• Nenhum resultado encontrado

PRIMEIRA PARTE

10.4 O Islã e o futuro

“...a seriedade do Islamismo paira como o dedo de Moisés castigando a frivolidade do luxo e abundância. Ninguém que ouça o solene chamado à prece dos muezins, cinco vezes por dia, do alto dos minaretes, é capaz de duvidar de que isto seja religião verdadeira. É oração, pura e válida. Os muçulmanos realmente crêem em algo,

razão pela qual o Islamismo vencerá a batalha ideológica”(287).

Cremos que é pelo fato de a Shari’ah ser uma lei religiosa que aí reside a causa do grande interesse das pessoas, nos últimos tempos, por sua cultura e ensinamentos religiosos, particularmente pelos europeus e americanos. O resultado é que as dificuldades provenientes dos estereotipos criou um instrumento que exprime a necessidade de se conhecer mais sobre os muçulmanos.

E de fato, mesmo com as imagens disformes que retratam as produções cinematográficas e jornalísticas, paralelamente, corre a promoção e o aumento cada vez maior do número de adeptos, suplantando as censuras e definições grosseiras.

Tanto mais que o grande comércio internacional conta com mercados e a clientela de mais de um bilhão e quinhentos milhões de muçulmanos no mundo, que se acomodaram às exigências da vida moderna, sem descortinar os valores religiosos, já que a minoria tem aceitado a ocidentalização.

Entre 1970 e 1980, o Islã apareceu como uma força global que tem, até a presente data, atraído profissionais liberais, universitários, burocratas, artistas e até militares. A projeção extremista que se tem freqüentemente visualizado nas bancas de revistas e a predisposição de ser olhado como um movimento perigoso e anticultural, não impede totalmente que, através da tecnologia e moderna ciência, sua mensagem seja propagada e suas práticas tradicionais conservadas, como está acontecendo nas comunidades que sofreram colonialismo ocidental.

“Esta renovação mais amplamente fundamentada tem, também, sido acompanhada pela recepção do Islã na vida pública: um aumento em alguns governos, nas organizações, nas leis, nos bancos, nos serviços de bem-estar social e nas instituições educacionais, todos islamicamente orientados”(288).

Logicamente que as más informações deixam inspirar receios e dúvidas, mas o que surpreende é que o movimento de força do renascimento islâmico está vindo mais forte por meio do espírito estrangeiro. Concluímos que os árabes não estão sozinhos erguendo a bandeira do Islã, mas os estrangeiros, especialmente os ocidentais.

Como aconteceu no passado, com “uma das mais atraentes figuras da história, Saladino, o bravo e nobre chefe dos exércitos muçulmanos, descendo do nordeste das montanhas do Curdistão, lavrou a sentença de morte dos cruzados, consumada na derrota da batalha de Hattin, travada a 4 de julho de 1187”(289).

Além de Saladino, outros nomes demonstraram fortes laços com o Islã, colocando sua inteligência ao estudo dos seus fundamentos, cujas análises jurídicas trazem efeitos harmônicos ao exercício do direito. Essas interpretações enriquecem

______

(287) Peter Mullen: The Guardian. (matéria aproveitada do Jornal do Estado de São Paulo, 15.8.1993). Alvorada. São Paulo: Makka. Ano II, número 26, dezembro, 1993, p. 4.

(288) Editorial: A ameaça islâmica mito ou realidade. Alvorada. São Paulo: Makka. Ano II, número 26, dezembro. 1993, p. 11.

(289) Moshe Menuhin: Judaismo hoje: Palestina, árabes e judeus. Trad. Miguel Alencar. Rio de Janeiro: Editora Paralelo. 1996, p. 19.

e asseguraram até nossos dias o uso da jurisprudência islâmica, a exemplo dos persas Abu Hanifa, grande conhecedor da Feqh, e Al Gazalli, cujo sufismo foi copiado na Europa, principalmente pela Alemanha

Ibn Sina (mestre da medicina e do direito), Al Burahi, Muslim, Abu Daoud, At Tirmidhi, Anaseii e Ibn Maja, todos da Ásia Central, coletaram os hadits e seus compêndios são considerados, na atualidade, os melhores sobre o assunto. Ibn Khaldun e Ibn Rushid, de Andaluz (península Ibérica), contribuíram para melhorar o estado social das sociedades islâmicas, em vista da utilidade dos seus estudos a serviço do homem e da justiça, chamando a necessidade do bom uso da Shari’ah Al Islamia. O restabelecimento do seu ensino nos cursos primário, médio e universitário é uma das reivindicações dos muçulmanos.

Convém não esquecer o francês René Guénon que dedicou grande parte de sua vida aos estudos dos povos árabes e dos métodos filosóficos muçulmanos. René Guenon, como muçulmano, estabeleceu-se no Cairo, onde foi sepultado.

