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2 A INADMISSIBILIDADE DAS PROVAS ILÍCITAS NO ORDENAMENTO

3.6 A FRUITS OF THE POISONOUS TREE DOCTRINE E SUAS LIMITAÇÕES

3.6.1 O caso Silverthorne e a contaminação das provas derivadas de

O precedente Silverthorne Lumber Co v. United States310 foi a centelha criativa do desenvolvimento da fruits of the poisonous tree doctrine, teoria que preconiza a contaminação de elementos de prova prima facie lícitos, mas que tem sua realização condicionada pela prática de uma conduta antijurídica.311

A análise dessa doutrina é de especial importância não só por consistir em um dos mais marcantes aspectos da aplicação da exclusionary rule, mas, principalmente, em razão de ter sido assimilada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal brasileiro e, ainda, incorporada à legislação processual penal, conforme abordagem que se realizará adiante.

Os fatos analisados no caso Silverthorne diziam respeito a uma diligência de busca e apreensão, não autorizada judicialmente, realizada na sede da companhia Silverthorne Lumber Co., da qual resultou a apreensão de livros comerciais e outros documentos.

Mais especificamente, conforme a prevailing opinion redigida pelo Justice Oliver Wendell Holmes, o administrador da empresa, Frederick Silverthorne, estava sendo investigado por sonegação fiscal, razão por que foi detido junto com seu pai (também administrador) e ficou sob custódia das autoridades por algumas horas. “Enquanto eles estavam detidos, membros do Department of justice e o United States Marshal, sem qualquer sombra de autorização, foram até o escritório de sua companhia e fizeram uma ‘limpa’ nos livros, papéis e documentos lá encontrados.”312

Em razão da violação à Quarta Emenda, imediatamente os réus requereram a devolução dos documentos para a sede da Cia., o que lhes foi deferido.

Contudo, antes de devolvê-los, o District Attorney analisou os materiais indevidamente apreendidos e deles obteve informações até então desconhecidas, das quais, inclusive, tirou fotografias.

310

Silverthorne Lumber Co. v. United States, 251 U.S. 385 (1920). 311

A informação é ratificada pela prevailing opinion de Justice Warren Earl Burger durante o julgamento do caso Nix v. Willians, 467 U.S. 441 (1984): “A doutrina que exige dos tribunais a supressão de provas como a "fruta" contaminada por condutas antijurídicas do Estado teve sua gênese em Silverthorne Lumber Co. v Estados Unidos, 251 EUA 385 (1920); na ocasião, a Corte considerou que a regra de exclusão não se aplica apenas à prova obtida ilegalmente em si, mas também às outras provas incriminadoras derivadas da prova primária.”

312

Após a devolução dos bens apreendidos, os conhecimentos referentes às informações contidas nos referidos documentos foram utilizados para reunir provas e determinar algumas medidas específicas em um novo processo criminal contra os Silverthornes, administradores da company. Dentre tais medidas, foi expedida uma intimação para um deles – instruída com as cópias dos documentos –, para que apresentasse em juízo os documentos anteriormente apreendidos irregularmente. A determinação foi desobedecida pelo administrador da company e ele acabou sofrendo consequências pelo “desacato” da ordem judicial (contempt of court), dentre elas a determinação de pagar uma multa e de ser mantido confinado até purgar o “desacato” cometido, mediante o cumprimento da determinação de entrega dos documentos.313

A Suprema Corte, entretanto, determinou a reversão das consequências impostas pelas cortes originárias em razão do contempt of court, em vista de as intimações terem sido elaboradas com base em informações obtidas com violação das garantias da Quarta Emenda.

A Suprema Corte entendeu que admitir a possibilidade de utilização dos conhecimentos derivados das provas ilicitamente obtidas seria algo como reduzir a Quarta Emenda a um mero conjunto de palavras, negando-lhe eficácia, já que o resultado pretendido com a violação não poderia ser alcançado diretamente (conforme Weeks), mas possibilitava que fosse alcançado através de dois passos, o primeiro, a própria violação e obtenção dos conhecimentos, e o segundo, a obtenção da prova através de meios juridicamente aceitáveis, mas com base em informações obtidas através do primeiro passo. 314

Daí concluir a Suprema Corte, no caso, que “os conhecimentos adquiridos através dos próprios erros do Estado não podem ser por ele utilizados na forma proposta”.315

Assim, o precedente Silverthorne deixou consignado que, mais do que restringir a utilização do meio de prova apreendido em juízo, a exclusionary rule deveria impedir que qualquer conhecimento obtido através de práticas que violavam a Quarta Emenda fosse utilizado com o propósito de fazer prova.

