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2 A INADMISSIBILIDADE DAS PROVAS ILÍCITAS NO ORDENAMENTO

3.4 A LEGITIMIDADE PARA REQUERER A APLICAÇÃO DA EXCLUSIONARY

3.4.2 O caso Alderman e a incomunicabilidade da legitimidade para requerer a

Se, de um lado, surgiram controvérsias acerca de qual deveria ser o critério para aferirem-se os casos em que o acusado teria seus direitos violados, de outro, discutiu-se tanto acerca da (in)comunicabilidade da legitimidade para requerer a aplicação da exclusionary rule e, da possibilidade de terceiros aproveitarem-se dos seus efeitos.

Sobre isso, merecem ser alvo de consideração as manifestações da Suprema Corte nos casos Alderman versus United States290 e United States versus Padilla.291 Sobre a conjuntura fática do primeiro desses casos, de forma sintética e conforme a prevailing opinion do Justice Byron Raymond White, deve-se considerar que Alderman e Alderísio foram condenados por “conspirar para fazer ameaças de morte no comércio interestadual” e que, após a confirmação da decisão em segunda instância, os réus descobriram que a sede onde Alderísio promovia seus negócios havia sido alvo de vigilância eletrônica não autorizada por um órgão judicial – em violação à Quarta Emenda – e através da qual foram obtidas provas incriminadoras contra ambos os réus, embora nenhuma conversa de Alderman tenha sido gravada.292

Diante disso, Alderman requereu a exclusão da prova do processo, sustentando que a operação da polícia indubitavelmente atingia os direitos de privacidade de Alderísio, garantidos pela Quarta Emenda, em que pese não os seus próprios.293

A Suprema Corte, em resposta aos fundamentos sustentados por Alderman, no entanto, considerou que mesmo o propósito da regra, de coibir a adoção de condutas, não indicava uma boa relação de custo-benefício quando se tratava de excluírem-se provas cuja obtenção não havia implicado violação dos direitos do próprio acusado:

290

Alderman v. United States, 394 U.S. 165 (1969). 291

United States v. Padilla, 508 U.S. 77 (1993). 292

Cfr. Alderman v. United States, 394 U.S. 165 (1969), p. 165 e ss. 293

[...] Nós não estamos convencidos de que os benefícios adicionais em estender a exclusionary rule em favor dos outros réus justificaria uma maior interferência por sobre o interesse público em processar os acusados de um crime e vê-los absolvidos e condenados com base em todas as evidências que expõe a verdade. 294

Tal análise de custo-benefício entre a extensão dos efeitos da exclusionary rule para os demais réus e a necessidade de preservação da verdade para o julgamento dos réus foi vital para as conclusões obtidas no caso, que reafirmaram o precedente Jones e consolidaram o entendimento de que a legitimidade se liga à titularidade do direito afetado, e não com o prejuízo experimentado pelo réu devido a uma alteração na disponibilidade de provas em favor da acusação decorrente de uma ação ilegal da polícia:

A supressão do resultado de uma violação da Quarta Emenda pode ser arguida apenas por aqueles cujos direitos foram violados pela busca em si, e não por aqueles que são prejudicados apenas pela utilização da prova causadora de dano. Assim, co-réus e conspiradores não detém posição especial, e não podem impedir a admissão de informações contra seus interesses que tenham sido obtidas por meio de vigilância eletrônica contra outras pessoas.295

Em vista disso, além de afirmar a legitimidade para requerer-se a supressão da prova, o precedente Alderman acabou por determinar que os efeitos da exclusão da prova (sua ineficácia) fiquem restritos ao titular do direito ofendido, impossibilitando, por exemplo, que o legitimado possa requerer a exclusão da prova em favor de terceiros.

Uma posição como essa facilmente remete à conclusão de que, menos do que uma garantia dos direitos da Quarta Emenda, a exclusionary rule não passaria de um direito pessoal do acusado, contrariando aquilo que sustentado no Caso Calandra e reiterado no precedente Janis, no sentido de que “a regra é uma criação pretoriana projetada para salvaguardar os direitos da Quarta Emenda [...] em não um direito pessoal constitucional da parte prejudicada.”296

294

Alderman v. United States, 394 U.S. 165 (1969), p. 174-175. 295

Alderman v. United States, 394 U.S. 165 (1969). Vale dizer, quanto a questão substancial de violação dos direitos constitucionais, que a Suprema Corte manifestou-se no sentido de que haveria tão somente uma lesão à privacidade de Alderman caso uma de suas conversas tivesses sido gravadas, ou caso as gravações tivessem sido realizadas em instalações suas, ou seja, utilizando- se do parâmetro insculpido em Jones, visto que o critério de expectativa de privacidade só seria criado mais tarde, em Rakas.

