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PRIMEIRA PARTE

1.10 Al Kharaj, Al Muzaraá e Al Jizyah

Entende-se por Al Kharaj o imposto sobre as terras cultiváveis dos não muçul- ______

(93) Sheick Mabrouk El Sawy Said: Kaifa Tarcib Zakat Melika ua Fetirika. Cairo: Edição própria. 1982, p. 9.

(94) Aliomar Baleeiro: Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1976, p. 20.

(95) H.S.Shafiuddin: A riqueza segundo o Islam. Voz do Islam. Brasília: CIB, volume I, número 2, abril 1984, p. 38.

manos. Este imposto foi criado no governo do califa Omar Ibn Al Khattab, para regular e harmonizar as terras que foram anexadas ao Estado Islâmico, a exemplo do Iraque e da Síria. Permite este imposto garantir ao Estado uma parte da produção da riqueza, pro- duzida. Traz, como características, condições que estão ligadas à natureza e fecundidade das propriedades agrícolas, considerando como essencial o pagamento anual de tributo, que varia de acordo com o tamanho da terra, os recursos naturais e a produção obtida. Trata-se de um tributo que demonstra a capacidade do trabalho no campo, propiciando ao proprietário a exata ciência da sua responsabilidade para com a vida coletiva do Estado. Ora, para manter a proporcionalidade dos direitos, o primeiro ponto a ser visto é se o interesse pelo trabalho favoreceu a um maior número de gastos. Não se fala aqui de extravagância ou de luxo, mas da necessidade de se desenvolver a produção.

Nestes termos, isenta-se do imposto o produtor que não conseguiu boa safra, que foi duramente castigado pela falta de chuva e o solo minguado não produziu. É de prever-se que o ciclo de intempéries possa impedir a produção desejada. Assim, a soma do valor da produção, regulamentada pelo dirham, moeda de prata bastante comercializada na época, não era cobrada. No presente momento, é encontrada em Marrocos com valor diferente do antigo dirham.

Com a necessidade de expandir seus produtos, os governos islâmicos não mediram esforços para suprir os danos causados aos agricultores e determinaram parte da arrecadação à melhoria das regiões que tiveram problemas de colheitas, superando em muitos casos os males das pragas de insetos, com ofensivo tratamento e a falta de chuvas com irrigações através de canais construídos nos cursos dos rios, bem como administravam aos produtores técnicas agrícolas.

Portanto, o interesse da economia não era simples, esperavam alcançar e superar

qualquer adversário internacional, tornando eficaz sua força produtora com iniciativas e estímulos que pudessem aniquilar os problemas internos. É óbvio que a grande preocupação era o crescimento produtivo e o aumento das exportações facilitava investimentos na área social. Realmente, o Estado Islâmico estava atrelado a uma política econômica progressista, que aderia à guerra em última instância, mas não corria o risco de falência devido à infra-estrutura das cidades. Só com a colonização européia, a desagregação social chegou a curto prazo.

Durante boa parte de sua história moderna, quase todo o mundo muçulmano esteve sob domínio colonial, e ainda está para recuperar-se dos efeitos do colonialismo e de seu fim. Quando as potências coloniais começaram, aos poucos, a se retirar dos países que ocupavam, em geral passavam o poder a regimes autoritários sem representatividade, dando pouca atenção ao desejo das populações locais.

Desse modo, muita coisa foi extinta, como o recolhimento do Al Kharaj, na proporção da safra e extensão da área plantada, cuja medida usada, jarib, correspondia a 262 metros quadrados que, em conformidade com o solo, era classificada em ruim, média, boa e excepcional. Aplicando-se respectivamente dois, quatro, seis ou dez dirham. Atualmente, um dirham vale 2, 954 gramas de prata (quase três gramas de prata). Com esse recurso, os pequenos agricultores pagavam menos que os grandes produtores, contemplando a justiça social.

Protegendo e assegurando o trabalho aos seus concidadãos, a Shari’ah introduziu o imposto Al Muzaraá. Na verdade, à medida que o interesse das pessoas aumentava pelo campo, as autoridades islâmicas faziam acordo e cediam-lhes terras, maquinarias e sementes, reembolsando os gastos na proporção da safra, com as médias

de 1/3, 1/4, e 50% da colheita em dinheiro

O Profeta usou pela primeira vez este imposto com o povo de Khaiba, na Arábia, e Omar Ibn Al Khattab, no Iraque. Há, portanto, uma certa semelhança com os sem- terras, e a força de trabalho é tolerantemente aproveitada e reforçada com a distribuição de terras, sem quaisquer perturbações ao regime governamental.

