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2 A INADMISSIBILIDADE DAS PROVAS ILÍCITAS NO ORDENAMENTO

3.6 A FRUITS OF THE POISONOUS TREE DOCTRINE E SUAS LIMITAÇÕES

3.6.3 Nix v Willians e a inevitable discovery exception

A inevitable discovery exception “permite que a acusação faça uso de provas ilegalmente obtidas quando um juiz estiver convencido, por uma preponderância de provas, em uma audiência de supressão, que a prova poderia ter sido encontrada por outros meios legais”324

Sua consagração pela Suprema Corte ocorreu no julgamento do caso Nix v. Willians,325 ocasião em que foi discutida a aplicação da exclusionary rule para extirpar prova relacionada a um interrogatório policial realizado sem a presença de um advogado – após a prisão do acusado – violando assim a Sexta Emenda.

O interrogado, Willians, era um doente mental e fugitivo procurado pelo sequestro e provável assassinato de uma criança.326 Ainda foragido, Willians consultou um advogado e negociou sua rendição às autoridades policiais, indicando o local onde ela se encontrava. Uma vez que a prática do delito havia se iniciado em outra localidade, após Willians entregar-se para as autoridades, foi necessário realizar seu transporte. Entretanto, o advogado de Willians foi impedido por agentes policiais de acompanhá-lo na viatura em que seria feito seu transporte, razão pela qual o causídico – diante da situação peculiar de seu cliente – advertiu aos policiais que não lhe fizessem qualquer questionamento em sua ausência.

Apesar da advertência, os policiais fizeram questionamentos sobre o paradeiro do corpo vítima, que ainda não havia sido encontrada, ao que Willians respondeu indicando o local onde jazia seu cadáver, possibilitando que fosse recuperado.

324

McINNIS, Tom N. Nix v. Williams and the inevitable discovery exception: creation of a legal safety net. Saint Louis University Public Law Review, v. 28, 2009. p. 397.

325

Nix v. Willians, 467 U.S. 431 (1984). 326

Nix v. Willians, 467 U.S. 431 (1984), p. 434 - 436 (1984). Willians era suspeito do assassinato de uma garota de apenas dez anos. Testemunhas oculares o viram saindo de um evento esportivo carregando um cobertor em que estava enrolada a vítima, sendo visíveis as pernas desta. O carro do suspeito foi localizado no dia seguinte ao desaparecimento da vítima a 160 km do local. Diante da hipótese de que o suspeito teria abandonado a vítima em local próximo de onde encontrado o veículo, imediatamente formou-se um grupo de mais de duzentas pessoas que passaram a dedicar-se a sua localização. Nesse meio tempo, Willians entregou-se às autoridades policiais e, enquanto era deslocado em uma viatura, teve uma conversa informal com um dos policiais – sem a presença de um advogado – que, com “apelo sentimental”, asseverou que Willians seria o único que poderia garantir à família da vítima a possibilidade de dar-lhe um velório cristão. Willians então indicou o local do corpo da vítima. Ao mesmo tempo, porém, um grupo de buscas aproximava-se do local para inspecioná-lo, considerando-se àquela altura que seria iminente a localização do corpo por um de seus integrantes.

A conduta dos agentes estatais foi considerada ofensiva aos direitos que conteúdo da Sexta Emenda da Bill Of Rights e, diante disso, a contaminação da prova eclodia da confissão ilicitamente obtida, comunicando-se à própria circunstância de localização do corpo da vítima (afirmando a materialidade), até a prova pericial realizada sobre a peça.

Nenhuma das provas derivadas, entretanto, foi excluída, uma vez que a Suprema Corte considerou que, apesar de ter sido o interrogatório que efetivamente possibilitou a localização do corpo, quando este foi encontrado já estava próxima do local uma força tarefa previamente constituída com o propósito específico de localizar a vítima (ou seu corpo), considerando-se, por isso, que sua descoberta seria inevitável.

Ou seja, a Suprema Corte trabalhou com a provável hipótese de que o corpo inevitavelmente seria localizado pelos grupos de busca, de forma que, em tal circunstância hipotética, não haveria qualquer tipo de ilicitude na sua obtenção e, assim sendo, pouco importava que as declarações de Willians tivessem sido obtidas antijuridicamente.

