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PRIMEIRA PARTE

7.1 A justiça social

Importa claramente salientar em que consiste a normatização social firmada na Shari’ah Al Islamia, que provocou uma enorme mudança em todos os segmentos da humanidade. Mesmo no anonimato que o mundo ocidental lhe reservou, a Shari’ah Al Islamia não diminuiu a sua força. Foi e é responsável pelo progresso e aperfeiçoamento da moderna sociedade. Por ela, milhões de muçulmanos, oprimidos ou não, expressam seus desejos e aspirações, para proclamar o reconhecimento e a legalidade do seu uso permanente.

Convertida à lei do “olho por olho, dente por dente”, denominação reservada à Lei de Talião (Código de Hamurabi), os ulemas esclarecem que a Shari’ah Al Islamia traz nos seus dogmas uma fé dinâmica que incentiva o desenvolvimento espiritual, intelectual e direciona as pessoas à elevação social. Decisivamente, a sociedade islâmica tem responsabilidade, perante o mundo do novo milênio, de assegurar sua legitimidade, na associação cooperativa de todos os muçlmanos. “Segundo o Al Qu’ran, todos devem repartir o que ganham (Surata Annissá, versículo 32), ninguém pode guardar tudo o que ganha (Surata Al Húmaza, versículo 2, 3), deve-se usar o que se ganha nas categorias prescritas por Alá (Alcassas, versículo 78), mas é proibida a sua utilização em demonstrações públicas de desperdício, supondo-se o que ganhou com o saber, pode-se utilizar como se quer (Surata Alcassas, versículo 79)”(174).

Muitos especialistas ocidentais desconhecem este parecer e acrescentam que a justiça social islâmica é coisa para poucos. Mas, Sayyid Qutb diz que: “na Shari’ah Al Islamia – o espírito progride e amadurece quando o homem, por sua própria vontade, sacrifica o que acha atraente e desejável, segue-se que quanto maiores as capacidades humanas, maiores são suas responsabilidades. A riqueza é uma responsabilidade e até mesmo o tempo disponível para se fazer coisas está sujeito a acertos de contas”(175).

Os argumentos críticos são rebatidos pelos ulemas, que respondem com a observação de Sayyid Qutb, de que a lei religiosa islâmica “não pode escolher um setor restrito de vida humana e submetê-lo a Alá, ou estar contente com negativismo, enquanto outros setores e ações positivas são submetidos a outros deuses por administrarem, quer individualmente, quer coletivamente, colocando em vigor sistemas, doutrinas, instituições, organizações e leis a seu bel prazer”(176).

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(174) Mohammad Rachid Reda: Al Uahi Al Mohammad. Cairo: Dal Al Maanar. 5ª edição, 1955, p.193. (175) Sayyid Qutb (nota 42), p. 32.

Exatamente, a justiça social de países muçulmanos que não aplicam as normas da Shari’ah Al Islamia, contam com grandes problemas. Agentes externos interferem politicamente nos países e colhem vantagens econômicas, impondo seus rótulos estrangeiros, enquanto os produtos islâmicos encontram todo tipo de barreira para entrar no mercado europeu e americano. Como não bastassem as pressões econômicas, petrodólares são ganhos pelos Estados Unidos, numa concentração de mando à economia da região.

Essa escalada da exploração mereceu, por parte do príncipe Abdullah, o reconhecimento de que é hora de parar com o protecionismo. O príncipe mandou uma carta a George W. Bush na qual dizia que as relações bilaterais se encontravam numa “encruzilhada” e estava na hora de cada um dos países cuidar dos próprios interesses”..

O presidente Bush pediu calma ao monarca. Enquanto a imprensa americana fazia severas críticas aos sauditas. Na obediência a Shari’ah Al Islamia, o governo saudita quer uma política social melhor para seu povo. Logo, o Islã não é uma barreira intransponível para uma sociedade promissora, nem se pode negar que a exploração ocidental é por demais responsável pela pobreza em que se encontram milhões de muçulmanos.

Devido a esta natureza, a justiça social islâmica é rigorosamente justiça social, por determinar respeito ao direito nas relações com os nossos semelhantes. “Ó humanos, em verdade, nós vos criamos de macho e fêmea e vos dividimos em povos e tribos, para reconhecerdes uns aos outros”(177).

Portanto, não é a mesma coisa que caridade, mas esta vai ter ligações na vida social, permitindo que todos os homens se reconheçam como irmãos. Este vínculo vai dar maior ênfase à execução da eqüidade, concedendo a todas as pessoas o cumprimento dos deveres e direitos uns para com os outros. “Quando um de vós se encarregar da tremenda carga de aplicar a justiça entre os muçulmanos, que se abstenha de julgar ao estar encolerizado. Seu dever é de solucionar as disputas com benignidade”(178).

Exatamente, o plano da natureza Shari’ah Al Islamia exprime que a consciência humana deve ser libertada e estabelece a igualdade entre os seres e reproduz um regime de justiça absoluta que, eficazmente, prepara a piedade em todos os corações, ao resguardar que as oportunidades entre os indivíduos aproximam-nos o mais possível do trabalho.

Assim, a justiça social islâmica agrupa valores do socialismo pois, nela, a comunidade e o Estado participam juntos da produção, da repartição e do consumo. Difere do programa do socialismo marxista em que a produção e o próprio consumo pertencem à coletividade e a repartição, ao Estado.

Nestas conclusões, é percebido que a Shari’ah Al Islamia sublinha a necessidade de empreendimento produtivo, por intermédio do relacionamento entre as classes traba-

lhadoras e os patrões, caracterizando um equilíbrio das relações trabalhistas;

correspondendo, naturalmente, ao respeito à propriedade individual. Para Sayyid Qutb, a Shari’ah Al Islamia funda o poder na consciência de justiça de seus mandatários e na obediência dos seus cidadãos, podendo, a qualquer momento, destituir o mandatário do cargo”(179).