No momento, Roger Garaudy (francês) é um dos nomes mais atuantes dos muçulmanos europeus. Ex-ministro, tem examinado minuciosamente as questões que envolvem o Ocidente e o Oriente. “O Ocidente, com suas certezas, vem sistematicamente desprezando tudo o que não se enquadre na sua visão de civilização. Visão essa que, na verdade, acabará por destruí-lo, pois nela só têm lugar os privilegiados que detêm o poder, seja econômico, militar ou político. O homem comum apenas sobrevive e, preocupado em sobreviver, não tem mais tempo para si mesmo, para mergulhar em seu interior, procurar suas raízes e o que de divino existe nele”(290).

Destaca-se, também, Zacaria Yahia Ibn A’la Maududi, do Paquistão, que tratou dos conflitos entre as diferentes correntes filosóficas do mundo ocidental e dos países islâmicos. É considerado um dos maiores sábios islâmicos. Além de Al Mobarak Fouri da Índia, M. Yossuf Adamagy de Moçambique, Ibn Abi Zayd Al Tabatabai do Irã, etc..

Logo, a questão da relação do espiritual com o material tem preocupado os intelectuais ocidentais, que despertam interesse pelo positivismo religioso. Por essa razão, vê-se facilmente que a fé da revelação islâmica não rebaixa a liberdade do homem, mas determina relações dele para com Alá, de forma a chamar o indivíduo para cumprir suas obrigações sem constrangimento.

Por outro lado, se olharmos o Estado Osmanita, veremos que a tribo que originou a sua formação era asiática e falava o idioma touran (idioma oficial turco). Esta argumentação pode ser comprovada através dos inúmeros institutos de cultura islâmica, criados na Europa (França, Itália, Alemanha, Inglaterra e Portugal) e na América do Norte, com sede em Washington.

Em virtude dessa intensa procura, a Universidade de Azhar, no Cairo, Egito, concede, por meio de intercâmbio cultural, bolsas de estudos aos seus alunos de pós- graduação em mestrado e doutorado nos relacionados centros estrangeiros. Com o mes-

mo objetivo, o Instituto de Cultura Árabe Islâmica, de Laiden, na Holanda, contribui, de maneira marcante, para estabelecer contato dos seus cidadãos com a legislação islâmica.

Entendemos que a Shari’ah Al Islamia não supõe simplesmente que o seu mem- ______

(290) Roger Gaurady: Promessas do Islã. Trad. Edison Darci Heldt. Rio de Janeiro: Editora Nova Fron- teira. 1981, p. 78.

bro opere com a cultura circundante do seu habitat, mas de maneira ampla, permite seu livre acesso ao conhecimento dos povos, justificando que a cada um deve ser dado o que lhe pertence.

Rigorosamente, o Islã é indivisível. Seu passado remonta à época de Aadam (Adão), Nur (Noé) e Ibrahim (Abraão). Segundo o Al Qu’ran: “Abraão não era judeu nem cristão, e sim monoteísta muçulmano”(291).

É justamente o caráter sublime que motiva os muçulmanos a se identificarem com o Islã, e a nele encontrar o relacionamento perfeito em todos os instantes da vida, abandonando as relações confusas e as formas explorativas que o homem moderno está encontrando. De bom senso, o mundo está na mesma condição que imperava antes do aparecimento do Profeta Mohammad (S.A.A.W.S.), que veio reafirmar a mensagem divina dos seus precursores.

A imoralidade, o ateísmo, o abandono da religião são as atividades reinantes no mundo atual. O materialismo ocidental comunga da mesma teoria marxista que desprezou a evolução espiritual do ser humano, aderindo ao desenvolvimento de atividades que dão lucro. O significado islâmico não proclama o bem material como única alternativa, mas como uma parceria do trabalho. Portanto, “não proibiu a cooperação entre capital e a gerência, ou entre o capital e o trabalho como estes termos são compreendidos no seu sentido legal islâmico. Aliás, a Shari’ah estabelece um critério sólido e igualitário para tal associação; se o dono do capital deseja tornar-se sócio de um homem trabalhador, ele deve concordar em compartilhar de todas as conseqüências dessa sociedade. A Shari’ah Al Islamia impõe a condição de que, em tais sociedades, que são chamadas de al-mudáraba ou al-quiradh, as duas partes devem concordar que compartilharão do lucro, se houver, e do prejuízo, se houver prejuízo, numa proporção combinada previamente. Essa proporção pode ser de uma metade, um terço, uma quarta parte ou qualquer outra proporção para uma das partes e o restante para a outra. Dessa maneira, a sociedade entre o capital e o trabalho é a associação de duas partes com responsabilidade conjunta, cada uma tendo uma participação proporcional, seja de lucro, seja de prejuízo, e independente de ser muito ou pouco. Se no balanço, os prejuízos excederam os lucros, a diferença deverá ser debitada ao capital. Este tipo de associação não é surpreendente, pois, enquanto que o proprietário do capital sofreu uma perda na sua riqueza material, o sócio, com o trabalho, perdeu seu tempo e seu esforço”(292).