313

Cfr. Silverthorne Lumber Co. v. United States, 251 U.S. 385 (1920).

314

Cfr. Silverthorne Lumber Co. v. United States, 251 U.S. 385 (1920). 315

A ideia foi reiterada no precedente Nardone v. United States,316 caso em que a decisão pela exclusão da prova indiretamente derivada da conduta antijurídica foi assentada sobre fundamentos relacionáveis ao deterrent effect, conforme depreende-se da colocação do J. Felix Frankfurter que, ao dar a prevailing opinion do caso, referiu que “proibir o uso direto de certos métodos, mas não pôr limites a seu pleno uso indireto apenas provocaria o uso daqueles mesmos meios considerados incongruentes com os padrões éticos e destrutivos da liberdade pessoal.”317

Além de reiterar as implicações decorrentes do não reconhecimento da ilicitude por derivação, o caso Nardone deixou sua marca com a consagração da terminologia pela qual a contaminação das provas seria tratada no direito norte- americano: A doutrina dos Frutos da Árvore Venenosa – The fruits of the poisonous tree doctrine.

Através desses dois casos, a Suprema Corte consolidou o entendimento de que não só o meio de prova diretamente obtido através da conduta lesiva de direitos fundamentais deveria ser excluído do processo, mas também todos aqueles que possam ser considerados frutos da conduta, ou melhor, das informações obtidas através dela.318

Além de consolidar essa ideia, Justice Holmes esclareceu, ainda por ocasião do julgamento Silverthorne, que a aplicação da exclusionary rule em decorrência de contaminação das provas, não implica a impossibilidade de comprovarem-se os fatos que correspondem à hipótese em que se baseia a acusação, já que tais fatos “não se tornam sagrados e inacessíveis. Se o conhecimento deles é adquirido de uma fonte independente eles podem ser provados como qualquer outro.”319

316

Nardone v. United States 302 U.S. 379 (1937). 317

Nardone v. United States 302 U.S. 379 (1937). Mais especificamente, a questão referia-se a escutas telefônicas ilegalmente instaladas e as informações através delas obtidas, pelo que concluiu o Justice Felix Frankfurter que “a evidência adquiridos através de escutas telefônicas é inadmissível [...] Isso se aplica não só para as conversas interceptadas em si, mas também, por implicação, a prova obtida por meio da utilização dos conhecimentos adquiridos a partir de tais conversas.”

318

A regra pode ser compreendida a partir da premissa estabelecida pelo Justice Antonin Scalia no quando do julgamento do caso Murray versus United States, no ano de 1988: “A exclusionary rule proíbe a admissão como prova de materiais tangíveis apreendidos durante uma busca ilegal [...] e testemunhos correlatos a conhecimentos adquiridos durante uma busca ilegal [...]. Além disso, a exclusionary rule também proíbe a admissão de prova derivada, tanto tangível quanto testemunhal, que são produto da prova originária, ou que é de outra forma adquirida como um resultado indireto de uma busca ilegal.” Cfr. Murray v. United States, 487 U.S. 533 (1988), p. 536–537.

319

Ou seja, desde a concepção da fruits of the poisonous tree doctrine, deixou- se claro que a aplicação da exclusionary rule não repercute na impossibilidade de que a prova de um determinado fato alegado em juízo torne-se impossível ou inviável, mas apenas na ineficácia dos meios de prova obtidos através de violação da Quarta Emenda e das informações obtidas mediante tais violações e que podem ser utilizadas para obterem-se outros meios de comprovação.

Ou seja, não é o objeto da prova – fato alegado pela parte e relevante para o processo – que é atingido pela aplicação da exclusionary rule, mas sim a eficácia do meio de prova originário e daqueles derivados dos conhecimentos adquiridos através da conduta antijurídica empreendida.

Isso implica afirmar que, havendo outros meios para comprovar o mesmo fato que pretendia-se provar com o meio de prova excluído, a simples aplicação da exclusionary rule em relação a este não repercute na ineficácia de meio de prova idôneo para a comprovação do fato, por tratar-se de uma fonte independente.

Há certa simplicidade no raciocínio, que não significa outra coisa que não a afirmação de que, diante da existência de uma fonte independente (uma prova independente da conduta antijurídica), a esta não pode ser negada eficácia probatória.

Esse raciocínio, entretanto, ganha uma certa sofisticação diante de algumas construções teóricas que podem ser compreendidas como verdadeiros limites à ilicitude por derivação: (a) a independent source doctrine; (b) a purged taint exception; e (c) a inevitable discovery exception e que passam, neste momento, a ser alvo de abordagem.

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