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(177) Samir El Hayek (nota 20), p. 607. (178) Hadits (nota 28), p. 69-70.

No momento, partidos conservadores influenciam as classes trabalhistas através dos organismos sindicais, para voltarem aos princípios do Islã primitivo e arregimentam forças contra os moderados, que fazem oposição às reformas progressistas, já que conquistaram, ao longo do tempo, altas funções sociais e educação burguesa, lutando para manter os privilégios.

No passado, particularmente nos califados de Abu Bakr, Omar Ibn Al Khattab, Otman Ben Affan e Ali Ibn Abi Taleb, não havia o desperdício e o luxo, que eram combatidos como um meio de desvio da moral, responsável por conseqüências desastrosas que, na realidade, fizeram com que os muçulmanos sofressem, através do colonialismo, influências nefastas apegadas ao compromisso materialista do Capitalismo.

A Shari’ah Al Islamia proíbe a usura e o monopólio, bases do desenvolvimento do capitalismo, que conduz o empresariado ao acúmulo de riqueza, enquanto usam os trabalhadores para aumentarem cada vez mais a produção. “O Capitalismo foi introduzido no mundo islâmico quando estava sob o domínio europeu. Juntamente com a onda de desenvolvimento, ele se espalhou no mundo islâmico que sofria de pobreza, de ignorância, de doença e subdesenvolvimento”(180).

A usura é a base do capitalismo moderno. É completamente contrária ao Zakat. Este canaliza a riqueza do rico para o pobre enquanto a usura leva o provento do pobre para o rico. A situação é bastante complexa. Um Estado islâmico envolvido com a usura, deve mudar o sistema e adicionar os princípios básicos da norma islâmica, que sofreu forte golpe durante o colonialismo.

O colonialismo não assegurou uma vida decente aos muçulmanos, muito pelo contrário, explorou suas artes e riquezas naturais, destruiu suas bases igualitárias e encorajou a volta das culturas primitivas faraônicas e até místicas. Por outro lado, introduziu o capitalismo em sua fase mórbida, acompanhada de juros e empréstimos. Há os que alegam que a Shari’ah não regulamenta nenhuma norma que possa ir de encontro ao capitalismo. Ora, a Shari’ah sustenta o social, não é contra o capitalismo, mas contra a impropriedade dos juros e a submissão do homem por meio da força ou da superioridade econômica.

A justiça social islâmica não separa o Estado da sociedade. Esta estabilidade sustenta o tecido social da comunidade islâmica, mesmo durante a fase de decadência: quando o Estado Islâmico desintegrou-se, o escopo da Sharia’ah Al Islamia, em suas aplicações sociais, permaneceu intacto. De regra, justiça social é expressão normativa que compreende direitos e deveres. Neste sentido amplo, considerando o exercício das ações e condutas dos indivíduos, devem estar pautadas no direito legal e no conceito de bem. Desta forma, a aplicabilidade das leis, em alguns países de maioria muçulmana que desacordam da Shari’ah Al Islamia e se apoiam na avaliação de leis européias, como é o caso do Marrocos, da Tunísia e outros, apresenta distorções, ações moralmente más e injustas, aparecendo estas práticas como específicas do Islã.

Por exemplo, no Marrocos, a mulher não tem direito, sofrendo grande discriminação, merecendo da ONU pressões contrárias às péssimas normas de tratamento contra o elemento feminino. O Marrocos não usa a Shari’ah Al Islamia, que obriga o respeito e proteção à mulher. Ela foi posta em desuso pelo colonizador francês (1901). Em 1912, a França impõe ao Marrocos um tratado de protetorado. Em 1956, reconhece com a

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Espanha sua independência, mas impõem ao rei Mohammad V revisão no código muçulmano, que retirou todos os poderes e direitos da lei muçulmana marroquina. A lei reinante e de valor jurídico é a francesa, introduzida e concentrada no âmbito civil, econômico, político e penal, com seu conteúdo real. “O bem-estar dos súditos marroquinos depende do cumprimento da Lei Divina e da eliminação da injustiça”(181).

Um outro mau exemplo é o Afeganistão. O sistema aprovado pelo Talibã (estudante) permitiu extrapolar inúmeros conceitos da Shari’ah Al Islamia. Como a obrigatoriedade da mulher em cobrir-se por completo (milhares de afegãs o usavam sem imposição, numa questão, exclusivamente, de costume), o uso da barba pelo homem (há um hadit do Profeta que não impõe, mas aconselha a barba não maior do que uma mão fechada), ferindo a justiça social com os exageros, motivando todo tipo de especulação maldosa acerca do país e da doutrina islâmica.

No pensamento de Sayyid Qutb, a lei islâmica “traça as grandes linhas de um programa social, econômico e político que corresponde “grosso modo” às realizações da revolução nasseriana (nacionalização, reforma agrária, melhora econômica e militar, participação dos trabalhadores nos lucros etc”(182). De regra, é um conceito de fraternidade universal, fundado no conceito da exegese alcorânica.

A humanidade é uma só família e todos são iguais perante Alá e a Shari’ah Al Islamia manifesta, como um critério de valor, a fé de cada cidadão em particular. Este conceito de justiça social trouxe proteção à sociedade muçulmana. Apesar do uso não corrente da lei islâmica, o sentimento familiar não fugiu aos princípios básicos religiosos e, com eles, se tem reforçado o retorno ao Islã puro, progressista e aberto, denominado pelos ocidentais de intransigente e retrógrado.