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PRIMEIRA PARTE

10.1 A obediência à Shari’ah Al Islamia

Vimos que o Islã reforma os maus hábitos em bons, reativa o raciocínio e promove a elevação social do homem. Nesse entendimento, compreendemos que, historicamente, não houve alteração no seu texto religioso, conservando a Shari’ah Al Islamia sua originalidade através dos tempos. Mas tudo isso se deve aos ulemas que se perfilam, quer nos desertos ou centros urbanos, como escudos, verdadeiros guardiães da manutenção da autenticidade do Al Qu’ran.

Para tanto, contaram com uma admirável colaboradora, a fonte oral, com a qual, inicialmente, puderam transmitir a tradição islâmica. A transmissão oral é uma prática espontânea, por vezes fixada nos escritos em papiros, madeiras, ossos etc. A apreciação do valor do ensinamento oral, assegurou, ininterruptamente, que as primeiras gerações árabes guardassem e levassem, através do comércio aos diferentes povos da África e da Ásia, as linhas gerais do Islamismo.

Assim, a responsabilidade da promoção da cultura árabe-islâmica, oralmente efetuada, proporcionou o domínio de quase a totalidade das tribos árabes, pois algumas não responderam imediatamente ao chamado do Profeta Mohammad (S.A.A.W.S.). Daí, admitirmos que a tradição islâmica foi garantida, inicialmente, pelos povos dos desertos. Isto porque a transmissão oral tem efeito instantâneo, determinando o fortalecimento do conhecimento pela necessidade de fixar na memória o aprendizado; posteriormente, a escrita e a leitura foram ensinadas.

Proporcionalmente à grandeza dos povos beduínos, os costumes bárbaros foram sendo abolidos, aperfeiçoando o valor moral com a religião. A grande vantagem da escrita árabe é a sua permanência, dando continuação às expressões dos antepassados de maneira clara e persuasiva. Precisamente, esta escrita exprimiu e concretizou a universalidade do Al Qu’ran. Não cometeríamos erro ao afirmar que o estilo da sua linguagem é inigualável. As idéias, reflexões e fatos, notoriamente, ocupam cinco consideráveis momentos: 1) Remontam ao tempo anterior ao Profeta, formulando características próprias da época pré- islâmica. 2) Sistematizam as normas de viver do ser humano a qualquer tempo e lugar (universalidade). 3) Instruem a obrigação religiosa de conscientizar a justiça, o direito e o dever de cada pessoa perante o Estado e o seu semelhante. 4) Atingem a compreensão do futuro, motivando os muçulmanos ao estudo das ciências. 5) Promovem o respeito à unicidade.

Para os muçulmanos, esses preceitos indicam o caminho para a obtenção da sabedoria, observação aos direitos naturais e consideração às normas que constituem a Shari’ah Al Islamia. A Shari’ah Al Islamia pode ser definida como a Lei Magna do muçulmano que lhe garante a manutenção familiar, social, religiosa, jurídica etc., que mantém os direitos e garantias individuais, dividindo-se em Tawhid (dogma da unicidade), Aqhlak (moral) e Feqh (Ciência Jurídica). Portanto, o entendimento religioso islâmico

diverge do pensamento de Orlando Soares quando diz: “Essa marcante influência do fenômeno religioso se estendeu a todas as áreas do saber, acabando por obstaculizar, sobremaneira, por muitos séculos, as investigações científicas em geral, especialmente no tocante à origem da vida e ao aspecto relacionado ao traço comum de hereditariedade, existente entre os seres vivos, como veremos ao tratar do materialismo”(277).

A subjetividade alcorânica é complementada pela objetividade da Sunna, visto que algumas regras do Al Qu’ran suscitam a investigação científica. Logo, para se saber o grau de punibilidade num procedimento ilícito, a Sunna avalia e identifica a condição com a qual a autoridade judiciária prolata a sentença definitiva, conforme foi visto anteriormente. Na Surata o Desterro, versículo 7, o Al Qu’ran chama a Sunna.

Nesse aspecto, o Direito Islâmico, a doutrina é pacificamente coercitivista e seu direito legislado por Alá ( Deus), conflita com o Direito ocidental, legislado por leigos. Este conflito mostrar profundas diferenças entre o Direito Islâmico Teocrático e o Direito do Ocidente, que independe de religião. Os juristas ocidentais discutem sobre se a coercitividade seria essencial à caracterização da norma jurídica, dividindo-se em anti- coercitivistas e coercitivistas.

Foi essa lei que fez a revolução espiritual em toda a Árabia, alastrou-se pela Ásia e África. Os que não a conhecem, deformam seu conteúdo, dando uma visão das coisas confusamente, mudando o sentido das palavras. Entre inúmeras observações de autores ocidentais, encontramos a seguinte frase: “Exclusão da vida pública e poligamia valem como sinais de repressão da mulher e da sua discriminação social relativamente ao homem”(278).

A Shari’ah Al Islamia revela que o conceito tradicional do elemento feminino não mudou. A mulher continua sendo a dona de casa, a mãe extremosa, e não desprezou as situações e necessidades familiares, buscando trabalho fora de casa, como igualmente faziam suas antecessoras à época do Profeta, cuja mulher A’isha era professora, enquanto que, no califado de Omar Ibn Al Khattab, a fiscalização dos mercados era efetuada por uma mulher.