No dizer de Abul Hassan Annadwy: “o homem ocidental perdeu o processo de sua evolução, o instinto espiritual”(293). Mas a vitalidade dos muçulmanos, ao longo da história, tem demonstrado que a resistência provém da consciência religiosa, cívica e política transmitida pela crença. Sempre estarão dispostos a lutar contra quaisquer formas restritivas ao Islã porque não querem perder o elo com Alá. Assim, justifica-se o muçulmano posicionar-se a exercer o jihad, contra quem permite a propagação do ilícito (haram) ou do (makrouh) caminho do ilícito entre seu povo.

Quando a Lei Berber, em 1931, foi decretada pela França aos marroquinos, apagando a jurisprudência islâmica e favorecendo o ateísmo, o espírito islâmico iniciou a revolução contra os franceses. E assim tem sido em todos os instantes perigosos.

______

(291) Samir El Hayek (nota 20), Surata 3, versículo 67, p. 43. (292) Yossef Al Karadhawi (nota 32), p. 411-412.

Apesar de ter perdido a extensão territorial com a derrocada do Estado Islâmico Osmanita, após a Primeira Guerra Mundial, o Islã, que antes fora uma só força, uma única expressão, encontra-se dividido entre os limites dos países de maioria muçulmana. Para alguns analistas, o panorama dos países de tradição islâmica define a dominação da idéia dos muçulmanos em unificar o Oriente Médio e norte de África numa potência islamizada, livrando-se de uma vez por todas do jugo ocidental, que continua com o domínio econômico, o que impede estabelecer condições favoráveis para um crescimento estável.

Para tanto, é preciso que restabeleçam a interação diária entre o direito e a religião, nos estados que se afastaram da Shari’ah Al Islamia, precisando da “doutrina que fortifique a alma com os conceitos de devoção, a fim de confirmar ao homem a importância da elevação do espírito e da fraternidade humana, libertando as pessoas do ciclo da ignorância, da arrogância e do despotismo, tornando-os igualitários diante do Senhor do Universo”(294).

Uma grande parte dos muçulmanos, especialmente os professores e jovens universitários, acreditam que tudo faz parte de um plano para minar a resistência dessas populações e enfraquecer o domínio religioso da lei. Reconhe-cem que o problema está no caráter puramente político e judicial que os ocidentais querem dar ao Oriente Médio, Àfrica e a Àsia islamizadas, impondo um sistema concentrado em suas próprias leis, como estabeleceu Inglaterra às suas colônias que “excluiu na mãe pátria, por força do princípio fundamental da supremacy of the Parliament, a possibilidade de controle judicial da legislação, fez-se, ao contrário, promotor, nas colônias, deste controle”(295).

Verificamos, também, que a lei islâmica não impede aos muçulmanos gostarem das coisas boas da vida, muito pelo contrário, mas usufruir dentro dos parâmetros normais, sem excesso ou frivolidades que buscam a valorização do respeito e bondade para com o outro irmão.

Assim, é de vital importância para o muçulmano a preservação da Shari’ah Al Islamia, que é aproveitada em muito aspectos, de maneira que a Europa, especialmente, a França, redigiu o Direito Civil com base nessa lei, embora esconda esta realidade. A lei islâmica também está presente nos Direitos Humanos, redigidos pela ONU, posicionando- se em favor de um caminho central à moral do homem e o seu serviço em prol de uma sociedade justa.

Enfim, o muçulmano não pode dispensar a Shari’ah Al Islamia, por entender que é de alta significação à sua vida. Através dela, eles “exerceram papel proeminente na história das idéias islâmicas, não apenas pelo fato de haverem introduzido a filosofia grega no pensamento islâmico, mas principalmente por terem realizado sérias reflexões sobre inúmeros problemas”(296).

Tanto é assim, que o Concílio Vaticano II se pronunciou a cerca do Islamismo da seguinte maneira: “A Igreja olha também com apreço para os muçulmanos que adoram o

______

(294) Comissão Autoral de Dar El Tawheed. A formação à luz do Islam. Trad. Aidah Rumi. Curitiba: Dar El Tawheed. 1997, pp. 11-12.

(295) Mauro Cappelleti: O controle de constitucionalidade das leis no Direito Comparado. São Paulo: Sérgio Antônio Fabris Editor. 2a edição, 1992, p. 67.

(296) Helmi M. Ibrahim Nasr: O Islã – visão geral. Arrissala. São Paulo: Jovens Muçulmanos do Brasil. Ano 6, número 33, outubro, 1980, p. 8.

único Deus vivo e subsistente, misericordioso e todo poderoso, criador do Céu e da Terra, que falou aos homens e a cujos ocultos decretos procuram submeter-se com toda a alma, como Abraão se submeteu a Deus, a quem a fé islâmica gosta de se referir. Veneram Jesus como Profeta, embora não o reconheçam como Deus; honram a Sua mãevirginal, Maria, e por vezes também a invocam com devoção. Esperam, além disso, o dia do juízo, quando Deus recompensará todos os homens, depois de terem ressuscitado. Valorizam, portanto, a vida moral e honram a Deus, sobretudo com a oração, as esmolas e o jejum”(297).

______

(297) Jornal Makka: A importância da Shari’ah no mundo. São Paulo: Editora Makka. Ano VII, número 86, março, 2000, pp.15-16.

BIBLIOGRAFIA