• Nenhum resultado encontrado

4 ELEMENTOS PARA DENSIFICAÇÃO DOGMÁTICA DA REGRA

4.6 A PROVA ILÍCITA POR DERIVAÇÃO

Embora o texto do artigo 5º, inciso LVI, da Constituição Federal, nada mencione acerca da chamada prova ilícita por derivação, é nítida a influência da fruits of the poisonous tree doctrine sobre a jurisprudência dos tribunais brasileiros, os quais – bem como a legislação processual penal – a assimilaram sob o mesmo fundamento emprestado pela Suprema Corte norte-americana.

Além disso, tanto a legislação infraconstitucional (processual penal) quanto a própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal incorporaram duas das teorias que relativizam a transmissão dos efeitos contaminantes da prova originária para aquela derivada: a independent source rule e a Inevitable Discovery Exception.

Diante desse quadro, resta acentuada a preocupação acerca da compatibilidade de cada uma dessas construções teóricas da U.S. Supreme Court com finalidade, fundamentos e estrutura normativa ínsita à regra constitucional de exclusão de provas.

E mesmo que haja omissão legal no âmbito do processo civil sobre essas teorias, o caráter geral de seus fundamentos revela a possibilidade de recorrer-se à análise do tratamento conferido a essas construções em processos de natureza criminal, o que figura verdadeiramente oportuno para este estudo, uma vez que tanto o Superior Tribunal de Justiça quanto o Supremo Tribunal Federal debruçaram-se inúmeras vezes sobre o tema em questão nesse ramo do direito, mas nunca dedicaram atenção ao problema no âmbito do processo civil.

Inserida nessa perspectiva, a abordagem acerca da ilicitude por derivação partirá de um breve escorço acerca de sua assimilação por parte da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Após, serão explicadas as premissas fundamentais da fruits of the poisonous tree doctrine e sua compatibilidade com a finalidade insculpida no artigo 5º, inciso LVI, da Constituição Federal.

Por fim, serão submetidas à apreciação, com o mesmo propósito, as teorias que implicam a mitigação da aplicação da medida de exclusão quanto às provas contaminadas, tanto daquelas que, conforme referido, já constituem um instrumental legalmente consolidado, quanto à purged taint theory, sobre a qual restam silentes a legislação e a jurisprudência brasileiras.

4.6.1 Escorço sobre a assimilação da fruits of the poisonous tree doctrine pelo direito brasileiro

Conforme assinalam Grinover, Gomes Filho, e Fernandes, mesmo antes da positivação no texto constitucional da regra constitucional de exclusão de provas, o Supremo Tribunal Federal já havia se pronunciado no sentido de reconhecer a contaminação das provas sucedâneas das ilícitas.395

Com o advento da Constituição Federal de 1988, através da qual foi positivada a regra de exclusão de provas, entretanto, as discussões sobre a aplicabilidade da construção norte-americana ao direito brasileiro revelou-se como não solucionada, havendo opiniões divididas acerca de sua aplicabilidade.

De fato, conforme demonstram discussões travadas em meio ao julgamento do Habeas Corpus 69.912-0 RS, a própria assimilação da fruits of the poisonous tree doctrine pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ocorreu em meio a um contexto de opiniões divididas e de uma sucessão de acontecimentos que, embora estranhos ao mérito da questão, foram vitais para a prevalência da tese que reconheceu a existência de efeitos contaminantes, consolidando a noção de ilicitude por derivação no direito brasileiro.

Por ocasião do julgamento, compunham o órgão colegiado, de um lado, Ministros que entendiam ser necessária a aplicação do instituto como forma de barrar qualquer aproveitamento dos conhecimentos que sejam obtidos através de uma conduta antijurídica; e de outro, Ministros que entendiam que o reconhecimento de efeitos contaminantes acabava por potencializar as desvantagens decorrentes dos efeitos prejudiciais da exclusão da prova à busca da verdade, na medida em que repercutem em excessiva exposição das decisões ao risco de resultarem em injustiça, o que agravar-se-ia ainda mais quando se tratasse de examinar provas em um processo que tem por objeto questões correlatas à criminalidade mais grave.396

395

Cfr. GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; FERNANDES, Antônio Scarance. As nulidades no processo penal. 12. ed., rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 134. Referem os autores: “O Supremo Tribunal Federal, mesmo antes da promulgação da Constituição de 1988, havia sinalizado para a adoção da teoria dos frutos da árvore envenenada quando, contra o voto do relator, concluíra não apenas pelo desentranhamento das gravações clandestinas, mas também pelo trancamento do inquérito policial, por inexistirem nos autos elementos não viciados pela contaminação da prova ilícita (RTJ 122/47).”

396

Cfr. MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2011.

Em meio ao contraste de opiniões, sobreveio uma primeira decisão do colegiado, através da qual o Supremo Tribunal Federal se manifestou expressamente no sentido de não incorporar a fruits of the poisonous tree doctrine à sistemática de tratamento das provas ilícitas do direito brasileiro. O resultado foi obtido através de uma apertada votação, com seis votos contrários a admitir-se a existência de efeitos contaminantes, contra cinco que defendiam sua aplicabilidade.397

Contudo, a decisão não se revestiu de estabilidade, porquanto foi constatado o impedimento de um dos Ministros que participaram da decisão, tendo esta sido anulada e, aproximadamente um ano mais tarde, realizado um novo julgamento.398

Em novo julgamento, em que estavam presentes os dez Ministros os quais não tinham qualquer impedimento, “deferiu-se a ordem pela prevalência dos cinco votos vencidos no anterior, uma vez que o empate favorece o paciente”,399

razão pela qual prevaleceu, na ocasião, a tese de contaminação das provas derivadas da ilícita.

Assim, o resultado favoreceu o paciente em virtude do empate na votação, sendo evidente que o reconhecimento do impedimento de um dos Ministros foi vital para a aplicação da fruits of the poisonous tree doctrine, já que a maioria das cadeiras do Supremo eram ainda ocupadas pelos seis Ministros que repudiavam a tese da ilicitude por derivação.

Nesse quadro, se, para aquele caso, havia sido reconhecida a aplicabilidade da fruits of the poisonous tree doctrine, a tendência era a de que isso seria revertido em um julgamento próximo.

Entretanto, “com a aposentadoria do Ministro Paulo Brossard, adepto da incomunicabilidade da prova ilícita [...] a questão tornou-se pendente de futuro pronunciamento, já com a participação do Ministro Maurício Corrêa”, quem assumiu

397 Conforme salienta Alexandre de Moraes, “nesta decisão, votaram pela licitude das provas decorrentes das provas ilícitas os Ministros Carlos Velloso, Paulo Brossard, Sidney Sanches, Néri da Silveira, Octávio Galloti e Moreira Alves.” (MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil

interpretada e legislação constitucional. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 292.

398

Uma análise mais detalhada de tais circunstâncias pode ser encontrada em PAIM, Gustavo Bohrer. A garantia da licitude das provas e o princípio da proporcionalidade no direito brasileiro. In: PORTO, Sérgio Gilberto (Org.). As garantias do cidadão no processo civil: relações entre constituição e processo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 184.

399

MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 293.

Documentos relacionados