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4 ELEMENTOS PARA DENSIFICAÇÃO DOGMÁTICA DA REGRA

4.4 A LEGITIMIDADE PARA EXIGIR A APLICAÇÃO DA GARANTIA E

Já tendo sido enfrentadas as questões referentes à aplicabilidade da garantia no processo penal e no processo civil, bem como determinados os destinatários do efeito profilático e seu âmbito de proteção, passa a ser alvo de abordagem a questão referente à legitimidade para exigir-se a aplicação do instituto e aproveitarem-se seus efeitos.

Dito de outra maneira, o problema é determinar se existem razões que recomendam delimitar a aplicação do Artigo 5º, inciso LVI, da Constituição Federal, aos casos em que é o próprio titular do direito violado que o requer e quando este irá aproveitar seus efeitos, em termos similares ao preconizado pela standing for motion to supress do direito norte-americano.

Lembre-se que, conforme as formulações nascidas nos casos Jones e Alderman, a Suprema Corte entende que somente o titular do direito afetado pode requerer a aplicação do instituto e somente em relação a ele a prova dever ser excluída.

De um lado – em conformidade com o precedente Jones –, a legitimidade para requerer-se a aplicação decorreria de um princípio geral de que somente o ofendido poderia requerer a tutela do direito constitucional violado e, de outro – conforme Alderman – concebe-se que proteger os direitos da parte retrata argumento suficiente para aplicar-se a regra de exclusão, porém estender a

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Essa constatação vai contra aquilo que refere Raquel Pinheiro de Andrade Mendonça, quem restringe ao âmbito do processo penal a aplicação do instituto em decorrência de uma interpretação histórica: “O dispositivo constitucional diante de uma análise histórica visa a proteger direitos decorrentes do princípio da dignidade humana, estabelecendo uma limitação à persecução penal do Estado. O limite estaria em respeitar a individualidade em detrimento do agir incontrolado do Estado na busca da verdade real, sendo esta uma atitude fruto do sistema acusatório e dos resquícios da história polícita brasileira” (MENDONÇA, Raquel Pinheiro de Andrade. Provas

aplicação do instituto “em favor” de terceiros, não sendo o titular do direito afetado, seria uma “proteção extra”, que não proporciona benefícios suficientes para compensar-se o alto “custo” de aplicação do instituto.

Contudo, nenhum desses argumentos parece oferecer qualquer boa razão para relativizar-se a aplicação da garantia.

Saliente-se que para atingir sua finalidade – proteger bens jurídicos –, a regra constitucional de exclusão de provas depende da capacidade de o efeito profilático coibir a adoção de condutas antijurídicas. Ou seja, para que o instituto se mantenha apropriado à consecução de suas finalidades, a própria aplicação da regra não pode cair em desuso ou ser relativizada de forma a criar brechas na proteção por ela propiciada, que tem caráter essencialmente prospectivo e cujos benefícios não se dão propriamente diante de um caso concreto e em favor de uma determinada parte. Antes de uma posição jurídica da parte no processo, a inadmissibilidade da prova obtida por meios ilícitos deve ser encarada como uma garantia dos próprios bens jurídicos por ela tutelados (objetivamente considerados), em razão de sua importância para o próprio convício social.387

Dito isso, deve-se ter em consideração que restringir a incidência dos efeitos da aplicação do instituto ao titular do direito violado seria o mesmo que neutralizar o efeito profilático com relação às condutas (de obtenção, formação ou utilização da prova) antijurídicas praticadas em detrimento dos direitos de terceiros, mesmo que estranhos à relação processual, ou, ainda, litisconsortes.