O governo islâmico não fez resistência ao pedido do povo, independentemente de ser ou não um muçulmano, e permitiu que se instalasse definitivamente onde podia beneficiar o solo e as pastagens. No caso de o agricultor romper o acordo, nada plantando durante um ano, a terra era devolvida. Legitimamente, a política econômica islâmica respeita o direito natural de propriedade, sem resistência ou violência física, evitando males maiores. Há de se dizer que os problemas do Oriente Médio não afetaram esta parceria entre os muçulmanos nascidos na região. Entretanto, os estrangeiros não são beneficiados como antes. Isto porque muitos venderam suas terras e assentaram não muçulmanos, causando sérios problemas aos governos.

O fundamento jurídico da lei islâmica não condiz em deixar as terras improdutivas, condenando os latifúndios. Se o proprietário não pode cultivá-la, deve emprestar para quem é capaz de fazê-lo, empregando seus próprios meios, ajudantes, sementes e animais. Antes, cada tribo incumbia-se de defender seu território, sem explorar o solo. Alguns poucos se aventuravam a alugá-lo por dinheiro. A Shari’ah proibiu este meio, porque ele se baseia na exploração de um homem por outro, visto no arrendamento de terras o proprietário ter a garantia da sua parte, na forma de dinheiro, livre do que acontecer à terra. Enquanto que o arrendatário aposta seu esforço e labor, sem saber se há de ganhar ou perder.

À instituição econômica islâmica interessava observar o esforço do trabalho dos muçulmanos, que sempre ficavam à disposição dos habitantes da cidade para garantir a segurança, protegendo-os de ataques inimigos. Indistintamente, esta proteção cobria muçulmanos (idosos, mulheres e crianças) e não muçulmanos e, por esta razão, Omar instituiu Al Jizyah, para manter a segurança da população medinense.

Assim, para fortalecer a segurança dos não muçulmanos que faziam parte da sociedade islâmica, Omar Ibn Al Khattab introduziu o imposto anual de Al Jizyah, fixando o limite de: “48 dirhams para a classe rica, 24 dirhams para a classe média e 12 dirhams para aqueles de baixa renda”(97). Este imposto já existia à época do Profeta, mas não foi usado porque o mundo islâmico restringia-se ao território atual da Arábia Saudita.

Convém notar que a maioria dos governantes islâmicos sempre esteve voltada às boas inclinações, daí, colocar ao abrigo da proteção legal do Estado, sem lhes fazer qualquer cobrança de taxas, velhos, religiosos (monjes e rabinos), mulheres e crianças. Necessariamente, a exemplo dos demais membros da comunidade, deviam respeitar os lugares sagrados, concluindo que o agricultor não muçulmano pagava Al Kharaj, como obrigação comercial, e Al Jizyah, para dar condições ao trabalho e à aquisição de instrumentos necessários à defesa do Estado Islâmico.

Pode-se dizer que o capital recolhido constituiu-se numa forte arma à execução de um constante trabalho com a força armada islâmica, que repetiu continuamente operações vitoriosas, cuidando de manter a organização política do Estado, protegendo seus

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(97) Yossef Al Karadhawi: Non muslims in the islamic society. Trad. Khalil Muhammad Hamad (et Allii). USA: American Trust Publications, 1985, p. 18.

concidadãos contra todas as formas de violações aos direitos humanos.

Nesse sentido, entendemos que a contribuição do Al Jizyah é uma questão social, porque é relativa à organização da defesa. Defesa que envolve o amparo das famílias, religião, educação, finanças etc; conforme as regras da Shari’ah Al Islamia e da moral, que pedem para salvaguardar a liberdade do país. Esse tributo não é mais cobrado nos países muçulmanos.

Após termos detalhado os fatos concernentes ao primeiro Estado Islâmico, não está fora de propósito dizer que a lição que ficou deste estudo, foi a integração total do povo à Lei que, nas relações contínuas, promoveu o esplendor da civilização islâmica. Os hábitos mundanos que envolveram alguns não foram suficientes para apagar as obrigações mais importantes com a religião. Cabe, portanto, observar que, se o califado não existe hoje entre os muçulmanos, a massa continua a aspirar à restauração de um Estado único, com a mesma forma de governo. No entanto, para a Shari’ah Al Islamia, qualquer sistema de governo é válida. O importante é que use a Axxurra e satisfaça o bem-estar do ser humano. Mas, dentro da relação entre governo, povo e lei, chama atenção o estudo da Ciência Jurídica Islâmica.

Capítulo Segundo

A CIÊNCIA JURÍDICA E AS FONTES DO DIREITO ISLÂMICO

Sumário: 2.1 Considerações sobre a Ciência Jurídica Islâmica. 2.2 O Al Qu’ran. 2.3 A Sunna. 2.4 Al Ijma’a. 2.5 A prova na Shari’ah Al Islamia. 2.6 O retorno à Shari’ah Al Islamia. 2.7 As Escolas de Direito Islâmico.