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PRIMEIRA PARTE

3.4 As diferenças partidárias

As tendências do espírito dos diversos povos muçulmanos influenciaram como instrumentos para se atingirem as desvinculações políticas, em razão do exercício dos seus direitos. Apesar de seguirem princípios religiosos semelhantes, Sunitas, Ash’shiat Ithnã ‘ashar (Duodecimalista), Al Khawarij, Al Muatezile, entre outros, apresentam questões que merecem ser analisadas distintamente. Isto porque os não muçulmanos encontram certa dificuldade para entender os dispositivos inerentes às linhas de funcionamento que têm gerado conceitos deformados a respeito das bases dos grupos que operam em prol de um Islã puro e voltado para as minorias.

Nessa dimensão, as palavras do Profeta indicavam que seus companheiros eram como estrelas, qualquer um deles que fosse seguido, guiaria bem, manifestando a possibilidade da existência do pluralismo partidário, contendo cada partido a sua personalidade cultural.

Os dois maiores ramos do partidarismo islâmico, sunismo e ash’shiat, decorreram, justamente, das dissenções na sucessão da nação islâmica. Como o nome indica, Sunni (sunita) compreende: “o que é tradicionalista, porque importa seguir exatamente os hadits, mantendo a transmissão original dos seus ensinamentos, como foi observada pelos sahabah (companheiros), Tabi’un (seguidores dos companheiros) e Atba’At-tabi’in (seguidores dos seguidores dos companheiros)”(134).

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(133) Abdul Malik Al Sayed (nota 38), p. 33. (134) Abdul Rahamn Ibrahim Doi ( nota 58), p. 106.

Verdadeiramente, os sunitas, a exemplo da escolha dos quatro primeiros califas, recomendam que o direito de escolha seja realizado pela comunidade, salientando, no nosso entender, a maneira democrática como ideal para uma convivência pacífica. Obrigatoriamente, o califa governa de acordo com os princípios inseridos no Al Qu’ran e na Sunna, e o povo lhe presta lealdade. Salienta a interpretação partidária sunita de que todo muçulmano, não importando a sua origem, seguramente observa a revelação divina alcorânica e, de acordo com as condições vigentes, terá o direito à elegibilidade, ou seja, ao exercício representativo num Estado Islâmico.

Admitem os sunitas que “seguem mais princípios do que personalidades”(135), e estão longe de dispersar as provas proporcionadas pela Shari’ah, quando estipulam que a sucessão é abrangente a todos os muçulmanos. Indiscutivelmente, esses preceitos foram mantidos no seio dos principais partidos com a indiscutível superioridade de Al Jumhour (republicanos). Essa corrente partidária nega a monarquia para a existência de um governo islâmico, reforçando a concepção de que o governante pode pertencer a qualquer tribo (ou lugar).

Através da Al bai’á, transfere o domínio do poder por meio do processo eletivo. Proíbe a forma de governo hereditário. Al Adaalatu (justiça) revela consciência de procurar sempre mantê-la, expondo como regra que o presidente deve ser eleito pelos muçulmanos. O imam deve indicar ao povo qual o candidato melhor. Não poderá ter outro cargo a não ser o de mandatário e fica proibido de empregar parentes no governo. Deve usar sempre a Axxurra e se basear no Al Qu’ran e na Sunna, caso contrário o povo pode romper com o governo.

O partido Al Muatezile (extinto) mostrou bastante habilidade política. Defendeu que o presidente deve ser escolhido pelo povo, como explica o Al Qu’ran, que não indicou pessoa especial, mas que retenha os ensinamentos de Alá. Concorda que o governante deve ser muçulmano. Todavia, uma linha de Al Muatezile se confunde com a Ash’shiat Azaidia e com Al Khawarij, por professarem a hereditariedade de Ali Ibn Abi Taleb, como imam de sua família.

Sustentam os Ash’shiat argumentações diferentes. Ali foi a pessoa indicada pelo Profeta para exercer a função (temporal e espiritual) de imam, não sendo possível o imam ser designado pelo povo. Os ash’shiat desaprovam as ilações sunitas. Por outro lado, certificam que os imams não possuem ismah (pecado), a exemplo do que Alá de-signou aos Profetas.

Defendendo interpretações distintas, surgiram facções ash’shiat como: Ash’shiat Açabaia (partido extinto), que seguia as práticas de Abdullah Ben Sabat, afirmando que apenas Ali era o legítimo sucessor do Profeta, atribuindo-lhe maior relevo. Após a sua morte, passaram a considerá-lo Alá, sugerindo que Ali não tinha morrido. Logo, se vê uma corrente política completamente dispersa do Islã.

O líder do partido Ash’shiat Azaidia Duodecimalista, foi o imame Zaid Ben Ali Zaini Al Aabedin Ben Al Hussyn Ben Ali Ibn Abi Taleb. Seu avô Al Hussyn lutou em Karbala, no Iraque e foi barbaramente massacrado pelo califa Yazid, por não reconhecer sua autoridade como chefe do Estado Islâmico, nem curvar-se diante dele como queria. Yazid tinha se desviado do Islã. Al Hussyn adotou uma postura religiosa e de superioridade em manter a todo custo a dignidade humana.

