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PRIMEIRA PARTE

1.4 A importância da Shari’ah Al Islamia

A doutrina da Shari’ah Al Islamia é textualmente importante, não podendo ser apenas reduzida às origens do Estado Islâmico, que teve a necessidade de responder às exigências do poder político. Ela pretende também alcançar um conjunto de verdades científicas e, mais ainda, o reconhecimento de sua origem divina.

Essa preocupação prática, tanto no Al Qu’ran como na Sunna, pode ser observada no simples fato da higienização bucal, quando o Profeta aconselhou “sempre usar o Siuák (tipo de escova dental usada na época do Profeta Mohammad – S.A.A.W.S. –, e que ainda é usada em nossos tempos), no jejum e no desjejum, antes de dormir e após acordar, a cada oração e ablução e disse: “é uma purificação bucal e satisfação de Alá”(35).

Não há dúvida de que esse princípio de higienização bucal é hoje bastante difundido e as pesquisas científicas mostram que a falta dele é prejudicial à saúde. Hábitos higiênicos trazidos pela Shari’ah foram ensinados aos medinenses, fazendo parte da doutrina religiosa.

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(35) Abdallah Al Musleh: Os milagres científicos no Alcorão e na Sunna. Arábia Saudita: Wawi. Trad. e adaptação Ali Mihannad Abdouni e Luís Emílio Bolsoni. 2001, p. 33.

A Shari’ah Al Islamia também comanda a necessidade de as mães muçulmanas amamentarem seus filhos, norma bastante propagada no Estado Islâmico, não podendo nenhuma mulher ignorá-la, até a presente data. “O período de desmama completo é determinado no Sagrado Alcorão em dois anos, ou seja em 24 meses. E o período mínimo de gestação é de seis meses, depois do qual se sabe que a criança já está completamente formada; assim, entre a concepção e a ablactação há um período de 30 meses”(36).

Essa experiência é hoje altamente valorizada pelos governantes através de inúmeros programas de saúde, diminuindo a mortandade infantil e as sérias implicações a integridade física da criança, quando não é devidamente realizada.

Quando qualquer assunto tratado na Shari’ah Al Islamia, é relacionado a um princípio básico da ciência, refere-se, também, a uma questão de fé, pois ela desperta a consciência religiosa e legislativa entre os muçulmanos. Exemplificando, entre as inúmeras revelações científicas no seu texto, foi comprovada a ausência de luz na profundeza do mar, confirmada pelo cientista francês Jacques Yves Cousteau, que morreu em 1997. A Surata Annur, versículo 40, diz: “Ou (estará) como nas trevas de um profundo oceano, coberto por ondas; ondas, cobertas por nuvens escuras, que se sobrepõem umas às outras; quando (o homem) estende a sua mão, mal pode divisá-la. Pois a quem Deus não fornece luz, jamais a terá”(37).

A Shari’ah Al Islamia regulou inúmeras questões dos indivíduos de modo detalhado, abrangendo mais do que fica por conta dos costumes e dos desejos individuais. Isto foi sentido não apenas entre os adeptos do Islamismo, mas entre os europeus e outros povos. Ela “não se deteve apenas sobre as instituições legais, foi além, imprimiu alto padrão ético ao desenvolvimento dos conceitos modernos”(38).

Assim, na atividade da justiça e aplicação da Shari’ah, vê-se instantaneamente a doutrina da moral utilitária, com a condição essencial da praticabilidade e legitimidade para coibir os abusos e impor o respeito à sociedade em conformidade com o caso e a necessidade do momento. “As coisas que têm ambos os aspectos, do lícito e do ilícito, em proporções iguais, ou que não possuem nenhum dos dois, seriam deixados ao critério do indivíduo optar se as praticasse ou se delas se abstivesse, e até se mudar tal prática de tempos em tempos. As coisas absolutamente ilícitas, seriam objeto de proibição total, e seriam repreensíveis e desencorajadas. Ma’ruf, quer dizer um ato lícito que é reconhecido como tal por todos, até pela própria razão e, portanto, lícito. Enquanto Munkar significa aquilo que é rejeitado por todos, por não ser de modo algum bom, um mal que é reconhecido como tal por todos; e aquilo que até a própria razão reconhece como mal, deve ser proibido. Uma grande parte da moralidade islâmica está contida neste domínio”(39).