296

Entretanto, deve-se atentar para o fato de que o real fundamento da decisão não está, propriamente, na diferenciação entre um direito e uma garantia, mas sim relacionado à referida análise de custo-benefício em coibir determinadas condutas.

Anos mais tarde, durante o julgamento do caso Padilla297, a Suprema Corte viu-se diante de uma situação semelhante.

De acordo com a opinion per curiam, ratificada pela Suprema Corte, Padilla tinha o controle de uma operação de transporte e distribuição de cocaína, a que estavam associadas diversas pessoas. Uma delas, Luis Arcinega, foi encontrado dirigindo um carro com que transportava a droga, tendo a polícia realizado sua prisão e, subsequentemente, dos demais associados ao fato.

Todos sendo acusados, requereram a aplicação da exclusionary rule em virtude de a abordagem e busca no veículo terem sido realizadas sem uma causa provável.

De acordo com a decisão do caso Padilla, uma das cortes de apelação (The United States Court of Appeals for the Ninth Circuit) havia adotado o que chamava de co-conspirator exception, uma exceção à regra sobre quem teria legitimidade para arguir a inconstitucionalidade de uma busca e apreensão que se baseava justamente no parâmetro de expectativa de privacidade entalhado no caso Rakas. De acordo com a exceção “um co-conspirador obtém uma expectativa legítima de privacidade para fins da Quarta Emenda, se ele tem um papel de supervisão ou na conspiração ou controle conjunto sobre o local ou bens envolvidos na busca ou apreensão.”298

Na opinion per curiam faz-se menção a um trecho da decisão da corte de apelação:

Baseando-se em uma linha de casos do Nono Circuito, a Corte entende que ‘por Xavier Padilla e Donald e Maria Simpson terem demonstrado controle conjunto e supervisão sobre as drogas e veículos e se desempenhado uma participação ativa em um negócio formalizado, têm standing para reivindicar uma expectativa legítima de privacidade quanto a propriedade alvo da busca e em relação aos itens apreendidos. [...]. Donald Simpson criou uma expectativa de privacidade ‘não simplesmente porque é proprietário do carro’, mas também porque ‘ele teve um papel de coordenação e de supervisão na operação. Ele era um jogador fundamental no esquema de transporte que foi essencial na obtenção dos medicamentos na fronteira. [...] Maria Simpson estabeleceu um interesse de privacidade porque ela ‘forneceu uma conexão de comunicação’ entre o marido, Xavier Padilla, e outros membros da conspiração, e ‘desenvolveu um papel de supervisão relacionando a todos e supervisionando a operação.’ [...] Xavier Padilla

297

United States v. Padilla, 508 U.S. 77 (1993), pp. 171 - 172. 298

estabelecida uma expectativa de privacidade, porque ele ‘exibiu controle e fiscalização substanciais com relação à compra e o transporte através do Arizona.’ A corte declarou expressamente que não tinha relevância o fato de Padilla não estar presente durante a abordagem, ou que ele não poderia impedir terceiros de realizar buscas no Cadillac. 299

As conclusões da Corte de Apelação foram prontamente afastadas pela Suprema Corte, segundo a qual, embora as expectativas de privacidade e interesses de propriedade fossem as balizas para analisarem-se arguições de violação para a Quarta Emenda, e que sua observância pode se dar mesmo em meio a uma organização criminosa, isso não quer dizer que o simples desempenho de um papel dentro da organização criminosa faria comunicar entre as partes os direitos inerentes à Quarta Emenda.

Ou seja, o caso Padilla reafirmou tanto o precedente Alderman, quanto a não comunicação da legitimidade, quanto Rakas, no que tange ao parâmetro de expectativa de privacidade em caso de buscas pela polícia, esclarecendo, ainda, que a mera participação em um esquema criminoso não cria um legítimo interesse de privacidade para todo o grupo associado na atividade e que, portanto, seria dessa forma incomunicável a legitimidade para requerer-se a exclusão de prova e “aproveitarem-se” os efeitos da exclusão no que concerne ao titular do direito afetado.

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