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A tragédia de Al Hussyn, “acrescentou ao xiismo um elemento de paixão que torna a psicologia humana mais receptiva do que argumentos meramente doutrinais. A morte de Al Hussyn confirmou um xiismo oficial, o seu nome e memória tornaram-se uma parte inseparável de seu fervor religioso e moral”(136).

Os Ash’shiat Azaidia divergem entre si, criando várias interpretações dentro do próprio partido. Uma delas, de que Ali foi escolhido por suas próprias qualidades. Reconhecem Abu Bakr Assiddik, Omar Ibn Al Khattab como sheicks. Mas Ali era melhor para o imamato. Prescrevem que, se o território do Estado Islâmico é grande, pode haver dois mandatários, suficientemente capazes para governar suas comunidades, mas prestando obediência às regras impostas, não descartando, em hipótese alguma a importância da Axxurra. Com o tempo, esse partido ficou fraco, mas ainda hoje persiste uma forte corrente no Iêmen.

A Ash’shiat Imamia é a maior corrente. Encontrada principalmente no Irã, Iraque, Paquistão e Afeganistão, existindo inúmeros grupos em vários países árabes e asiáticos. Conforme acreditam os chefes religiosos no Irã (Aiatolahs), “são a evidência (hujjat) de Deus na terra; suas palavras são as palavras de Deus e suas ordens são as ordens de Deus, porque todas as suas decisões são inspiradas por Deus e têm autoridade absoluta. Obediência a eles é, assim, obediência a Deus, e desobediência a eles é desobediência a Deus. Estão de posse do poder de milagres e dos argumentos irrefutáveis (dalã’il). Podem ser comparados, nesta comunidade, à arca de Noé: o que nela embarca obtém a salvação e alcança o portão do arrependimento... Deus delegou aos imãs soberania espiritual sobre todo o mundo, que sempre deve ter um guia como esse”(137).

Para esse partido, o imam é a representação viva de Alá, retém todo o seu conhecimento e interpreta todas as suas revelações. É o imam (ma’soum) infalível, encarregado de governar a sociedade. Inclui, também, que o fabuloso espírito do imam esteja sempre presente no mundo, que essa presença seja legal ou oculta, como o Al Mahdi, que é o décimo segundo imam ash’shiat, Mohammad Al Mahdi, filho de Al Hassan Al Ascari. A sincera crença nessa tradição advém do seu desaparecimento com a sua mãe, num subterrâneo, em Hilla, no Iraque, devendo reaparecer para imprimir a justiça ao mundo. Pode parecer estranho, mas é profundamente verdadeiro o espírito religioso que exprime essa forma partidária que usa uma união direta do imam com Alá, fomentando, maravilhosamente, um misticismo religioso e emocional. Essa doutrina está implícita na lei de alguns países de linha ash’shiat.

Portanto, a formação política do Irã propicia um exemplo ideal do partido ash’shiat imamia, que segue a jurisprudência da Escola de Direito Já’afaria, espelhada nos termos do artigo 12 da sua Constituição, assinalando que nada será capaz de destruí-la ou deformá-la: “A religião oficial do Irã é o Islã e de doutrina Já’afaria, crente nos doze imames. Esse artigo é perpetuamente inalterável”(138).

Nesse mesmo fundamento, outras correntes ash’shiat fixaram suas linhas mestras.

Transmitindo o ensinamento sagrado à pessoa do imam, podendo redigir lei,

convenientemente, seguindo as regras islâmicas. Dentro do mesmo conceito, mostra-se a corrente Ash’shiat Ismaelita, presente na África do Sul, Àfrica Central, Palestina, Índia

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(136) Syed Husain M. Jafri: O xiismo duodecimalista (nota 58), p. 127. (137) Idem, p. 124.

e, em menor escala, no Paquistão. O ash’shiat ismaelita foi conseqüência de uma rutura interna nas bases do ash’shiat imamia.

Essa desunião gerou uma reformulação na descendência do imamato e, como conseqüência, fizeram passar o imamato de Já’afar As Sadiq ( sexto, na linha duodecimalista) para seu filho Ismail (sétimo, na linha duodecimalista), contando-se depois: Mohammad Al Makituma (oitavo), Já’afar (nono), Mohammad Al Habib (décimo), Abdullah Al Mahdi (décimo primeiro), responsável pelo aparecimento do Estado Islâmico Fatimita. O décimo segundo imam vive em segredo, que só os partidários mantêm. Freqüentemente, esse partido esteve, ao longo da história, fora dos conceitos islâmicos, mencionando como suporte: o imam ser sagrado, obrigatório reconhecê-lo como tal. Ninguém pode julgá-lo.