Com isso, o Direito Islâmico passou a ter forma definitiva e caráter próprio, quando realmente repeliu, pela força da norma, o descumprimento do acordo traçado pelos muçulmanos.

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(36) Idem, p. 20.

(37) Samir El Hayek (nota 20), p. 274.

(38) Abdul Malik Al Sayed: Estabilidade e durabilidade da Shari’ah. Voz do Islam.Brasília: CIB. Ano I, maio, 1984, p.33.

Não obstante o direito ser condição de organização do Estado, não estava a justiça aparelhada nos moldes como a temos hoje. Isto é, com cartórios e outros exercícios que justificassem sua força pública. Naquele tempo, a palavra empenhada valia tanto quanto uma certidão pública dos nossos dias. Por isso, conferia-se a Mohammad (S.A.A.W.S.) o poder de mando como presidente do tribunal e magistrado, que se orientava com o conselho, antes da prolação das sentenças finais. Logo, sua palavra não era definitiva. Servia-se das bases jurídicas para sancionar os conflitos de interesse capazes de ameaçar a vida social e os valores tradicionais do povo, procurando, por meio da tutela jurídica, facilitar as decisões.

A sanção restabeleceu a ordem e vingou o direito ultrajado, punindo a ilicitude, às vezes com a própria morte do agressor. Isto, quando a família da vítima não pedia a indenização, a ser paga com cem camelas (prenhas) ou com seu valor correspondente em dinheiro, roupas etc. pelo crime cometido.

Nos casos de lesões graves com mutilações, indicava-se um perito que, de acordo com o exame realizado no agredido, elaborava laudo circunstanciado, levantando todas as hipóteses de debilidade, perda completa do membro, deformação e outros pormenores, bem como a necessidade da vítima diante das perspectivas de trabalho, apresentando a estimativa do ressarcimento ao tribunal.

A história nos mostra que, antes da instituição da lei islâmica, os impostos eram insuportáveis. A cobrança de juros gerou lutas entre as classes ricas, que pensavam que todos os bens eram seus direitos, aterrorizando os mais fracos. No dizer de Alessandro Gropalli: “La regola de diritto é una regola superiore quando sua íntima essenza tutta una cosa sola con la solidarietá sociale”(40).

Assim, a lei islâmica se posiciona em defesa dos direitos de todos os seres vivos. Precedendo o Direito Ecológico moderno, autoriza a matança dos animais só em quantidade suficiente para nossa alimentação, através do método halal (não proibido), que é menos doloroso para o animal e conserva a carne com todas as suas propriedades. “Pero nos está prohibido matarlos simplemente para distraermos o por el amor ao deporte, y de quitarle la vida sin necesidad. En lo que concierne a los animales de carga y los de montura, el Islam prohibe formalmente al hombre de dejarlos hambrientos, de imponerles un trabajo demasiado dificil e intolerable y de matarlos cruelmente. Atrapar a los pájaros y prisioneros en las jaulas sin razón particular es considerado como abominable”(41).

Observamos que a Shari’ah Al Islamia proporcionou a garantia de uma conduta que acompanhava a evolução do homem, não apenas do muçulmano, mas de todos, uni-

versalmente. Entendemos que, verdadeiramente, o único governo teocrático foi o do profeta Mohammad (S.A.A.W.S.), por caracterizar-se diretamente pela aplicação da palavra de Alá, não podendo o sistema religioso e governamental islâmico ficar fora da lei divina.

A capacidade e o potencial de sua palavra seguiam unicamente a disciplina de transmitir o que lhe era revelado e seu comportamento ético devia atingir a certeza da transmissão, atendendo perfeitamente ao princípio de dever implícito na lei. Portanto, o

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(40) Alessandro Groppali: Sociologia e Diritto .Milano: Casa Editrice Ambrosiana, 1945, p. 99. (41) Aliman Abul A’la Maududi: Los principios del Islam. Argentina: Internacional Islamic Publishing House. 1994, pp. 169-170.

governo islâmico recomenda que a palavra de Alá esteja acima de qualquer lei humana, haja vista todas as coisas estarem legitimamente sob o seu controle. À medida que se desenvolveu, a Shari’ah Al Islamia regulou as relações do cidadão com a sociedade da qual o escravo foi parte integrante.