que o dossiê antitucano que ele venderia ao PT é fajuto ou falso, como veremos mais adiante.