“Adorai a Alá de manhã e à noite, e empregai o dia em vossos afazeres”(279). Este hadit, ensina que o homem e a mulher devem trabalhar e os favorecidos de fortuna não devem viver na ociosidade. Contudo, o ocidental argumenta que, rigorosamente, a Shari’ah Al Islamia impõe a desigualdade da mulher em relação ao homem, não sendo aquela favorecida nem mesmo na relação trabalhista, restringindo-se às tarefas domésticas. Observamos que, tanto no trabalho manual como no intelectual, não existe desigualdade, mas uma difusão de funções que, para a Shari’ah Al Islamia, é um método de produção rápida, isto é, a execução das tarefas deve ser de acordo com a força, o intelecto e a especialização do indivíduo, evidentemente, proporcional a um homem ou a uma mulher. Daí, com várias exceções, a mulher islâmica não trabalhar.

A crítica dos ocidentais é falsa, pois concluímos que o Ocidente prega a igualdade da mulher, mas, na verdade, é explorada no presente como o foi no passado.

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(277) Orlando Soares: Filosofia geral e filosofia do direito. Rio de Janeiro: Sindicato Nacional dos Edi- tores de Livros. 1ª edição. 1989, p. 32.

(278) Antônio Francisco de Souza: A posição jurídica da mulher na sociedade islâmica. Lisboa: Procura- doria Geral da República. Documentação e Direito Comparado, 1985, p. 193.

Artificialmente, propaga que a mulher do Ocidente é independente e está em igualdade

com o homem. Entendemos que, no Ocidente, a mulher se transformou no principal elemento de propaganda comercial, excitando, seduzindo com seus atrativos. “Atraindo pessoas ao consumismo dos restaurantes, das bebidas, dos cigarros, hotéis, bares, aproveitando a sua feminilidade da pior forma possível, anulando a sua função natural na vida, tornando-se um prazer ou um semiprazer. A libertação artificial da mulher, no mundo ocidental, libertou-a até de suas obrigações como esposa, como mãe, como edu-cadora das novas gerações e produtora de homens. Fez com que assumisse qualquer tipo de trabalho, na indústria, na agricultura, na arte, no comércio e nos outros setores que não se coadunam com a sua compleição, força física e psicológica. Tudo isso a dano de sua responsabilidade principal no campo matrimonial. No Islã, a mulher não fica confinada em sua casa como pensam alguns – ao mesmo tempo, não é largada a seu bel prazer, sem limites nem restrições como é o caso das ocidentais”(280).

Entre tantos outros exemplos, as trabalhadoras muçulmanas Awatif Ibrahim (líbia – 3 filhos) e Fátima Said (egípcia – 2 filhos) têm a mesma opinião: “a mulher muçulmana sempre esteve presente na vida social como na vida religiosa. Contudo, a habilitação da independência da “mulher moderna”, que sai à procura do seu próprio sustento e a do filho como mãe solteira, não é contemplado por nós, como normal. Isso não pode ser conceituado como exclusão da vida pública”(281).

De forma que a obediência aos preceitos islâmicos externa uma reciprocidade entre os muçulmanos que, de conformidade com os padrões habituais, unem-se mutuamente contra os males sociais. Não há, portanto, a expressão do individualismo no Islã como existe no Ocidente. “Paralelamente, com o desprestígio ou declínio dos elementos sagrados numa sociedade, verifica-se o aumento de um processo de individualização contrário à característica das sociedades tradicionais que, tendendo para a uniformidade dos seus componentes, são menos competitivos, estáveis e equilibralistas”(282).

A sintonia dos muçulmanos com a lei islâmica está sempre presente, sobretudo nas intranqüilidades sociais que afetem a todos e generalizem o sentimento de reorganização da vida. Compreendemos que, por ser tradicional, a família é a primeira a exercer influência do controle do comportamento associado às demais pessoas, desprezando totalmente o individualismo.

Como se vê, essa obediência constitui força social organizada. Observando melhor, adquire poder político e ideológico, cujos princípios de direito são indistintamente iguais para todos, pois dele emana o ensinamento de que nenhum poder é legítimo, senão o exercido em nome de Alá.

A submissão muçulmana à lei tem o sentido de cooperar para o progresso moral do homem. Mas até agora não foi plenamente compreendida pelos ocidentais. Contudo, começa a se desenvolver, na Europa e América do Norte, defesa dos seus preceitos jurídicos, com a conversão, em grande escala, de mulheres, particularmente, as americanas. No dizer de Roger Garaudy: “Todas as pessoas que tiveram negada a sua

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(280) Fathi Yaken: A Shari’ah e o sexo. Trad. Samir El Hayek. São Paulo: Arrissala. 1981, p. 74. (281) Awatif Ibrahim, Fátima Said: Entrevistas. Egito. 28.12. 2000.

(282) Felipe A. de Miranda Rosa: Patologia social: uma introdução ao estudo da desorganização social. Rio de Janeiro: Zahar Editores. 1966, p. 43.

identidade – e não apenas as mulheres – aderem ao Islã. É uma maneira de se defender do monoteísmo de mercado, que é a religião que cultua o dinheiro como valor máximo”(283).

Devido à elevada natureza religiosa dessa lei, o cumprimento dessa obediência proíbe todas as formas indignas, esperando esclarecer que a verdade é inerente à pessoa humana. Contudo, os países que modificaram seus sistemas legislativos com as idéias das instituições européias, passam por conflitos e obstáculos para manter a harmonia no seio da população, cujas relações não se aproximam do ideal de justiça, como na Turquia, Argélia, Tunísia, Marrocos e outros. Daí, ser importante que os jovens atinjam a maturidade para que possam discernir melhor a obediência à Shari’ah Al Islamia.