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Nesse aspecto, é inclusive apropriado fazer menção a Sentencia 114 de 1984 do Tribunal Constitucional de España, na qual a corte espanhola expressamente defende não existir propriamente um direito fundamental a não apreciação das provas obtidas ilicitamente, mas sim uma garantia que visa a preservação dos direitos fundamentais, objetivamente considerados, a fim de torná-los tão eficazes quanto o possível. A corte expressamente fez menção ao caso United States versus Janis para corroborar suas afirmações, temperando-as, entretanto, com a possibilidade de ser realizada uma ponderação caso a caso entre o interesse na obtenção da verdade e o reconhecimento da plena eficácia dos direitos fundamentais: “En suma, puede traerse a colación la doctrina establecida por la Corte Suprema de los Estados Unidos respecto de la evidence wrongfully obtained y de la exclusionary rule, en cuya virtud, en términos generales, no puede admitirse judicialmente el material probatorio obtenido con violación de la IV Enmienda a la Constitución. Así, en United States v. Janis (1976), la Corte declaró que «... la regla por la que se excluye la prueba obtenida en violación de la IV Enmienda tiende a garantizar los derechos generalmente reconocidos en dicha enmienda a través de un efecto disuasorio (de la violación misma) y no tanto como expresión de un derecho constitucional subjetivo de la parte agraviada...». Hay, pues, que ponderar en cada caso, los intereses en tensión para dar acogida preferente en su decisión a uno u otro de ellos (interés público en la obtención de la verdad procesal e interés, también, en el reconocimiento de plena eficacia a los derechos constitucionales). No existe, por tanto, un derecho constitucional a la desestimación de la prueba ilícita.” Cfr. Sala Segunda. STC 114/1984, de 29 de noviembre de 1984 (BOE núm. 305, de 21 de diciembre de 1984).

Por isso, relativizar a aplicação do Artigo 5º, inciso LVI, da Constituição Federal, nos termos propostos por uma construção como a standing for motion to supress, seria prejudicial à sua funcionalidade, porquanto estaria criada uma verdadeira lacuna na proteção por ele conferida.

De outro lado, quanto à legitimidade para requerer a aplicação do instituto, frise-se que, sendo uma garantia desligada de um sujeito específico, mas sim necessária para a preservação de valores objetivamente considerados, sua aplicabilidade não pode ficar condicionada à atenção e discricionariedade da parte ofendida para invocá-la.388

O benefício que se busca com o instituto está além dos interesses particulares aí envolvidos, estando além do poder de disposição da parte, porque se trata de uma garantia que tem propósitos alheios à lógica do processo.

Os efeitos prospectivo-preventivos da vedação constitucional e sua finalidade de conferir-se proteção a bens jurídicos através da dissuasão de condutas tornam exigível a aplicação da regra de exclusão em qualquer caso que a obtenção, formação ou utilização da prova implique antijuridicidade, pouco importando a titularidade dos direitos violados, mas sim a violação objetivamente considerada.

Mais que isso, entende-se que o próprio magistrado, ante a evidência de ilicitude na obtenção da prova, deve, de ofício, levantar a questão e proceder adequadamente a aferição de sua aplicabilidade, através do procedimento adequado.

É irrelevante, inclusive, que a parte ofendida manifeste-se contrariamente à aplicação da regra de exclusão. Para que a garantia alcance sua finalidade específica, a proteção de direitos, é indispensável que ela seja aplicada ante a evidência de uma prova ilícita.

Nesse aspecto, é importante dar atenção à já referida decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça nos autos do Habeas Corpus n. 161.053/SP. O precedente importa não só para demonstrar que a regra constitucional de exclusão de prova é aplicável em caso de conduta antijurídica praticada por particular, mas

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Adapte-se, nesse sentido, a lição de Calmon de Passos acerca da decretação das invalidades processuais: “entender-se que a nulidade somente se decretaria mediante arguição da parte equivaleria a afirmar-se que os fins particulares dos atos processuais são fins postos pela lei em favor das partes e exclusivamente delas”. (PASSOS, José Joaquim Calmon de. Esboço de uma

também para demonstrar que não existe a possibilidade de convalidar-se a prova obtida por meios ilícitos.

No caso, o marido, empenhado em tornar disponíveis meios para comprovar a inocência da esposa quanto a fato criminoso, realizou uma interceptação telefônica clandestina e gravou, sem sua anuência, um diálogo por ela mantido com um terceiro que também não tinha ciência de que sua conversa estava sendo registrada. Da interceptação realizada resultou um meio de comprovação que tinha o condão de dar suporte à alegação de inocência da esposa em processo criminal. Por ocasião da análise da questão, o relator do processo, Ministro Jorge Mussi, referiu que “O fato da esposa do autor das interceptações - que era uma interlocutora dos diálogos gravados de forma clandestina - ter consentido posteriormente com a divulgação dos seus conteúdos não tem o condão de legitimar o ato”.389

Diante desses argumentos, entende-se que não existem motivos para que a aplicação do instituto fique condicionada à sua arguição pelo indivíduo afetado pela conduta antijurídica e, muito menos, que somente se o ofendido for a parte contra quem se pretende utilizar a prova tenha tal legitimidade.

4.5 AS LIMITAÇÕES FUNCIONAIS DA REGRA CONSTITUCIONAL DE EXCLUSÃO

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