A Suprema Corte colocou a questão sob a perspectiva do status quo da disponibilidade de provas da parte (no caso da acusação) para o caso de que nenhuma ilicitude tivesse sido cometida, conforme demonstra a prevailing opinion redigida pelo Chief Justice Warren Earl Burguer:

A doutrina fonte independente nos ensina que o interesse da sociedade para dissuadir a conduta antijurídica da polícia e o interesse público de que os jurados recebam todas as provas de um crime estão devidamente ponderadas através da colocação da polícia na mesma posição em que ela estaria caso nenhum erro ou má conduta policial tivesse ocorrido [...] Quando a prova contestada tem uma fonte independente, a exclusão dessa prova colocaria a polícia em uma posição pior do que aquela caso nenhum erro ou violação tivessem sido cometida pela polícia. Há uma semelhança funcional entre essas duas doutrinas, na medida em que a exclusão de provas que inevitavelmente seriam descobertas também colocaria o Estado em uma posição pior, porque a polícia teria obtido as provas mesmo que nenhuma falta grave tivesse ocorrido. Assim, enquanto a exceção de fonte independente não justificaria admissão de provas, neste caso, sua razão de ser é inteiramente coerente e justifica nossa adoção da inevitable discovery exception para a exclusionary rule. 327

Assim, sua conclusão foi no sentido de que a disponibilidade de provas da acusação não poderia ser enfraquecida em razão de que aquela prova seria obtida

327

de maneira lícita e que, inevitavelmente, aportaria no processo sem causar qualquer tipo de prejuízo.328

Frente à prevailing opinion, foi conferida uma dissenting opinion pelo Justice Brennan em que era reconhecida a correção em adotar a Inevitable Discovery Exception, porém, exigindo que a hipótese de ocorrência do fato caracterizador da fonte independente – no caso a descoberta do corpo pelo grupo de busca – seja confirmado de acordo com um standard probatório de prova clara e convincente:

[...] a Corte conclui que as provas obtidas inconstitucionalmente podem ser admitidas em julgamento se inevitavelmente teriam sido descobertas na mesma condição por uma linha independente de investigação que já estava sendo perseguida quando a violação constitucional ocorreu. [...] eu concordo que, nessas circunstâncias, a ‘inevitable discovery’, exceção à regra de exclusão, é consistente com os requisitos da Constituição.

[...]

A exceção descoberta inevitável necessariamente implica uma conclusão hipotética que difere em espécie da constatação factual que antecede a aplicação da regra fonte independente. Para garantir que esta descoberta hipotética é equivalente a circunstâncias funcionalmente equivalentes a uma fonte independente, e proteger plenamente os direitos fundamentais atendidos pela regra de exclusão, eu exigiria provas claras e convincentes antes de concluir que o governo tivesse cumprido a sua carga de prova sobre esta questão. 329

A exigência do J. Brennan, embora não acolhida, remonta a uma preocupação com o principal aspecto diferenciador entre a independent source rule da inevitable discovery exception.

Enquanto no primeiro caso considera-se o próprio fato ou prova que autoriza a admissão da prova derivada; no segundo, reputa-se apenas a probabilidade que envolve a hipótese de ocorrência de um fato ou prova que, de antemão, tem-se por certo que não se concretizou.

Uma das exceções, portanto, depende da comprovação de um fato ou prova fonte independente, a outra, depende da comprovação da probabilidade da ocorrência de um fato ou prova equivalente a uma fonte independente, mas que, efetivamente, sabe-se não ter existido, sendo ambas processos hipotéticos de investigação.

328

Nix v. Willians, 467 U.S. 431 (1984), p. 452 - 458. Justice Stevens, em sua concurring opinion, colocou a questão sob uma perspectiva diversa daquela referente ao status quo da disponibilidade de provas, mas sob o enfoque da incompatibilidade da conduta assumida pelo policial com o sistema adversarial (acusatório), porquanto inquisitória, em face da possibilidade de obtenção da prova pelo grupo de busca, situação no qual não haveria qualquer incompatibilidade com os preceitos constitucionais.

329

Afora essas duas exceções, há ainda uma terceira, a purged taint exception.

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