A evolução do pensamento ash’shiat não parou, surgindo os partidos Al Requimia e Addorouz, que reconhecem o imam como o próprio Alá. O primeiro a ser investido na divindade foi o califa fatimita Al Haken Ben Amr Allah Bicemililé, que chamou o povo para adorá-lo. Ao morrer, seus seguidores passaram a acreditar que voltaria. A diferença entre esses dois partidos é a que fica por conta de seus representantes repelirem quaisquer registros das suas reuniões internas. Estes partidos têm seguidores na Síria, Libano e Palestina.

Baseado nos mesmos princípios, apareceu o partido Al Nusairia, com seguidores na Síria. Diferente das demais, uma corrente liberal. Tanto por seu programa como por sua atuação, não transparece ser realmente islâmico. Mistura as orientações políticas e religiosas da antiga Pérsia com palavras de Abdullah Ben Sabat. Para os ash’shiat imamitas, esta corrente política não é muçulmana.

Confessamos que, entre todos esses partidos, existe uma grande diversidade de opiniões, impedindo uma melhor explanação do assunto, o que a tornaria prolixa. Mas observamos que as concepções ash’shiat ficaram vinculadas ao interesse e à pessoa do imam. Rigorosamente falando, não têm dimensões amplas que permitam a eficiente participação no processo político para uma atuação mais liberal. No entanto, mantiveram reservada disciplina partidária, que deve ser fielmente seguida. Na verdade, a cultura de cada povo ajuda no reconhecimento da formação da cúpula governamental. O ash’shiat não dispensou essa relação intrínseca, entre cultura política e cultura religiosa, impedindo vinculações com correntes partidárias enfraquecidas ou que distanciassem do pensamento corrente das instituições de força e de importância para o povo. Ademais, sunitas e Ashi’shiat entrelaçam uma forma inconfundível, para a compreensão de sua essência, que é a base na prevenção contra a influência estrangeira, mantida em vários países muçulmanos, como bem demonstraram as declarações dos entrevistados inseridas ao texto.

Na medida em que se compreende essa composição de diferentes entendimentos partidários, não poderíamos esquecer as diretrizes de Al Khawarij, com inúmeros subpartidos no deserto, reconhecendo que o mandatário deve ser imbuído no cargo eletivamente, com a obrigatoriedade do sufrágio da maioria dos muçulmanos. Necessariamente, deve utilizar a Shari’ah Al Islamia, para que possa obter êxito. De forma que, se expressa regra não sancionada pelo Al Qu’ran, deve ser condenado à morte.

Incentiva que toda pessoa muçulmana pode aspirar ao cargo de presidente. Contudo, há um segmento do partido, denominado Annajadaat, que sustenta não ser importante a sucessão, derivando-se que o muçulmano pode viver bem, aplicando a Shari’ah, não se justificando o dever de eleger um mandatário. Pode fazê-lo, se interessar realmente ao povo.

Discorda Al Khawarij dos Ash’shiat e Sunitas, por não considerar Ali Ibn Abi Taleb muçulmano. No momento em que ele fez acordo com Moawiya para discutirem os mandamentos alcorânicos, rejeitaram a sua liderança. Para Al Khawarij, não há justiça além de Alá, adquirindo sua fundamentação aspectos verdadeiramente peculiares, mostrando claramente que, todo aquele que deixar uma regra do Islã, não pode ser considerado muçulmano.

Entre as várias facções desse partido em atividade, encontramos Al Ezareha, na Argélia, que milita na obrigação política de manter um presidente. Com este preceito, instalou regras mescladas com hábitos nômades, a fim de manter a formação política mais ampla. O partido Annajadaat, também de tendência nômade, tem concentração no deserto do Egito, Leste de África e Tanzânia.

Politicamente, os partidos islâmicos dividem-se na razão de uma autoridade que exerça sobre as populações a colaboração militar, o uso dos hábitos tributários e uma estrutura social.

Podemos pensar que a distinção subsiste, tão somente, quanto à constituição governamental e esse traço sobrevive, até nossos dias, integrado na história dos muçulmanos. Tanto é assim que não abandonam seus preceitos políticos fora dos territórios islâmicos, conservando-os intactos. Foi o que constatamos.

Essa política culminou com o estabelecimento de governos centralizados e descentralizados, da influência na formação elementar dos costumes e até de comércio associado à formação política religiosa. Pelos menos, se constata, até o presente momento, uma forte assimilação dos muçulmanos pela unidade religiosa, posicionando-se contra os interesses diversos da Shari’ah Al Islamia. Mas o Estado Omawiyta distanciou-se da Shari’ah Al Islamia, conforme veremos a seguir.

Capítulo Quarto

A INOBSERVÂNCIA À SHARI’AH

Sumário: 4.1 O desvio Omawiyta. 4.2 A ideologia Abass. 4.3 O Ash’shiat Fatimita. 4.4 O heroísmo Osmanita. 4.5 O declínio governamental.