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2 A INADMISSIBILIDADE DAS PROVAS ILÍCITAS NO ORDENAMENTO

2.2 ASPECTOS CONCEITUAIS E TEÓRICOS REFERENTES ÀS PROVAS

2.2.2 As hipóteses típicas de ilicitude e o conceito de prova ilícita

Estabelecida a relação entre o conceito de prova ilícita e as repercussões da atividade probatória desde a perspectiva do direito material, torna-se possível, com base nas lições de Isabel Alexandre, fazer referência ao que a autora chama de “hipóteses típicas de ilicitude”,48

compreendidas como diferentes perfis que assumem as condutas que dão azo à qualificação de uma prova como sendo uma prova ilícita.

Por primeiro, Isabel Alexandre refere-se às provas pré-constituídas, “cujo modo de constituição foi regular, mas que foram ilicitamente obtidas pela parte que as pretende utilizar [...] sem que essa utilização traduza, em si, um acto ilícito”.49

Ou seja, nessa hipótese, as condutas que envolvem a formação do elemento de comprovação encontram conformidade com o direito material, mas a prova, já constituída, só se torna disponível ao interessado em razão da prática de uma conduta antijurídica.

As condutas materialmente antijurídicas adotadas com vistas a tornar um meio de comprovação disponível à parte interessada são o caractere definidor dessa primeira hipótese de ilicitude.

A segunda hipótese corresponde ao que se entende por prova ilícita em si mesma, a qual, para Isabel Alexandre, refere-se às “provas pré-constituídas, cujo

47 Conforme refere Isabel Alexandre, “a prova é ilícita quando resulta da prática de um acto ilícito (furto, gravação ilegal, ameaças, etc.) dentro ou fora da esfera do processo.” (ALEXANDRE, Isabel.

Provas ilícitas em processo civil. Coimbra: Almedina, 1998).

48

ALEXANDRE, Isabel. Provas ilícitas em processo civil. Coimbra: Almedina, 1998. p. 25. 49

modo de obtenção pode ter sido ilícito, ou não, mas cuja utilização processual consubstancia a prática de um acto ilícito, por violar certos direitos fundamentais”.50

A circunstância peculiar desse segundo perfil de prova ilícita é que, uma vez admitidas essas provas, a prática dos atos necessários para sua apreciação em juízo, representariam atividade equivalente a uma conduta que implicaria violação de direitos fundamentais.

Exemplifica-se afirmando que, diante de alguns meios de prova, a intimidade dos indivíduos poderia ser violada em razão da indevida exposição do conteúdo de alguns documentos, independentemente de terem sido, ou não, obtidos por meio de condutas antijurídicas, como no caso de diários íntimos.51

Por fim, a terceira hipótese típica de ilicitude diz respeito à chamada “ilicitude na formação da prova”, ou seja, casos em que “o meio de prova só se constitui com o acto ilícito”, seja a prova pré-constituída ou constituenda.52

Aqui, portanto, não é a utilização da prova que implica violação de um direito, e nem propriamente a maneira como é obtido o meio de comprovação, Trata-se, sim, de lançar mão de uma conduta antijurídica como forma de constituir a prova, dentro ou fora do processo.

Nessa hipótese típica de ilicitude, a prática da conduta antijurídica é fator determinante para a formação da prova, como por exemplo, nos casos de emprego de violência ou coação para obtenção de declarações de testemunhas,53 ou quando a própria testemunha adquiriu os conhecimentos em razão da prática de uma conduta antijurídica.54

Confirma-se, em vista disso, que a qualificação de uma prova caracterizada como ilícita depende, antes de qualquer outra coisa, de uma análise das condutas

50

ALEXANDRE, Isabel. Provas ilícitas em processo civil. Coimbra: Almedina, 1998. p. 26.

51 Assinala Isabel Alexandre que, nesses casos, “existe a particularidade dea respectiva exibição em juízo atentar contra direitos fundamentais: é, por exemplo, o caso de um diário íntimo, de uma carta particular, ou de uma gravação, cuja leitura ou reprodução em audiência pode lesar certos direitos, constitucionalmente protegidos, do autor da mensagem.”, Cfr. ALEXANDRE, Isabel. Provas ilícitas

em processo civil. Coimbra: Almedina, 1998. p. 24.

52

ALEXANDRE, Isabel. Provas ilícitas em processo civil. Coimbra: Almedina, 1998. p. 26. 53

Cfr. ALEXANDRE, Isabel. Provas ilícitas em processo civil. Coimbra: Almedina, 1998. p. 26. 54

Isabel Alexandre cuida desse último exemplo como sendo uma quarta hipótese típica. Embora a própria autora reconheça que “não se vislumbram grandes diferenças” entre a ilicitude quanto ao modo de obtenção de conhecimentos e a ilicitude na formação da prova, justifica uma separação porque às duas hipóteses é conferido um tratamento distinto pela doutrina e, assim sendo, seria em sua opinião “preferível abordar autonomamente os casos de ilicitude na obtenção de conhecimentos, face aos de ilicitude na formação, embora conceptualemente seja duvidosa essa autonomia”. (ALEXANDRE, Isabel. Provas ilícitas em processo civil. Coimbra: Almedina, 1998. p. 26 - 27).

praticadas para formação, obtenção e utilização de uma determinada prova, de forma a verificar se existe a possibilidade de essa “atividade probatória” ser qualificada como ilícita – antijurídica – à luz do direito material ou violadora dos direitos fundamentais consagrados no tecido constitucional.55

Ou seja, o conceito teórico prova ilícita trata-se é um qualificativo que recai sobre o meio de prova, mas para que um determinado meio de prova seja assim designado, deve-se proceder uma análise das condutas de obtenção, formação ou utilização processual e verificar se estão em conformidade com o direito material.

Prova ilícita, portanto, é todo meio de prova cuja obtenção, formação, ou utilização processual é materialmente antijurídica.

O conceito, no plano de análise puramente teórico, não abrange qualquer consequência jurídica. Assim sendo, a prova ilícita não é necessariamente uma prova inadmissível.

Dessa constatação, tendo em consideração que existem diferentes perfis de prova ilícita, e diante dos elementos textuais do Artigo 5º, inciso LVI, da Constituição Federal, surge o seguinte problema: no direito brasileiro, a evidência de qualquer uma das três hipóteses típicas de ilicitude tem como consequência a inadmissibilidade da prova?

A resposta para a pergunta será dada somente após breves colocações acerca da positivação e do fundamento e finalidade da regra constitucional de exclusão de provas.

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