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CAPÍTULO 4 MAIS ESCÂNDALOS EM 2006, É O ANO DA REELEIÇÃO

4.10 REELEITO, APESAR DO MANDATO PÍFIO

A eleição de Lula, segundo o enunciador de Veja, é a “última chance” para que ele deixe um “legado de grandeza”, já que o primeiro mandato foi “pífio”, conforme opinou na capa de 8 de novembro. A matéria principal, “A encruzilhada”, diz que “o segundo governo de Lula pode ter força política para fazer muito, mas isso não o coloca necessariamente no rumo certo para comandar um país moderno, democrático e com uma economia crescentemente globalizada como o Brasil”.

“No seu primeiro mandato, o presidente teve desempenho elogiável na condução da economia – e Lula sabe que esse é o principal motivo de sua reeleição por uma margem tão ampla de votos. É natural, para usar uma metáfora futebolística tão ao gosto do presidente, que não pretenda mexer em time que está ganhando. O aspecto mais sombrio do seu primeiro mandato esteve no campo das tentações totalitárias – e, claro, da ética. Nesse terreno, o eleitorado deve permanecer alerta. É saudável o presidente dizer que pretende investigar os escândalos, mas isso nem de longe é o bastante num governo em que os escândalos se sucedem numa velocidade espantosa. Em menos de dois meses, vieram a público o escândalo das cartilhas superfaturadas (ou fantasmas), o escândalo do dossiê contra os tucanos comprado com dinheiro sujo

e o escândalo de Lulinha, o filho do presidente que andou fazendo lobby no governo para a Telemar. Quanto ao viés totalitário que vez por outra volta ao centro da cena política, não há nada a comemorar (...) Parece claro que Lula deixou para trás a visão tacanha de que a miséria que afeta milhões de brasileiros possa ser superada pelo princípio bolchevique de tirar dos ricos e dar aos pobres – o que é um jogo de soma zero. A miséria só será superada, de fato, pela produção de riqueza. Para esse fim o gênio humano não concebeu nada mais eficiente do que o velho e bom capitalismo, com seus mercados livres, empreendedores ambiciosos e empresas inovadoras. Tudo isso sob um governo que não faça a guerra, cobre impostos justos, proporcione balizas jurídicas seguras e agências reguladoras respeitadas. Fora desse ambiente, o máximo que se consegue é administrar a escassez sob um regime de escravidão, como é o caso da ilha caribenha de Cuba (...) Lula poderia aposentar para sempre a idéia de palanque de que o Brasil é como um sobrado – em que só há andar de cima e andar de baixo e, portanto, o único trabalho é fazer com que todos passem a habitar o pedaço de cima. Isso é uma interpretação tão tosca da sociedade brasileira que, na sua estupidez simplificadora, neutraliza o papel crucial e dinamizador exercido pela classe média – segmento ao qual Lula fez acenos na campanha. No campo da modernidade, falta maior clareza sobre como promover de maneira mais vigorosa as condições para que a iniciativa privada produza mais conhecimento tecnológico de ponta, inove mais e multiplique seus índices de produtividade (...) Para fazer o país avançar, produzir riqueza e gerar justiça, o presidente Lula tem muitos desafios para superar – e um deles começa em casa. O Partido dos Trabalhadores, que se transformou numa usina de escândalos, deu recados de que não pretende, de novo, facilitar a vida do presidente. Fortalecido pelo bom desempenho nas urnas ao eleger cinco governadores e uma bancada de 83 deputados, o PT já está rosnando. Na semana passada, depois de uma reunião da cúpula, o partido divulgou uma nota oficial cobrando que no novo mandato Lula faça um ‘governo de esquerda’. Ninguém sabe exatamente o que isso quer dizer, mas é certo que significa mandar às favas o equilíbrio fiscal e o controle da inflação em troca de um crescimento econômico tão duradouro quanto um vôo de galinha. Com sua peculiar falta de generosidade política e sua arrogância hegemônica, o PT também deixou claro que não pretende ceder espaço no governo para os novos aliados. É a máquina petista que se incrustou na máquina pública com o apego das cracas já se movimentando para resistir à expulsão (...) depois de três derrotas consecutivas, Lula aprendeu a fazer sucesso em eleições. Precisa agora fazer sucesso no governo” (Veja, 08/11/2006).

Pela primeira vez na cobertura do governo Lula, o enunciador de Veja assume com todas as letras que fala em nome das classes mais abastadas e que defende uma política e um projeto de Estado mais à direita do que voltadas para o social. Sua intenção é proteger o capital como fica claro na passagem em que diz que “a miséria só será

superada, de fato, pela produção de riqueza. Para esse fim o gênio humano não concebeu nada mais eficiente do que o velho e bom capitalismo, com seus mercados livres, empreendedores ambiciosos e empresas inovadoras”.

Para o enunciador é para se esquecer a idéia de que “o único trabalho é fazer com que todos passem a habitar o pedaço de cima”. Não interessa colocar os mais pobres no mesmo patamar dos ricos é preciso “promover de maneira mais vigorosa as condições para que a iniciativa privada produza mais conhecimento tecnológico de ponta, inove mais e multiplique seus índices de produtividade”.

A revista Veja, assim como os grandes órgãos de imprensa, sempre colocaram em xeque a capacidade de Lula governar o Brasil dentro de um sistema capitalista, respeitando contratos e mantendo os pilares da economia. Essa dúvida sempre foi colocada como forma de amedrontar os eleitores mais conservadores, na estratégia política do medo. Segundo Vera Chaia (2004), essa questão sempre foi colocada contra o petista desde a eleição de 1989. Tanto é que o PT, compreendendo como as classes dominantes reagiriam, criou o slogan “Sem medo de ser feliz”.

Desde aquela eleição, o medo foi usado para assustar o eleitor com relação ao PT. Collor dizia que Lula iria confiscar a poupança. Quando um dos seqüestradores de Abilio Diniz saiu do cativeiro vestindo uma camiseta de propaganda de Lula, ficou evidente a estratégia de criar um clima de pânico. O medo foi utilizado em 1994 também – se Lula vencesse haveria uma corrida contra o dólar, êxodo de capitais, “e é isto que mete medo”, como dizia a Folha de S. Paulo, em 8 de março de 1994.

Na eleição de 1998 o medo foi alimentado quanto à possibilidade de Lula promover alguma ruptura que não permitisse a continuidade da política econômica e levasse o país à bancarrota. O medo era construído com a idéia de que Lula não tinha capacidade de enfrentar uma crise internacional. Os tucanos, em 2002, trabalharam com a idéia de que Lula eleito equivaleria ao risco do caos, à transformação do Brasil numa Argentina, que acabara de quebrar. Só que dessa vez a conjuntura era diversa, havia já o cansaço do eleitorado com o PSDB e o PT soube construir uma estratégia capaz de enfrentar o espectro do medo. Desconstruiu a imagem de um partido político dogmático, radical, intransigente, e construiu a de um partido moderno e negociador, explica Vera Chaia (2004).